Acórdão nº 00731/15.0BEVIS de Tribunal Central Administrativo Norte, 25 de Fevereiro de 2021
Magistrado Responsável | Paula Moura Teixeira |
Data da Resolução | 25 de Fevereiro de 2021 |
Emissor | Tribunal Central Administrativo Norte |
Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:* 1. RELATÓRIO A Recorrente, A., S.A, vem recorrer da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu, que julgou improcedente a impugnação judicial e anulou a liquidação de IRC de 2010, no montante global de 9114,43 €.
O presente recurso foi interposto para o venerando STA, o qual por decisão sumária de 08.03.2017, considerou–se incompetente em razão da hierarquia e competente este TCAN.
A Recorrente não se conformou com a decisão tendo interposto o presente recurso formulou nas respetivas alegações, as seguintes conclusões: 1. A Lei nº 171/99, de 18/9, invocada na douta Sentença recorrida, não estava em vigor à data dos factos (2010) - tinha sido expressamente revogada, pelo que não podia ter sido aplicada ao caso.
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Padece a douta Sentença, por isso, de errada interpretação e aplicação do artigo 1º nº 1 e 2 da Lei nº 171/99, de 18/9 - por violação das regras de aplicação das leis no tempo (artigos 7º e 12º do CC; artigo 12º da LGT e 103º nº 3 da CRP).
Sem prescindir, 3. As normas de regulamentação da Lei nº 171/99, de 18/9, foram estabelecidas pelo DL nº 310/2001 de 10/12.
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Nem a Lei 171/99, de 18/9, nem este DL nº 310/2001 de 10/12, estabeleciam que o benefício fiscal em causa dependia da criação ou existência de trabalhadores com vínculos de contrato de trabalho, ou massa salarial.
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Por conseguinte, a douta Sentença recorrida interpretou e aplicou erradamente o regime legal anteriormente vigente, estabelecido pela Lei 171/99, de 18/9, e pelo DL nº 310/2001 de 10/12.
Por outro lado, 6. Não se pode extrair da lei que o conceito de massa salarial implica a existência de trabalhadores próprios da Impugnante, com vínculo de contrato de trabalho - nem do artigo 2º nº 1 d) e nº 2 do DL 55/2008, de 26/3, nem do artigo 43º nº 1 a) do EBF, nem de qualquer outra disposição normativa aplicável ao caso.
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Da lei também não se extrai que os gerentes da sociedade devam ser remunerados (passando, assim, a haver "massa salarial" na contabilidade) para que a sociedade possa usufruir do benefício fiscal.
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A Recorrente contribuiu para o combate à desertificação e recuperação do desenvolvimento de Oliveira de Frades - objectivos que estiveram na génese dos benefícios fiscais à interioridade aquando da publicação da Lei nº 171/99, de 18 de Setembro.
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Os gerentes de uma sociedade são trabalhadores e responsáveis pela sociedade (cfr. artigos 259º e 260º nº 1 do CSC).
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O artigo 14º nº 6 da Lei nº 2/2007, de 15/1 (Lei das Finanças Locais/LFL) é inaplicável ao caso, nada tendo a ver com o benefício fiscal em questão - outrossim com a Derrama e a existência de estabelecimentos em diferentes municípios, o que não está em causa (cfr. artigo 149 nº 2 da LFL).
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Por conseguinte, a douta Sentença recorrida fez um errado julgamento da matéria de facto e incorreu em errónea interpretação e aplicação dos sobreditos artigos 2º nº 1 d) e nº 2 do DL 55/2008, de 26/3, 43º nº 1 a) do EBF e 14º nº 6 da Lei nº 2/2007, de 15/1.
Acresce que, 12. Importava e importa atentar no conteúdo da decisão arbitrai (CAAD) proferida em 09.06.2015, no processo arbitrai nº 18/2015-T, relativo a matéria igual à dos presentes autos e cuia cópia foi oportunamente junta a este processo, em sede de alegações escritas, atenta a sua superveniência em relação à data da PI (artigo 426º do CPC).
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Sendo certo que, nos termos do artigo 608º nº 2 do CPC, o tribunal deve resolver todas as questões que as partes tenham suscitado e submetido à sua apreciação.
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A douta Sentença recorrida não emitiu qualquer pronúncia de mérito quanto às questões jurídicas abordadas naquela decisão arbitral - designadamente quanto à inconstitucionalidade normativa suscitada pela Recorrente em sede de alegações escritas.
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Pelo que a douta Sentença recorrida padece de nulidade por omissão de pronúncia (artigos 615º nº 1 d) e nº 4 do CPC, e 125º nº 1 do CPPT).
Sem prescindir, 16. Nos termos do artigo 5º nº 3 do CPC, o Juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito.
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Os artigos 2º nº 1 d) e nº 2 do Decreto-lei nº 55/2008, de 26/3, e 43º nº 1 a) do EBF, quando interpretado no sentido de que a empresa não situa a sua actividade principal nas áreas beneficiárias se não tiver trabalhadores ou massa salarial nessas áreas, padecem de inconstitucionalidade por violação do princípio da legalidade formal e material consignado nos artigos 103º nº 2, 266º nº 2 e 165º nº 1 g) e i) da CRP, e por violação da respectiva lei de "autorização legislativa" (cfr. artigo 165º nº 2 da CRP) decorrente da Lei nº 53-A/2006, de 29/12 (Lei do Orçamento do Estado para 2007, aprovada pela AR nos termos da alínea g) do artigo 161º da CRP), que aditou aquele artigo 43º ao EBF (inicialmente artigo 39º-B do EBF).
Acresce que, 18. O artigo 2º nº 2 do DL nº 55/2008, de 26/3, ao "considerar" que atividade principal é desenvolvida na área beneficiária quando o sujeito tenha sede ou direção efectiva nessa área e nela concentre mais de 75% da respetiva massa salarial, constitui uma norma legal anti-abuso - como a própria AT afirma no relatório inspectivo.
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Essa afirmação da AT foi feita deliberada e propositadamente, não podendo a AT dar o dito por não dito, sob pena de intolerável violação do princípio da boa-fé e da protecção da confiança e legítimas expectativas, para além de constituir um abuso de direito (artigos 10º do CPA, 266º nº 2 da CRP, 68º-A da LGT, 55º do CPPT e 334º do CC).
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A AT está juridicamente vinculada às interpretações que a própria AT faz das normas fiscais (artigos 68º-A da LGT e 55º do CPPT).
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Aquele 2º nº 2 do DL nº 55/2008, de 26/3 constitui efectivamente uma norma anti-abuso precisamente porque tem em vista a prevenir situações de evasão e planeamento fiscal abusivo.
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Nada se provou, sequer indiciou, no sentido ter havido qualquer manipulação intencional da sede e direcção efectiva da Recorrente para assim estar abrangida pelo benefício fiscal - muito contrário.
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Dado que estamos perante uma norma anti-abuso, a AT deveria ter observado o artigo 63º do CPPT, na redacção aplicável a 2010 - o qual impõe um procedimento administrativo especial, que a AT não observou.
Por outro lado, 24. A presunção legal do artigo 2º nº 2 do DL nº 55/2008, de 26/3, é ilidível pelo contribuinte, conforme decorre do artigo 73º da LGT.
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Não está previsto no artigo 43º do EBF, tão pouco naquele artigo 2º nº 2 do DL nº 55/2008, de 26/3, que seja condição obrigatória para usufruir do benefício fiscal o sujeito passivo dispor, na área geográfica beneficiária, de 75% da massa salarial, muito menos que esteia obrigado a dispor de massa salarial.
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Estamos perante normas sobre benefícios fiscais, um dos elementos essenciais dos impostos, abrangidos pelos princípios fundamentais da legalidade e tipicidade tributárias (artigos 1032 nº 2, 165º nº 1 i) e 266º nº 2 da CRP, 8º da LGT e 3º do CPA).
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Pelo que os respectivos requisitos legais apenas podem ser definidos por lei emanada da AR - e analisado o artigo 432 nº 1 a) do EBF, redacção à data, do mesmo não resulta que a titularidade de "massa salarial" seja condição legal para o acesso ao benefício fiscal.
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Por sua vez, o artigo 2º nº 2 do DL nº 55/2008, de 26/3, é uma norma meramente regulamentadora/executória do benefício fiscal consagrado no artigo 43º nº 1 a) do EBF - e, por isso, a esta subordinado.
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Por isso, deve ser restringida a interpretação e aplicação do DL nº 55/2008, de 26/3 – no sentido de que não estabeleceu condições legais de acesso ao benefício fiscal mais apertadas e não previstas no artigo 43º do EBF.
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Logo, o artigo 2º nº 2 DL nº 55/2008, de 26/3, pode ser afastado se o sujeito passivo demonstrar que cumpre com o requisito fundamental, que é o desenvolvimento da atividade económica principal em área beneficiaria - conforme ficou provado.
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O artigo 2º, nº 2, do DL nº 55/2008, de 26/3 complementa e deve ser interpretado no sentido de que se presume a atividade principal na área geográfica beneficiária, para efeitos do artigo 43º do EBF, quando o sujeito passivo possua a sua sede e 75% da massa salarial nessa área - que pode ser ilidida.
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Os benefícios fiscais relativos à interioridade não estão reféns da criação de postos de trabalho, sendo bem mais abrangentes - criação de infraestruturas empresariais, investimento em atividades produtivas, desenvolvimento económico da região, etc..
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Ficou provado que a Recorrente tinha ao seu serviço 4 gerentes e que desenvolvia uma atividade económica numa das áreas beneficiárias - pelo que cumpriu o artigo 43º nº 1 b) do EBF.
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Nos termos das regras gerais de interpretação das lei e em especial do artigo 10º do EBF, relativo à interpretação de normas sobre benefícios fiscais (como é o caso das reduções de taxa cfr. artigo 2º nº 2 do EBF), deve ser efetuada uma interpretação extensiva da lei - o benefício fiscal abrange todas as empresas que desenvolvam a sua actividade principal na área geográfica beneficiária, e não apenas as empresas que possuam massa salarial.
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E não uma interpretação restritiva do benefício, como aquela que foi feita pela douta Sentença recorrida.
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O intérprete...
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