Acórdão nº 00614/20.2BEAVR de Tribunal Central Administrativo Norte, 25 de Fevereiro de 2021

Magistrado ResponsávelMargarida Reis
Data da Resolução25 de Fevereiro de 2021
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:*I. Relatório A Autoridade Tributária e Aduaneira, inconformada com a sentença proferida em 2020-12-16 pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro, que julgou procedente a reclamação de atos do órgão de execução fiscal interposta por C., LDA. contra o despacho datado de 13 de julho de 2020 proferido pelo Chefe do Serviço de Finanças da Feira 1, exarado no processo de execução fiscal n.º 0094200301012932 e apensos, que determinou a entrega efetiva aos adquirentes por venda judicial do prédio inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 656, assim anulando referido despacho, vem dela interpor o presente recurso.

A Recorrente encerra as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões: “CONCLUSÕES 1. A sentença recorrida decidiu anular o despacho reclamado, relativo à entrega do bem imóvel vendido em execução, artigo 656.º urbano de (...), (...), transmitido no âmbito das execuções fiscais n.º 0094200301012932 e apensos.

  1. Decidindo que por efeito do trespasse do estabelecimento comercial a Reclamante tomou de arrendamento o prédio em data anterior à da penhora e respectivo registo, mantendo-se válido o contrato de arrendamento, não podendo o prédio ser entregue livre e devoluto de pessoas e bens.

  2. Ora, salvo o devido respeito por melhor opinião, a Fazenda Pública professa entendimento contrário, o de que a toma do arrendamento por parte da Reclamante ocorreu já depois da penhora do imóvel, sendo inoponível à execução a mudança de arrendatário após a celebração do contrato de trespasse do estabelecimento comercial.

  3. Isto porque a penhora do imóvel foi efectuada em 15/06/2007 e registada na Conservatória do Registo Predial em 23/11/2007, sendo posterior a toma do imóvel pela Reclamante, já no ano de 2008.

  4. Verificando-se o trespasse do estabelecimento comercial, por contrato firmado em 09/10/2008.

  5. Ou seja, já depois da penhora do imóvel no ano de 2007.

  6. Ora, o artigo 819.º do Código Civil, com a epígrafe “Disposição ou oneração dos bens penhorados”, refere que: “Sem prejuízo das regras do registo, são inoponíveis em relação à execução os actos de disposição, oneração ou arrendamento dos bens penhorados.” 8. Entendemos que a celebração do contrato de trespasse do estabelecimento comercial, no qual se inclui o direito ao arrendamento do imóvel aqui em causa, não pode deixar de considerar como um acto de disposição do bem concretamente penhorado.

  7. Consequentemente, por efeito do contrato de trespasse onde se inclui o direito de arrendamento do imóvel, ocorreu um acto de “disposição, oneração ou arrendamento dos bens penhorados”, tal como refere o artigo 819.º do Código Civil.

  8. E isto é assim mesmo que, como referimos, o contrato de trespasse não se resuma à transmissão da posição de arrendatário, porquanto a verdade é que daquele contrato resultou uma acção de disposição do bem penhorado, incluído no trespasse do estabelecimento.

  9. Como, aliás, na própria sentença de que se ora recorre se conclui, ao afirmar-se que, e transcrevemos, “com o contrato de trespasse operou a transmissão na posição de arrendatário, que deixa de ser a trespassante [“P., LDA.”] e passa a ser a trespassária [a aqui reclamante]” (sublinhado nosso).

  10. De que resulta que o tribunal a quo, ao determinar que o artigo 819.º do CC não tem aplicação no caso em crise, errou na apreciação que fez, uma vez que se o arrendatário do imóvel era um até ao momento do trespasse, e passou a ser outro depois, é indubitável que por via do trespasse se dispôs do bem penhorado.

  11. Com efeito, do artigo 819.º do Código Civil não se pode concluir que apenas um acto de disposição, oneração ou arrendamento que directamente incida sobre o bem penhorado é de relevar, mas sim, e também, todos aqueles que produzam o mesmo efeito por via indirecta, como é o caso da celebração de um contrato de trespasse que acarrete a transmissão de um direito relativo a um bem penhorado, 14. Por isso, estando já anteriormente registada a penhora do imóvel que veio a ser incluído no trespasse do estabelecimento comercial, a transmissão da posição de arrendatário é, nos termos do artigo 819.º do Código Civil, inoponível à execução, o que acarreta a caducidade do direito de arrendamento em resultado da venda do bem penhorado.

  12. Paralelamente, sendo a penhora de imóveis um ato sujeito a registo, não podia a Reclamante alegar desconhecimento da situação real do mesmo, pelo que é líquido dar como assente que a Reclamante sabia, quando celebrou o contrato de trespasse, que o imóvel onde se situa o estabelecimento comercial que pretendia adquirir se encontrava já penhorado.

  13. A não se entender assim, estaria a permitir-se que um terceiro, como era a Reclamante até ao trespasse, se arrogasse no direito de interferir na marcha do processo executivo, cujo desiderato é a venda do bem apreendido.

  14. O que significa, sem margem para qualquer dúvida ou reserva, que o trespasse do estabelecimento comercial no caso em crise não tem, no que respeita ao arrendamento do imóvel, eficácia perante os termos executivos.

  15. Por conseguinte, mostra-se errada e desajustada a aplicação do artigo 819.º do C.C. efectuada pelo tribunal a quo no caso concreto, pois que, ao contrário, e fazendo uma aplicação correcta do artigo 819.º do C.C. ao caso em crise, mostra-se evidente que o contrato de arrendamento caducou com a venda, 19. devendo o prédio vendido ser entregue pela Reclamante livre e devoluto de pessoas e bens.

  16. Face ao exposto, defende a Fazenda Pública pela inoponibilidade do contrato de arrendamento invocado para impedir a entrega do bem imóvel, devendo ser desocupado e entregue ao adjudicatário, pelo que a decisão ora recorrida não pode permanecer na ordem jurídica.” Termina pedindo: “Nos termos vindos de expor e nos que V.ªs Ex.ªs, sempre mui doutamente, poderão suprir, deve ser dado provimento ao presente recurso com a revogação da decisão recorrida.”***A Recorrida não apresentou contra-alegações.

***O Digno Magistrado do M.º Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido da improcedência do presente recurso.

***Sem vistos, atenta a natureza urgente do processo [cf. art. 36.º, n.º 2, do CPTA, aplicável ex vi art. 2.º, alínea d) do CPPT, e art. 278.º, n.º 3, do CPPT].

***Questões a decidir no recurso Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, estando o objeto do recurso delimitado pelas conclusões das respetivas alegações de recurso.

Assim sendo, importa apreciar se a sentença recorrida padece do erro de julgamento de direito que lhe é assacado pela Recorrente, por ter alegadamente feito uma incorreta interpretação do disposto no art. 819.º do CC ao considerar que o trespasse comercial posterior à penhora, compreendendo na universalidade transmitida arrendamento celebrado antes da mesma, não é abrangido pela inoponibilidade prevista naquela norma.

  1. Fundamentação II.1. Fundamentação de facto Na sentença prolatada em primeira instância consta a seguinte decisão da matéria de facto, que aqui se reproduz: “III. FUNDAMENTAÇÃO FÁCTICA Dos autos considera-se como assente a seguinte factualidade com relevância para a decisão a proferir: 1) Contra H. foi instaurado o PEF n.º 0094200301012932 e apensos, o qual corre termos no SF da Feira-1 – cfr. resulta dos autos [facto não controvertido]; 2) Em 15-06-2007, no âmbito do PEF mencionado na alínea antecedente foi penhorado o prédio urbano constituído por cave e rés-do-chão destinado a comércio e 1.º andar destinado a habitação, inscrito na matriz predial urbana da freguesia de (...), concelho de (...) sob o artigo 656 e descrito na Conservatória do Registo Predial de (...) sob o n.º 781, tendo essa penhora sido registada sob a AP. 20 de 2008/10/02 – cfr. resulta da informação de fls. 234 a 237 conjugado com fls. 4 [Título de Transmissão de Bens], todas do PEF apenso; 3) Em 04-03-2009, foi proferido despacho a designar o dia 15-04-2009 para a venda do prédio aludido no ponto anterior – cfr. resulta da informação de fls. 234 a 237 do PEF apenso; 4) Em 15-04-2009 realizou-se a venda do imóvel, sendo aceite a proposta de €148.870,00, apresentada por N. – cfr. resulta de fls. 4 do PEF apenso; 5) Em 21-04-2009 o executado requereu a anulação da venda aludida no ponto anterior, a qual correu termos neste Tribunal sob o n.º 370/09.5BEAVR – cfr. resulta da informação de fls. 234 a 237 do PEF apenso; 6) Em 28-04-2009, N. procedeu ao pagamento do preço e dos impostos devidos pela aquisição do imóvel – cfr. resulta de fls. 4 do PEF apenso; 7) Nesse mesmo dia 28-04-2009 foi emitido o Título de...

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