Acórdão nº 00575/15.0BEMDL de Tribunal Central Administrativo Norte, 11 de Março de 2021

Magistrado ResponsávelCristina Travassos Bento
Data da Resolução11 de Março de 2021
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam, em conferência, os juízes desembargadores que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:* I - Relatório A Fazenda Pública veio interpor recurso da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Mirandela, que julgou procedente a impugnação judicial deduzida por “T., Lda” contra as liquidações adicionais de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) e respectivos juros compensatórios do ano de 2011.

A Recorrente terminou as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões: “1.ª Para a Administração Tributária - e Ministério Público, conforme Douto Parecer junto aos autos, nos termos do artigo 121º do Código do Procedimento e Processo Tributário – foram apurados indícios suficientes de que a contabilidade e escrita da impugnante não reflectia a realidade comercial da mesma, identificando-se, no Relatório de Inspeção, duas facturas emitidas por empresa fornecedora, que terão resultado de operação simulada quanto ao valor, o que determinou a exclusão da dedutibilidade do IVA suportado nestas facturas, conforme estabelece o artigo 19º n.º3 do Código do IVA.

  1. No âmbito execução de projecto de instalação fabril, subsidiado com fundos comunitários e controlado pelo IAPMEI - programa operacional regional do norte - ON.2, sistema de incentivos, Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional, a impugnante subcontratou a empresa terceira, em 22 de Março de 2011, a instalação e colocação em funcionamento de unidade industrial de fabrico de pelets, pelo preço global de 1.650.000 euros. Contudo, nas posteriores vistorias às instalações em acompanhamento do projecto, o IAPMEI constatou a inexistência física dos equipamentos de fabrico de pelets, e “o desfasamento existente entre o grau de realização físico do projecto e da execução financeira do mesmo”. Assim, a 14 de Novembro de 2012, o IAPMEI realizou uma auditoria física, financeira e contabilística completa ao projecto de investimento, com subsequente resolução do contrato.

    Ou seja, em primeira linha a desconfiança quanto ao grau de efectiva materialidade, desta subcontratação e posterior facturação, foi suscitada pela entidade que acompanhou a execução do projecto, IAPMEI, IP.

  2. A segunda vaga de desconfiança foi também (ainda que indirectamente), gerada pelo IAPMEI, que solicitou a colaboração da Inspeção Geral de Finanças (IGF) para proceder a averiguações junto da fornecedora dos bens e serviços, subcontratada. A IGF concluiu que o processo de selecção da subcontratada não estava devidamente fundamentado. Pois, não se demonstrou que as aquisições efectuadas no âmbito do projecto, tenham sido efectuadas em condições de mercado; a subcontratada não dispunha de uma ficha de obra associada ao projecto, o que inviabilizou a análise da razoabilidade de preços contratualizada com o promotor. Também não foi possível apurar compras e subcontratos do projecto, efectuadas pela subcontratada, no montante de 3.945.848 euros.

  3. Outro indício foi aportado pela Direção de Serviços de Investigação da Fraude e das Ações Especiais (DSIFAE) da Autoridade Tributária que promoveu procedimentos inspectivos, com alerta para relações especiais da impugnante, com outras entidades, com intuitos de obtenção de fundos comunitários ao abrigo do programa FEDER. Assim, também a fornecedora da impugnante foi inspeccionada pela Direção de Finanças de Aveiro apurando-se que, diversas empresas agiram em conluio com o objectivo de conseguirem o pagamento de projectos QREN, sem disporem de fundos próprios obrigatoriamente necessários para financiamento dos mesmos. O modus operandi consistia na emissão de facturas sobrevalorizadas em relação aos bens transaccionados e ainda facturas sem que tivessem sido concretizada qualquer transmissão de bens ou prestação de serviços, baseadas em contratos que previam o adiantamento de uma parte substancial do valor acordado pelas partes, com o objectivo de servirem de base a pagamentos antecipados por parte dos fundos comunitários.

  4. Por último, a Direção de Finanças de Bragança em procedimento inspectivo e deslocação às instalações da impugnante, relativamente à parte da unidade industrial que se destinaria à fabricação de peletes, não encontrou nenhum equipamento instalado no local destinado ao efeito. Pelo que, também o procedimento inspectivo reforça a desconfiança da entidade promotora e demais auditores de indícios de sobrefacturação do projecto, com intuito de financiamento sem recurso de capitais próprios, com obtenção de liquidez através dos adiantamentos dos subsídios comunitários.

  5. A impugnante procura rebater, sem sucesso, estes indícios alegando que ao tempo das auditorias do IAPMEI os equipamentos ainda não estavam instalados. E depois de instalados, ao tempo do procedimento inspectivo, já haviam sido penhorados por credores e removidos das instalações. Tese que é perfilhada e valorada na Douta Sentença, com a qual - sempre com o devido respeito – não se pode concordar, como a seguir se resume.

  6. A questão da total ausência de instalação dos equipamentos industriais não está apenas relacionada com atrasos pontuais devidos, por exemplo, ao mau tempo. A questão é estrutural e prende-se, desde logo, com as condições de pagamento do contrato outorgado com a subcontratada. A saber: pagamento 35% com adjudicação, mais 35% com a aprovação dos projectos de engenharia. E, não estamos na presença de montantes insignificantes ou irrisórios! Estes 70% do contrato, correspondem aos pagamentos das facturas n.º18 de 5 de Abril de 2011, no montante total de 710.325 euros e n.º26 de 4 de Julho de 2011, no montante de 710.325 euros, agora em crise. Assim, a subcontratada recebeu um milhão quatrocentos e trezentos e vinte e cinco euros antes do início da construção, instalação e colocação em funcionamento de qualquer equipamento! Ora, qualquer gestor avisado, empresário comum, bom pai de família, teria o cuidado de indexar os pagamentos à progressiva construção e execução integrada do projecto. Pelo que tal desvio aos princípios e melhores práticas da boa gestão empresarial, de pagamento adiantado de 70% do valor, só encontra justificação na necessidade da apresentação de custos e adiantamento do pagamento dos fundos comunitários que permitem a liquidez e viabilizam a aquisição dos equipamentos, pelo seu valor real, conforme o procedimento fraudulento apurado pela Direção de Finanças de Aveiro.

  7. O facto dos equipamentos da unidade industrial que se destinaria à fabricação de peletes não se encontrarem nas instalações, ao tempo do procedimento inspetivo, é totalmente desvalorizado na Douta Sentença, aceitando-se erradamente – com devido respeito – como justificação a existência de penhoras de credores (entre os quais se inclui a AT, ainda que sem remoção de qualquer bem). Contudo, no auto de penhora são discriminados os equipamentos e valor atribuído aos mesmos, tudo no valor de 100.000 euros… Ora, a instalação da unidade de peletização foi contratualizada pelo preço de 1.650.000 euros! Ou seja, também o auto de penhora acaba por reforçar os indícios de inflacionamento do projecto em confronto com os custos efectivamente suportados.

  8. É evidente que Autoridade Tributária não pode - porque nem é da competência da mesma – acusar a impugnante de qualquer conduta fraudulenta fiscal e/ou de obtenção irregular de subsídios. Existem indícios sustentados que geraram a desconfiança e a dúvida quanto ao grau de materialidade das operações objecto de liquidação e dedutibilidade do IVA em crise. Mas não existem certezas, porque não há equipamentos, documentos fidedignos e as testemunhas inquiridas – funcionárias da impugnante e subcontratada, também não sabem quantificar, são vagas quanto aos valores dos serviços e bens prestados efectivamente prestados.

  9. Assim, a Administração Tributária fez prova indirecta relativamente às operações simuladas, com o auxílio dos factos indiciantes, acima referidos. E era o que competia fazer, à AT, em regra do ónus da prova. Competia à impugnante provar a existência dos factos, ou seja, que os montantes titulados nas facturas que utilizou na sua contabilidade, correspondiam a valores reais, prova, que não logrou fazer, nem nos autos, nem em sede de audiência do contraditório.

  10. Como supra se refere, a sentença recorrida viola as normas previstas nos artigos 74º e 75º da Lei Geral Tributária e, consequentemente, no artigo 19º nº. 3 do Código do IVA e 123º nº. 2 do Código de Procedimento e Processo Tributário.

  11. e última conclusão – Acresce que, na douta sentença, aqui em crise, também não se discrimina a matéria de facto não provada, o que, só por si, também configura uma nulidade da sentença - conforme o Ac. do TCAN n.º 0329/05.1BEMDL de 08-03-2012 - por violação das norma previstas no artigos 123º nº. 2 e 125º n.º1 do Código de Procedimento e Processo Tributário.

    Nestes termos, e nos melhores de Direito, que serão por V. Exas Doutamente supridos, deve o presente recurso ser julgado procedente, e em consequência, revogada a Douta Sentença, com manutenção das liquidações adicionais de IVA de 2011 e respectivos juros compensatórios.”*A Recorrida apresentou contra-alegações, finalizando-as com as seguintes conclusões: A. “Entende a Recorrente que a douta sentença recorrida não fez uma correcta ponderação dos meios de prova, alegadamente por não ter levado em conta os “diversos indícios recolhidos pela Autoridade Tributária”, que mais não são que opiniões pessoais, juízos conclusivos e considerações desgarradas e sem reflexo com a realidade.

    B. O artigo 19.º, n.º 3 do Código do IVA exclui a dedução de imposto que que resulte de operação simulada ou em que seja simulado o preço constante da factura ou documento equivalente; todavia, a Recorrente não demonstrou qualquer falta de correspondência entre as declarações da Recorrida e a verdade tributária, permanecendo indemonstrado que a Recorrida não podia deduzir o IVA de acordo com o artigo 19.º, n.º 3 do CIVA, pelo...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT