Acórdão nº 00017/15.0BEMDL de Tribunal Central Administrativo Norte, 19 de Fevereiro de 2021

Magistrado ResponsávelHelena Ribeiro
Data da Resolução19 de Fevereiro de 2021
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam, em conferência, os juízes desembargadores da Secção Administrativa do Tribunal Central Administrativo Norte:*I.RELATÓRIO 1.1. ÁGUAS (...), S.A., intentou a presente ação administrativa contra o MUNICÍPIO DE (...), tendo em vista obter a condenação do Réu a pagar à Autora a quantia de 453.596,05€ (quatrocentos e cinquenta e três mil, quinhentos e noventa e seis euros e cinco cêntimos), acrescida dos competentes juros de mora vencidos, que à data da instauração da ação perfazem € 13.988,49 (treze mil, novecentos e oitenta e oito euros e quarenta e nove cêntimos), no total de € 467.584,54 (quatrocentos e sessenta e sete mil, quinhentos e oitenta e quatro euros e cinquenta e quatro cêntimos), bem como nos demais que se vierem a vencer até ao efetivo e integral pagamento da dívida.

Para tanto, alegou, em síntese, que é a entidade gestora do sistema multimunicipal de abastecimento de água e de saneamento do Norte de Portugal, e que o MUNICÍPIO DE (...), na qualidade de utilizador originário, integra o referido sistema multimunicipal.

Sustenta que os montantes faturados são devidos porquanto o MUNICÍPIO DE (...), na qualidade de utilizador originário, está contratualmente obrigado a pagar os valores mínimos fixados no contrato de concessão e nos contratos de fornecimento, assim como, a pagar tempestivamente os montantes faturados a título de serviços.

Esclarece que os valores mínimos faturados respeitam a montantes devidos à Sociedade Concessionária pela prestação dos serviços públicos de abastecimento de água, apresentando-se como o “valor mínimo” estimado e contratado para a prestação daqueles mesmos serviços, sendo cobrados ao Município Utilizador quando este não atinge aquele valor mínimo contratado e enquanto equilíbrio económico-financeiro da concessão.

1.2.

Citado, o Réu apresentou contestação, na qual, além do mais, excecionou a incompetência do TAF de Mirandela por preterição de tribunal arbitral previsto na cláusula 9ª do contrato de fornecimento de água e na cláusula 10ª do contrato de recolha de efluentes.

Para tanto, alegou, em síntese, que está em causa uma questão que respeita à interpretação e execução do contrato, pelo que, de acordo com a convenção de arbitragem celebrada, a competência é do tribunal arbitral.

1.3. A autora, notificada para o feito, respondeu à matéria excetiva suscitada pelo réu, alegando que a presente ação incide sobre o incumprimento do pagamento de faturas devidas, pelo que se deve aplicar a exceção vertida na cláusula 9ª, nº 3, 2ª parte do contrato de fornecimento, sendo competente para a apreciação da questão o TAF de Mirandela e não o Tribunal Arbitral.

1.4.

Em 27 de outubro de 2020, o TAF de Mirandela proferiu sentença, absolvendo o Réu da instância, sendo o segmento decisório do seguinte teor: «Em conformidade com o exposto, decido: a) Julgar verificada a excepção dilatória de incompetência absoluta por preterição de tribunal arbitral e, em consequência, declarar este Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela incompetente para conhecer do presente litígio, absolvendo o réu da instância; b) Condenar a autora no pagamento das custas; c) Dispensar o pagamento do remanescente da taxa de justiça.

* Registe e notifique.» 1.5.

Inconformado com a decisão proferida pelo TAF de Mirandela que absolveu o Réu da instância por preterição de Tribunal Arbitral, a Autora interpôs o presente recurso jurisdicional, formulando as seguintes conclusões: «1. Vem o presente recurso interposto da sentença proferida em 27/10/2020 (notificada à aqui Recorrente por notificação eletrónica elaborada e certificada em 28/10/2020), e que absolveu o Réu da instância, ao julgar procedente a alegada exceção de incompetência absoluta, por preterição do Tribunal Arbitral, decidindo julgar o tribunal administrativo incompetente para conhecer a presente ação, por preterição de tribunal arbitral, pelo que absolvo o Réu da instância, nos termos conjugados dos artigos 96.º, al. b), 576.º, n.º 2, e 577.º, al. a), do CPC, aplicáveis por remissão do art. 1.º do CPTA.”.

  1. Salvo o devido respeito, a decisão tomada pelo douto Tribunal a quo consubstancia-se num manifesto ERRO DE JULGAMENTO, porquanto: 3. O presente litígio, tal como fora articulado pela Autora, ora Recorrente, prende-se com a falta de pagamento por parte do Município Réu, ora Recorrido, de montantes faturados pela Sociedade Concessionária.

  2. Os montantes faturados são devidos porquanto o MUNICÍPIO DE (...), na qualidade de utilizador originário, está contratualmente obrigado a pagar os valores mínimos fixados no contrato de concessão e nos contratos de fornecimento – tudo conforme alegado na PI e na Réplica; assim como, a pagar tempestivamente os montantes faturados a título de serviços.

  3. Ou seja, no que respeita aos valores mínimos aqui faturados, os mesmos correspondem a montantes devidos à Sociedade Concessionária pela prestação dos serviços públicos de abastecimento de água, apresentando-se como o “valor mínimo” estimado e contratado para a prestação daqueles mesmos serviços, sendo cobrados ao Município Utilizador quando este não atinge aquele valor mínimo contratado e enquanto equilíbrio económico-financeiro da concessão.

  4. Pelo que, apenas se poderá concluir que os valores mínimos faturados são o “preço mínimo” fixado e cobrado ao Município Utilizador pela prestação daqueles serviços de abastecimento de água que foram contratados, sempre que o Município, consuma um montante inferior ao que fora contratualmente fixado (i.e., quando a faturação do serviço não atinge os valores mínimos fixados).

  5. Motivo pelo qual a Recorrente, na qualidade de concessionária do Sistema de Abastecimento de ÁGUAS (...) de Portugal, tem o direito de faturar e cobrar os valores mínimos previstos no contrato de concessão ao Município Utilizador, ora Recorrido.

  6. Faturação e cobrança que resultam de uma simples operação de subsunção de uma situação de facto ao corpo normativo que enforma os contratos de fornecimento e o contrato de concessão, não sendo necessário proceder a qualquer interpretação do clausulado daqueles mesmos contratos – a sua cobrança resulta clara e evidente e em resultado de uma simples operação aritmética.

  7. Não sendo despiciendo reiterar que o Recorrido e o extinto Sistema, ao qual sucedeu a Recorrente em direitos e obrigações (Sistema multimunicipal de abastecimento de água e de saneamento de Trás-os-Montes e Alto Douro), celebraram contratos de fornecimento de água e de recolha de efluentes, conforme Docs. 2 junto à PI, que já previam, nos respetivos anexos, os valores mínimos a praticar pela Sociedade Concessionária.

  8. Acresce que, relativamente aos juros de mora peticionados e devidos por atrasos nos pagamentos das faturas emitidas relativamente a serviços prestados (melhor identificados nos Docs. 3 a 8 da PI), o Tribunal não autonomiza sequer as causas de pedir, e, por conseguinte, não as distingue para efeitos de correspondência com a defesa apresentada pelo Réu (na qual fundamenta a decisão de incompetência) – da qual resulta ser evidente que a invocada exceção ao não cumprimento, nem a nulidade do contrato, não se opõem ao pedido de juros formulado.

  9. Motivo pelo qual, a presente ação administrativa de condenação, intentada pela Sociedade concessionária, é uma ação de cobrança de faturas (neste caso, faturas de valores mínimos garantidos) que foram por esta emitidas e que não foram pagas pelo MUNICÍPIO DE (...); 12. Pelo que o presente litígio, tal como foi configurado, preenche a exceção prevista na cláusula 9.ª/3 do contrato de fornecimento outorgado entre as partes, uma vez que a presente contenda está relacionada com a falta de pagamento de faturação emitida pela Sociedade Concessionária e não com a interpretação/execução do contrato de concessão.

  10. Pois que, tendo em consideração a teoria da impressão do destinatário, consagrada no art.º 236º, n.º 1 do CC, e que tão bem foi relembrada pelo douto Tribunal a quo na sentença proferida, sempre se deverá concluir pelo seguinte: 24 Rua (…) 13.1. Nos termos do n.º 3 das cláusulas 9.ª e 10.ª dos contratos celebrados, todas as questões relacionadas com interpretação e execução dos contratos serão submetidas ao Tribunal Arbitral; 13.2.

    Com exceção das que respeitem à faturação emitida pela Sociedade e ao seu pagamento ou falta dele – como é o caso dos presentes autos! 14.

    E não pode a defesa apresentada pelo Recorrido, em sede de Contestação, ser pressuposto bastante para a subsunção do presente litígio à convenção arbitragem, porquanto as questões que possam estar relacionadas com a interpretação e execução do contrato de concessão e/ou dos contratos de fornecimento, apenas são apresentadas enquanto “resposta” à cobrança judicial dos valores faturados pela Autora, ora Recorrente e apenas com o objetivo de obstarem ao pagamento dos concretos montantes aqui peticionados – não é o ora Recorrido, enquanto Município Utilizador, que se encontra a impugnar judicialmente o clausulado contratual, pois que este apenas levantou possíveis questões relacionadas com a interpretação/execução do contrato para obstar à pretensão da Autora.

  11. Tanto que, a defesa apresentada pelo Recorrido, apesar de estar relacionada com a execução do contrato (como sempre iria estar, pois que a própria faturação é matéria de execução do contrato!), não se consubstancia numa verdadeira impugnação das cláusulas do mesmo, porquanto o Recorrido limita-se a referir que não paga os montantes faturados: (1) por considerar que a aqui Recorrente incumpriu o contrato de concessão, por não se encontrarem concluídos os investimentos previstos para o Município; (2) por considerar que tal cláusula desvirtua o princípio da efetiva transferência de risco para a concessionária; e (3) por considerar que tais montantes não têm correspondência com o que se encontra fixado no contrato de fornecimento – ou seja, o Recorrido aceita o clausulado dos contratos celebrados, bem como o contrato de concessão para o qual aqueles...

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