Acórdão nº 00614/07.8BEVIS de Tribunal Central Administrativo Norte, 14 de Outubro de 2021

Magistrado ResponsávelRosário Pais
Data da Resolução14 de Outubro de 2021
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam em conferência os Juízes da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:* 1. RELATÓRIO 1.1. B., Lda.

, devidamente identificada nos autos, vem recorrer da sentença proferida no Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto em 30.05.2017, pela qual foi julgada improcedente a impugnação judicial por si deduzida contra as liquidações adicionais de IVA e juros compensatórios do ano de 2002, no valor global de 5.888,36€.

1.2. A Recorrente B., Lda.

terminou as respetivas alegações formulando as seguintes conclusões: «a) Tendo em consideração, por um lado, o que foi alegado na petição inicial da Impugnação, e, por outro lado, os concretos elementos probatórios que constam nos autos, a ora Recorrente não se conforma com a matéria de facto que, na Sentença recorrida, foi dada como provada e não provada.

b) Com base no Relatório de Inspecção Tributária que, enquanto documento nº 8, foi junto pela ora Recorrente com a P.I. da sua Impugnação, deveriam ter sido igualmente dados como provados, porque interessam sobremaneira à boa decisão da causa, os seguintes factos: - No ponto “IV.2” do Relatório de Inspecção Tributária refere-se que, relativamente aos exercícios de 2002, 2003 e 2004, é “impossível a comprovação e quantificação directa e exacta dos elementos indispensáveis à correcta determinação da matéria tributável” da Impugnante.

- Ainda nesse ponto “IV.2” do Relatório de Inspecção Tributária refere-se que, “quanto ao exercício de 2002, o recurso à avaliação indirecta não é possível de ser usado nesta data em face da caducidade do direito de liquidar os tributos, tal como dispõe o art.º 45 da LGT”.

c) Contrariamente ao que foi decidido na Sentença recorrida, a actuação da AT configura uma manifesta violação das regras legais de determinação da matéria tributável.

d) Tendo em consideração o teor dessa mesma Sentença (na parte em que aí se refere que “é evidente que, no caso dos autos, não obstante a AT se ter confrontado com uma situação que do seu próprio ponto de vista era passível de correcções através de métodos indirectos de avaliação, esta optou por não tributar a totalidade da matéria tributável real (sendo certo que segundo o seu entendimento se estava perante indícios de omissão de uma parte substancial dela), limitando-se a corrigir apenas a matéria tributável relativa aos custos e proveitos objetivamente omitidos à contabilidade (ver Quadros 1, 2, 6, 7 e 9 do Relatório), conforme resulta do ponto 23 do probatório (ou facto 23 de 3.1 supra)”, e que “a opção da AT pelas correcções técnicas assentou expressamente no constrangimento temporal resultante do facto de estar iminente o termo do prazo de caducidade de 4 anos previsto no artigo 45º da LGT, já que a inspecção decorria nos últimos dias do último ano desse prazo – ver ponto IV.2.d), a fls. 20, do Relatório”, não se compreende como pode o tribunal a quo ter decidido que o procedimento adoptado pela AT no caso sub judice “não merece crítica”.

e) No entender da AT, os elementos contabilísticos da ora Recorrente não reflectiam, com referência a todos os exercícios analisados (2002, 2003 e 2004), as operações efectivamente realizadas.

f) Sendo esse o entendimento da AT, impunha-se, concomitantemente, que, em obediência ao princípio da legalidade a que se encontra legal e constitucionalmente vinculada, ela tivesse procedido, também com referência ao exercício de 2002, à avaliação da matéria tributável da ora Recorrente através do recurso a métodos presuntivos ou indirectos.

g) Porém, fundamentando-se apenas no receio de uma alegada “caducidade do direito de liquidar os tributos”, a AT, com referência ao exercício de 2002, optou por, arbitrariamente, proceder à avaliação directa da matéria tributável da ora Recorrente, apesar de, no seu entender, se encontrarem verificados os pressupostos de recurso à avaliação indirecta (cfr. ponto nº 23 da matéria de facto dada como provada na Sentença recorrida).

h) Ainda de forma contrária ao que foi decidido na Sentença recorrida, a AT não podia, à margem do se encontra legalmente estabelecido, escolher o método pelo qual deveria proceder à determinação da matéria tributável da ora Recorrente.

i) Uma vez que, por um lado, a discricionariedade só existe nos casos em que a lei atribui à administração fiscal o poder de escolha entre várias alternativas válidas, e, por outro lado, que, no caso em apreço, foi a própria AT quem, no Relatório de Inspecção Tributária, concluiu que era “impossível a comprovação e quantificação directa e exacta dos elementos indispensáveis à correcta determinação da matéria tributável”, a única decisão que se afigurava correta era a de proceder à determinação da matéria tributável da ora Recorrente através do recurso a métodos indirectos.

j) Todavia, apesar de actuar no uso de poderes estritamente vinculados pelo princípio da legalidade, a AT, fazendo uso de uma inadmissível arbitrariedade quanto à opção do método a utilizar, decidiu proceder à avaliação da matéria tributável da ora Recorrente através do que, erradamente, designou serem “correcções meramente aritméticas”.

k) A questão a decidir nos presentes autos não se prende, pois, com qualquer pretensa discriminação da ora Recorrente perante os restantes contribuintes (como se refere na Sentença recorrida), mas antes com uma clara e evidente violação do princípio da legalidade tributária previsto, designadamente, nos arts. 266º da CRP, 8º e 55º da LGT.

l) Não obstante ter concluído pela impossibilidade de “comprovação e quantificação directa e exacta dos elementos indispensáveis à correcta determinação da matéria tributável” da ora Recorrente, a AT, tendo única e exclusivamente por base um critério de oportunidade relacionado com a previsível caducidade da liquidação, decidiu, em clamorosa ofensa dos limites impostos pelos princípios da legalidade, da certeza e da segurança jurídica, bem como da boa-fé, proceder à determinação dessa matéria tributável através de pretensas correcções aritméticas.

m) O entendimento vertido na Sentença recorrida no sentido de que a eventual arrecadação de uma receita por parte da AT legitima que se postergue uma garantia dos contribuintes (concretamente, o direito de estes pedirem a revisão da matéria tributável fixada por métodos indirectos), não é legalmente aceitável, configurando uma verdadeira denegação da função garantística do direito tributário adjectivo.

n) O tribunal a quo deu erradamente por adquirido que a determinação da matéria tributável da ora Recorrente por métodos indirectos seria mais gravosa do que a aquela que foi efectivamente realizada, porquanto não levou em consideração, desde logo, que, no caso de a AT ter recorrido à fixação da matéria tributável através de métodos indirectos, a Recorrente poderia ter solicitado a respectiva revisão antes de serem efectuadas as respectivas liquidações.

o) As liquidações impugnadas enfermam, pois, de ilegalidade decorrente da violação das regras de determinação da matéria tributável, devendo por isso ser anuladas.

p) De forma distinta do que consta na Sentença recorrida, assiste razão à Recorrente quando alega que a actuação da AT originou uma diminuição das suas garantias de defesa.

q) Relativamente aos actos de avaliação indirecta, adoptou-se, no art. 86º-3 da LGT, a regra da não impugnabilidade contenciosa autónoma, oposta à prevista para a avaliação directa.

r) Assim, quando o acto final do procedimento de avaliação indirecta da matéria tributável é um acto de liquidação, apenas este acto é contenciosamente impugnável.

s) Se os actos interlocutórios do próprio procedimento de avaliação enfermarem de vícios, os mesmos só podem ser invocados na impugnação contenciosa do acto de liquidação (salvo quando forem imediatamente lesivos dos direitos do contribuinte ou exista disposição expressa em sentido diferente).

t) A lei prevê, pois, em regra, a inimpugnabilidade contenciosa directa de um acto praticado num procedimento de avaliação que culmine com uma liquidação de imposto.

u) Por outro lado, os arts. 86º-5 da LGT e 117º-1 do CPPT acolhem a regra de que a impugnação judicial da liquidação fundada em erro de quantificação ou nos pressupostos da determinação indirecta da matéria tributável depende de uma prévia reclamação, que, no art. 91º daquele primeiro diploma legal, se concretiza como um “pedido de revisão da matéria colectável”.

v) Deste modo, o acto de liquidação de imposto não é susceptível de impugnação contenciosa com fundamento em errónea aplicação de métodos indirectos ou erro na quantificação, quando não tenha sido previamente solicitado pelo contribuinte o procedimento de revisão da matéria colectável.

w) Conforme supra referido, do Relatório de Inspecção Tributária resulta inequívoco que, no entender da AT, os elementos contabilísticos da ora Recorrente não reflectiam, com referência ao exercício de 2002 (bem como relativamente aos exercícios de 2003 e 2004), as operações efectivamente realizadas.

x) Se era esse o seu entendimento, então a AT deveria ter procedido, também com referência a esse exercício de 2002, à avaliação da matéria tributável da ora Recorrente através do recurso a métodos indirectos.

y) Ao assim não ter feito, a AT violou o princípio da legalidade constitucional e legalmente consagrado (cfr. arts. 266º-2 da CRP e 8º-2 da LGT) e, dessa forma, impediu que a ora Recorrente, ao abrigo do acima referido art. 91º da LGT, reclamasse da aplicação desse método de avaliação da matéria tributável, bem como da quantificação da mesma.

z) Tal omissão consubstancia uma intolerável diminuição das garantias procedimentais da ora Recorrente.

aa) Também com esse fundamento, deverá a Sentença recorrida ser revogada e...

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