Acórdão nº 00651/18.7BECBR de Tribunal Central Administrativo Norte, 21 de Maio de 2021
Magistrado Responsável | Helena Ribeiro |
Data da Resolução | 21 de Maio de 2021 |
Emissor | Tribunal Central Administrativo Norte |
Acordam, em conferência, os juízes desembargadores da Secção Administrativa do Tribunal Central Administrativo Norte: I – RELATÓRIO 1.1.
S., LDA.
, com sede em (…), intentou a presente ação administrativa contra o MINISTÉRIO DO PLANEAMENTO E DAS INFRAESTRUTURAS, com sede na Avenida (…), pedindo (i) que seja anulado o ato administrativo de indeferimento do pedido de licenciamento de operações de gestão de resíduos por si apresentado no âmbito do procedimento GRS_2007_0066_12323, constante do despacho DLPA 1793/18, de 13/08/2018, retificado em 16/08/2018 pelo despacho DLPA 1858/18, assinado em nome do Vice-Presidente da Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Centro (CCDRC), ao abrigo de competências delegadas (despacho 10716/2015), e, bem assim, (ii) que o R. seja condenado a reconhecer que se formou decisão favorável ao referido pedido de licenciamento por omissão de pronúncia no prazo devido e a emitir o alvará correspondente, com as legais consequências.
Alega, para tanto, em síntese, que, no âmbito do exercício da sua atividade e dentro do seu objeto social, explora uma unidade de desmantelamento de veículos automóveis em fim de vida sita no Alto (...), freguesia (...), em Viseu, tendo obtido o licenciamento para determinadas operações de gestão de resíduos, nomeadamente para o desmantelamento de veículos em fim de vida licença que era válida até 30/05/2012, tendo sido objeto de renovação até 20/08/2017.
Na sequência da apresentação de novo pedido de licenciamento para a atividade de gestão de resíduos acima identificada, mantendo as condições do anterior alvará, e realizada a vistoria prevista no art.º 30.º do RGGR, da qual foi notificada, por ofício datado de 29/06/2018, que lhe concedeu prazo para o exercício do direito de audiência prévia quanto à intenção de emissão de uma decisão desfavorável ao pedido de licenciamento, direito esse que exerceu, pelo menos a 20/07/2018 interpelou a CCDRC nos termos do art.º 31.º, n.º 5, do RGGR, não tendo sido praticado qualquer ato administrativo de concessão ou de recusa da licença requerida, razão pela qual a falta de pronúncia conduziu à emissão de decisão favorável ao projeto, ato administrativo positivo favorável e constitutivo de direitos.
Assim, passou a deter título legalmente previsto para a atividade de gestão de resíduos projetada e requerida, em tudo idêntica à que vinha sendo exercida.
Posteriormente, o Vice-Presidente da CCDRC, ao abrigo de competências delegadas, decidiu, nos termos do despacho 1793/18, de 13/08/2018, indeferir o pedido de licenciamento da atividade de gestão de resíduos em apreço, com fundamento no não cumprimento dos requisitos exigidos nas alíneas a) e b) do n.º 2 do art.º 31.º do RGGR; Este ato administrativo, por não ter já objeto mediato, visto que sobre a pretensão que decidiu ocorrera já decisão final ao abrigo do disposto no art.º 31.º, n.º 5, do RGGR, erra nos pressupostos de direito, debruçando-se sobre matéria sobre a qual já haviam sido constituídos direitos na esfera jurídica da A.; Ainda que se considere que o ato impugnado constitui ato secundário, de natureza revogatória, mesmo assim não se verificariam os pressupostos da revogação de atos constitutivos de direitos, previstos no art.º 167.º do CPA e no art.º 38.º, n.º 4, do RGGR, nunca invocado pela autoridade licenciadora; Por outro lado, vem o referido despacho assinado pelo Dr. L., Vice-Presidente da CCDRC, sem que detivesse competência para o ato e sem que tivesse sido indicado que atuava ao abrigo de delegação ou de subdelegação de competências ou, ainda, em substituição de qualquer outro titular de órgão, pelo que o ato impugnado é inválido, por vício relativo ao sujeito, por violação do disposto nas normas conjugadas previstas no art.º 24.º, alínea b), do RGGR e nos art.ºs 13.º, alínea d), e 4.º, n.os 1 e 2, do Decreto-Lei n.º 228/2012, e do despacho de delegação de competências n.º 10716/15; As razões plasmadas na fundamentação do ato impugnado também não têm qualquer base legal conducente à recusa da licença, uma vez que não há alteração do projetado, padecendo o ato impugnado de erro nos pressupostos de facto, para além de não se verificarem os fundamentos indicados nos n.
os 1 e 2 da motivação do ato, violando-se o disposto no art.º 31.º, n.º 2, alíneas a) e b), do RGGR.
1.2. Citado, o Réu contestou, defendendo, em suma, que não se formou qualquer deferimento tácito sobre a pretensão da A., porque não foi praticado qualquer ato procedimental por um seu representante legítimo, bem como que, na vistoria às suas instalações, foram identificadas desconformidades várias com a lei e com o projeto que tinha sido aprovado, as quais impedem o deferimento da sua pretensão enquanto não forem objeto de correção.
Conclui que o ato administrativo impugnado não padece dos vícios que lhe são imputados, devendo a presente ação improceder.
1.3. Proferiu-se sentença que julgou a ação parcialmente procedente, constando a mesma do seguinte segmento decisório: “Pelo exposto, julga-se a presente ação administrativa parcialmente procedente e, em consequência: anula-se a decisão de indeferimento do pedido de licenciamento de operações de gestão de resíduos, apresentado pela A. no âmbito do processo de licenciamento ambiental n.º PL20170705001698, constante de despacho de 13/08/2018, posteriormente retificado em 16/08/2018, com as legais consequências; absolve-se o R. do demais peticionado.
Custas pela A. e pelo R., na proporção do respetivo decaimento, o qual se fixa em 50% para ambas as partes.
Ao abrigo das disposições conjugadas dos art.
os 31.º, n.º 1, e 34.º, n.
os 1 e 2, do CPTA, do art.º 6.º, n.º 4, do ETAF, e dos art.
os 305.º, n.º 4, e 306.º, n.º 2, do CPC (aplicáveis ex vi art.
os 1.º e 31.º, n.º 4, do CPTA), fixa-se à presente ação o valor de € 30.000,01 (trinta mil euros e um cêntimo).
Registe e notifique”.
1.4. Inconformada com a decisão assim proferida, a Autora interpôs o presente recurso jurisdicional, formulando as seguintes conclusões: “1. De acordo com o artigo 31.º, n.º 1 e n.º 5, do RGGR, a decisão final do procedimento de licenciamento deverá ser proferida no prazo de 10 dias a contar da data da realização da vistoria e que a falta de decisão pela entidade licenciadora naquele prazo concede ao requerente a faculdade de notificar para o efeito a entidade competente para a decisão, a qual tem o prazo de oito dias contados da receção da notificação para se pronunciar, equivalendo a falta de pronúncia à emissão de decisão favorável ao projeto.
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In casu, a notificação para efeito do disposto no n.º 5 do artigo 31.º foi realizada em 03.07.2018 por auxiliar da representante da ora Recorrente.
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Em 20.07.2018, a representante da ora Recorrente assumiu a comunicação dirigida pela auxiliar referida na conclusão anterior declarando que seria para considerar (cfr. facto 27).
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No que toca à representação sem poderes, preceitua o artigo 268.º, n.º 1, daquele diploma: “O negócio que uma pessoa, sem poderes de representação, celebre em nome de outrem é ineficaz em relação a este, se não for por ele ratificado”.
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Ratificação é o ato pelo qual, na representação sem poderes ou com abuso no seu exercício, a pessoa em nome de quem o negócio é concluído declara aprovar tal negócio, que doutro modo seria ineficaz em relação a ele, estando a respetiva declaração sujeita à forma da procuração, aceitando-se ser exigível a forma escrita.
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As declarações constantes de mensagem de correio eletrónico respeitam a forma escrita (artigo 376.º, do Código Civil, ex vi artigo 3.º, n.º 5, do regime alusivo aos “documentos e actos jurídicos electrónicos” instituído pelo DL n.º 290-D/99, e artigo 63.º, n.º 2, do CPA), como sucedeu como aquela a que alude o facto 27.
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A lei não prevê qualquer conteúdo mínimo pré-determinado no que respeita ao teor do ato de ratificação, bastando que a declaração em causa aponte de forma séria e inequívoca que o declarante pretende fazer seu o ato praticado sem ou em abuso de poderes de representação, aprovando-o e declarando dever ser considerado tornando-o eficaz perante si.
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Atento o critério objetivo de interpretação de declarações negociais e de simples atos jurídicos previsto no artigo 236.º do Código Civil, o declaratário normal colocado na posição da CCDRC, recorrendo à diligência mediana e a padrões médios de razoabilidade, de bom senso e de experiência comum, não podia deixar de fixar o sentido e o alcance da declaração a que alude o facto 27 como de aprovação da comunicação de 03.07.2018 por parte da representante da A. que, assim, naquela data de 20.07.2018, as fez suas, requerendo até expressamente que fossem consideradas.
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Apesar da ratificação dos autos ter sido expressa, não pode, aliás, olvidar-se que a ratificação de negócios e de declarações nem tem de ser expressa, podendo ser tácita, desde que respeitada a forma legalmente exigível.
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Não tem cabimento legal, não só por ter ocorrido efetiva ratificação expressa mas também por a ratificação poder ocorrer tacitamente, o entendimento do Tribunal a quo no sentido de que para haver ratificação no caso dos autos teria a representante da A. de redigir e de subscrever nova comunicação com o teor do e-mail de 03.07.2020 para que esta pudesse valer junto da CCDRC (o que não corresponderia a uma ratificação mas uma nova e autónoma declaração).
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Sendo certo que, por regra, o procurador não se pode substituir por outrem sem autorização expressa do representado (cfr. artigo 264.2,, n.(-2 1, do Código Civil), tal situação não ocorre, porém, com a ratificação de atos de auxiliar (cfr. artigo 264.2, n.-9- 4) por parte do procurador/representante, dado que, nesse caso, está a assumir como praticados por si e a fazer seus os atos realizados por quem não detinha poderes.
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O facto de o procurador não poder mandatar outrem, rectius, conferir poderes de sub-representação a outrem, não impede que possa ratificar como seus, na execução do contrato de representação em que é parte...
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