Acórdão nº 00224/09.5BEBRG de Tribunal Central Administrativo Norte, 22 de Janeiro de 2021

Magistrado ResponsávelHelena Ribeiro
Data da Resolução22 de Janeiro de 2021
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam, em conferência, os juízes desembargadores da Secção Administrativa do Tribunal Central Administrativo Norte: I – RELATÓRIO 1.1. M.

e mulher M.

, residentes na Rua de (…), intentaram a presente ação administrativa especial contra o Município de (...), sito na Praça (…), na qual formularam os seguintes pedidos: “a) declarar nulo o despacho proferido em 27 de Outubro de 2008 pelo Presidente da Câmara Municipal de (...), que indeferiu o pedido de legalização de um muro com cerca de 0,40 m na cobertura de um anexo existente na propriedade dos AA., bem como, a estrutura de alumínio e vidro com cerca de 1,40m existente no mesmo, ordenando a sua demolição no prazo de 30 dias, por padecer quer do vício de violação de lei quer do vício de forma, por falta de fundamentação, quer, ainda, porque traduz a violação do conteúdo essencial de vários direitos fundamentais, bem como, nessa conformidade, b) declarar nulo o ato administrativo praticado em 30 de Janeiro de 2009, pelo Vice-Presidente da Câmara Municipal de (...) que determinou a posse administrativa do prédio dos AA., com vista demolir um murete com uma altura de 0,40 cm que contorna a cobertura da garagem e a estrutura em alumínio com vidro fosco, com uma largura de 1,40m, colocada sobre o mesmo, a qual contorna a garagem nos limites Sul e Poente do terreno; e, c) condenar o Réu em custas, procuradoria e demais encargos legais.”.

Alegaram, para tanto, em síntese, não existir um “muro tapa vistas”, conforme parecer elaborado pela arquiteta responsável pela informação técnica subjacente ao despacho de proposta de indeferimento, porque cronologicamente o muro em causa é anterior à existência de qualquer anexo do proprietário confinante L. ; O muro e estruturas em causa, são construções datadas de 1991, já existentes no local desde esse tempo, e tais construções prediais têm vindo a ser usufruídas e, assim, possuídas pelos Autores há mais de 15 anos, sem interrupção, à vista e com conhecimento de toda a gente; Mais alegam que os atos impugnados padecem de vício de violação de lei por erro nos pressupostos de facto, na medida em que assumem erradamente como facto que foram os Autores que construíram sem observar as distâncias regulamentares com o prédio do vizinho L., quando o que sucedeu foi o inverso; Advogam que, o Réu faz “tábua rasa” dos imperativos legais sobre a fundamentação de um ato, não se pronunciando sequer sobre os elementos documentais que comprovam a sequência cronológica da construção da garagem dos Autores e respetivos muros e da construção do anexo do vizinho L., pelo que, o ato padece de falta de fundamentação; Por último, aduzem que o ato praticado pelo Réu espelha um profundo desprezo pelos mais elementares Princípios Constitucionais, norteadores da atuação da Administração Pública, como o princípio da igualdade, legalidade, respeito pela propriedade privada, imparcialidade e da justiça.

1.2.

Citado, o Réu apresentou contestação, na qual se defendeu por exceção e por impugnação. Na defesa por exceção, invocou a exceção da inimpugnabilidade do ato emanado em 27.10.2008. Quanto à defesa por impugnação, contraditou os factos alegados pelos Autores, pugnando pela improcedência da ação.

1.3.

Notificados, os Autores responderam à exceção invocada na contestação pugnando pela sua improcedência.

1.4.

Por despacho datado de 27.04.2012 foi suscitada oficiosamente a inimpugnabilidade do ato emanado em 30.01.2009.

1.5.

Os Autores responderam, pugnando pela improcedência da suscitada exceção.

1.6.

Em 06.03.2013 foi proferida sentença que julgou procedentes as exceções de inimpugnabilidade dos atos em causa nos autos.

1.7.

Os Autores interpuseram recurso da referida decisão, tendo o TCAN, por acórdão proferido em 14.03.2014, decidido conceder parcial provimento ao recurso, mantendo a decisão recorrida quanto ao juízo de inimpugnabilidade do ato datado de 30.01.2009 e revogando-a no segmento em que julgou inimpugnável, o ato de 27.10.2008.

1.8. Foi proferido despacho que fixou o objeto do litígio e os temas da prova.

1.9.

Realizou-se a audiência final.

1.10.

O TAF de Braga proferiu decisão que julgou a ação parcialmente procedente, constando da mesma o seguinte segmento decisório: «Nos termos e com os fundamentos acima expostos, julgo parcialmente procedente, a presente ação administrativa e, em consequência, condeno o Réu a deferir o pedido de legalização do muro com cerca de 0,40 m na cobertura da garagem existente na propriedade dos Autores, anulando-se o ato de demolição nesta parte.

Condeno Autores e Réu no pagamento das custas em partes iguais.

-NR» 1.11.

Inconformados com o assim decidido, os autores interpuseram recurso jurisdicional da sentença proferida, apresentando as seguintes conclusões: «A) O PRESENTE RECURSO VEM INTERPOSTO DA DECISÃO DO TRIBUNAL A QUO QUE ENTENDEU DEFERIR O PEDIDO DE LEGALIZAÇÃO DO MURO COM CERCA DE 0,40 M NA COBERTURA DA GARAGEM EXISTENTE NA PROPRIEDADE DOS AUTORES, ORA RECORRENTES, ANULANDO-SE O ATO DE DEMOLIÇÃO NESTA PARTE, MAS INDEFERIU O PEDIDO DE LEGALIZAÇÃO DA ESTRUTURA DE ALUMÍNIO E VIDRO COM CERCA DE 1,40M EXISTENTE NO MESMO; B) ISTO PORQUE, O TRIBUNAL DE 1.ª INSTÂNCIA CONSIDEROU QUE “O MURETE QUE EXISTE POR CIMA DA GARAGEM FOI CONSTRUÍDO ANTERIORMENTE À AMPLIAÇÃO DO ANEXO DO VIZINHO. O MESMO JÁ NÃO ACONTECEU COM A ESTRUTURA METÁLICA. ESTA JÁ FOI CONSTRUÍDA DEPOIS DA AMPLIAÇÃO DO ANEXO DO VIZINHO. DESTE MODO, O ATO ADMINISTRATIVO, ORA IMPUGNADO, ESTÁ FERIDO DE ILEGALIDADE, NA PARTE EM QUE MANDOU DEMOLIR O MURETE POR CIMA DA GARAGEM, VIOLANDO, DESTA FORMA O ARTIGO 73.º DO RGEU. PELO QUE, TERÁ QUE PROCEDER A PRESENTE AÇÃO, NO TOCANTE AO LICENCIAMENTO DO MURETE CONSTRUÍDO POR CIMA DA GARAGEM.” C) CONTUDO, NO NOSSO MODESTO ENTENDIMENTO, O TRIBUNAL A QUO NÃO RETIROU TODAS AS CONSEQUÊNCIAS LEGAIS DAS INCONTORNÁVEIS CONCLUSÕES A QUE CHEGOU NA DOUTA SENTENÇA, POIS ESTANDO PROVADO A DATA DE CONSTRUÇÃO DA GARAGEM E MURETE COM DATA ANTERIOR Á AMPLIAÇÃO DO ANEXO DO VIZINHO, SIMPLESMENTE DEVERIA SER REPOSTA A LEGALIDADE URBANÍSTICA, DESIGNADAMENTE, IMPOSTO OS AFASTAMENTOS DO ARTIGO 73.º RGEU QUANTO AO ANEXO.

D) SE PROVADO (E LICENCIADO) ESTÁ QUE A GARAGEM E MURETE JÁ EXISTIAM QUANDO O VIZINHO AMPLIOU UM ANEXO, COLOCANDO-O A 0,20CM DE DISTÂNCIA DAQUELE, NUNCA ESTE ANEXO LICENCIADO ILEGALMENTE (POR CONTRARIAR O ARTIGO 73.º RGEU) PODE SERVIR DE BASE OU FUNDAMENTO PARA A RECLAMAÇÃO DE QUALQUER DIREITO, TAL COMO “ A SERVIDÃO DE VISTAS”, POIS O SEU LICENCIAMENTO É UM ACTO NULO POR ASSENTAR NUM FACTO INVERÍDICO OU INEXISTENTE E OBTIDO COM PRETERIÇÃO TOTAL DO PROCEDIMENTO LEGALMENTE EXIGIDO.

E) O LICENCIAMENTO DA ESTRUTURA METÁLICA É UM ACTO EM ESTREITA LIGAÇÃO AO MESMO ACTO DE LICENCIAMENTO DO MURETE, POIS O MESMO PRINCÍPIO LHE SERVE DE CAUSA, BASE OU PRESSUPOSTO – NENHUMA CONSTRUÇÃO PODERIA SER ERIGIDA E/OU AMPLIADA PELO VIZINHO DOS AA. SEM RESPEITAR OS AFASTAMENTOS PREVISTO NO ARTIGO 73.º RGEU.

F) OS AA. REQUEREM, AINDA, A SINDICAÇÃO DO JULGAMENTO FÁCTICO REALIZADO PELO TRIBUNAL A QUO, POIS DA PROVA TESTEMUNHAL E DOCUMENTAL RESULTARAM PROVADOS OS FACTOS ARTICULADOS EM XIV, XXIX, XXX, XXXI, XXXII DA P.I..

F) PELO QUE, ATENTA A PROVA TESTEMUNHAL E DOCUMENTAL PRODUZIDA, DEVE CONSIDERAR-SE PARA TODOS OS EFEITOS LEGAIS QUE: 1.º O LICENCIAMENTO DA AMPLIAÇÃO DO ANEXO DO VIZINHO L. NÃO FOI PRECEDIDO DE QUALQUER FISCALIZAÇÃO POR PARTE DOS SERVIÇOS DA RÉ, CONSIDERANDO ESTE FACTO COMO PROVADO.

  1. NO ÂMBITO DO PROCESSO ADMINISTRATIVO N.º 772/1980 FORAM PRESTADAS FALSAS DECLARAÇÕES PELO EXMO. SR. PRESIDENTE DA JUNTA DE FREGUESIA DE (...) QUE, EM 14 DE OUTUBRO DE 2004, DECLAROU QUE L. “TEM UNS ANEXOS JUNTO Á SUA HABITAÇÃO COM MAIS DE 67 ANOS DE EXISTÊNCIA” (DOC.15 DA P.I.), CONSIDERANDO ESTE FACTO COMO PROVADO. 3.º - FALSIDADE QUE, MAIS TARDE, EM 13 DE JANEIRO DE 2005, ACABA POR SER RECONHECIDA PELO PRÓPRIO PRESIDENTE DA JUNTA QUANDO INTERPELADO PELOS AA., E PARA REPOSIÇÃO DA VERDADE EMITE NOVA DECLARAÇÃO, A QUAL FOI DEVIDA E TEMPESTIVAMENTE JUNTO AOS PROCESSOS CAMARÁRIOS EM CAUSA. (DOC. 16 DA P.I.), CONSIDERANDO ESTE FACTO COMO PROVADO.

G) SEM PRESCINDIR, SEMPRE O PEDIDO DE LEGALIZAÇÃO DA ESTRUTURA DE ALUMÍNIO E VIDRO COM CERCA DE 1,40M EXISTENTE NO MURO DOS AA. ORA RECORRENTES DEVERIA TER SIDO DEFERIDO EM NOME DA APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA GARANTIA DO EXISTENTE NO DIREITO DO URBANISMO.

H) A ESTRUTURA DE ALUMÍNIO E VIDRO EM CAUSA NOS PRESENTES AUTOS ENCONTRA-SE COLOCADA HÁ CERCA DE 20 ANOS. EM PLENA FUNCIONALIDADE, UTILIZAÇÃO E USO CONTINUADO.

I) AO DECIDIR DE FORMA CONTRARIA, ENFERMA A DECISÃO RECORRIDA DE GRAVE VIOLAÇÃO DA NORMA CONSTANTE NO ART. 73.º RGEU, COMO TAMBÉM SE VIOLAM OS PRINCÍPIOS DA TUTELA JURISDICIONAL EFECTIVA E DA PROMOÇÃO DO ACESSO À JUSTIÇA, CONSAGRADOS NA LEI DO PROCESSO ADMINISTRATIVO NOS ART. 2° E 7° DO CPTA; J) VIOLA, AINDA, OS PRINCÍPIOS DA TUTELA JURISDICIONAL EFECTIVA – GARANTIA FUNDAMENTAL – 13.º, 22.º, 26.º, 62.º, 65.º, 66.º, 266.º E 268.º DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA E O PRINCÍPIO DA PROMOÇÃO DO ACESSO À JUSTIÇA, PORQUANTO NÃO APRECIOU DEVIDAMENTE TODAS AS PRETENSÕES DEDUZIDAS, BEM COMO FEZ UMA INTERPRETAÇÃO DESIGUAL DA NORMA PREVISTA NO ARTIGO 73.º DO RGEU, NEGANDO EFECTIVA JUSTIÇA; L) TAL DECISÃO ESTÁ, ASSIM, INQUINADA DOS VÍCIOS DE VIOLAÇÃO DE NORMA CONSTITUCIONAL E DE VIOLAÇÃO DE PRINCÍPIOS E NORMAS URBANISTICAS, DEVENDO SER REVOGADA, POR ILEGAL.

NESTES TERMOS, e nos melhores de Direito, deve ser concedido provimento ao presente recurso e, em consequência revogar-se a decisão da 1.ª instância substituindo-a, pelo deferimento do pedido de legalização da estrutura de alumínio e vidro com cerca de 1,40m existente na garagem dos ora Recorrentes, com o normal prosseguimento dos autos, assim se fazendo JUSTIÇA!» 1.12.

O Réu interpôs recurso subordinado, formulando as seguintes conclusões: « A Como é sabido, o pedido, conformando o objeto da ação, condiciona também o conteúdo da decisão de mérito com que o tribunal lhe responderá: o juiz, na sentença, “deve resolver todas as questões...

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