Acórdão nº 00705/07.5BEVIS de Tribunal Central Administrativo Norte, 07 de Dezembro de 2021
Magistrado Responsável | Cristina da Nova |
Data da Resolução | 07 de Dezembro de 2021 |
Emissor | Tribunal Central Administrativo Norte |
Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte: 1.RELATÓRIO F., Lda., vem recorrer da sentença que julgou improcedente a liquidação adicional do IRC dos anos de 2003 e 2004, fixada por métodos indiretos, nos montantes respetivos, de €45.016,99 e €20.717,75.
Formula nas respetivas alegações (cfr. fls. 462-517 do processo físico) as seguintes conclusões que se reproduzem: 1.
A sentença de fls., debalde douta, deve ser revogada.
-
O objecto dos autos radica na impugnação de liquidações adicionais de IRC realizadas com recursos a métodos indirectos, relativamente aos exercícios de 2003 e 2004, cf. identificadas na PI de fls., que se tem aqui por integralmente reproduzida, para todos os legais efeitos.
-
O sujeito passivo impugnou a legalidade da utilização desses métodos por parte da AT, bem como a subsequente quantificação da matéria tributária operada.
-
Julgada a causa, o Tribunal a quo deveria ter-se pronunciado, em sede de fixação da matéria de facto – provada e não provada (cf. nºs 1 e 2 do artigo 123º do CPPT) – sobre a factualidade subjacente a essa actuação, tendo em consideração a PI de impugnação de fls., a contestação da Fazenda Pública (FP) e os elementos de prova juntos aos autos, mormente os elementos documentais.
-
Compulsada a douta sentença de fls. – v. ponto IV (“Fundamentação de Facto”) – temos que o Tribunal recorrido dá como provados os factos que constam da pág. 9, in fine, e ss., sob os nºs 1 a 7.
-
A factualidade assente sob o nº 3 tem a seguinte redacção: “Desta ação de inspeção resultou um Relatório de Inspeção Tributária, do qual consta com interesse para a decisão, o seguinte: (...)”.
-
Com efeito, da página 10 à página 30 da sentença de fls., o Tribunal limita-se a transcrever textualmente páginas inteiras do Relatório de Inspecção Tributária (RIT).
-
Estando em causa liquidações adicionais operadas com recurso a métodos indirectos, o Tribunal recorrido deveria ter-se pronunciado concreta e especificadamente sobre a factualidade relevante para o efeito, fazendo-o de forma crítica, e com base na prova produzida (v.g., documental).
-
Todavia, o Tribunal recorrido limitou-se a transcrever o RIT.
-
O Tribunal não dá como provado o que consta do RIT – o que, só por si, seria, em nosso modesto entender, contrário à teleologia do nº 2 do artigo 123º do CPPT –, nem dá como provado o próprio RIT (o que também seria processualmente anómalo).
-
Limitando-se a declarar que foi elaborado o RIT, do qual consta, “com interesse para a decisão”, os extensos segmentos de texto e tabelas/quadros que transcreveu ao longo de 20 páginas.
-
Com todo o devido respeito, tal metodologia não se afigura correcta, porquanto deixa a decisão sem um concreto substracto factual, impossibilitando uma análise crítica da formação da convicção decisória, i.e., do percurso cognitivo que empreendeu para assumir a sua convicção decisória.
-
Emergindo do exposto que o Sr. Juiz a quo se limitou a aderir, sem mais, aos fundamentos do RIT, convicção que é reforçada quando nos detemos sobre a motivação (cf. página 31 e ss. da sentença de fls., in fine) da decisão proferida quanto à matéria de facto.
-
Atendendo a que o objecto dos presentes autos radica, em 1ª linha, na avaliação da legalidade do recurso a métodos indirectos, deve o Tribunal fixar os factos provados e não provados relativamente a essa actuação.
-
Essa omissão não pode deixar de inquinar a sentença recorrida de nulidade, nos termos e para os efeitos do disposto no nº 1 do artigo 125º do CPPT, nulidade que expressamente se invoca, para todos os legais efeitos.
-
E não se diga que há uma remissão para o RIT – e que ela é legítima – com base no disposto no artigo 76º, nº 1 da LGT.
-
Com efeito, o artigo 76º, nº 1 e ss. da LGT não contempla o Relatório de Inspecção Tributária, aludindo, diversamente, à figura das informações oficiais, a que se reporta o nº 2 do artigo 115º do CPPT.
-
O RIT e informações oficiais não são conceitos coincidentes, conforme decorre do douto Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul (TCAS), de 26.06.2014, tirado no processo nº 07141/13, disponível em www.dgsi.pt.) 19.
Donde, não é possível afirmar-se que o RIT é um meio probatório pleno.
-
Sobretudo quando o mesmo – e as conclusões em que se louva – foi impugnado pelo contribuinte (v. Acórdão do TCAS de 26.06.2014, tirado no processo nº 07148/13, disponível em www.dosi.ot.) 21.
O Tribunal recorrido só se debruça sobre o mérito intrínseco das conclusões apresentadas pela AT, cf. o RIT, na pág. 58 da sentença de fls.
-
A forma como o Tribunal recorrido se pronuncia sobre tal documento – que não possui, como vimos, qualquer força probatória plena – acentua as dúvidas sobre o percurso cognitivo do Sr. Juiz a quo.
-
Nulidade que se manifesta também no plano dos factos dados por não provados, o que se invoca.
-
Com efeito, o Tribunal a quo consignou, sob a alínea b) do ponto IV da fundamentação – “Factos não provados” (pág. 31 da sentença de fls.) – que “Inexistem outros factos, para além dos que foram dados como provados, que revelem interesse para a boa decisão da causa”.
-
Atendendo à causa de pedir articulada na PI de impugnação judicial de fls., bem como às circunstâncias invocadas em sede de audiência – e como decorre do acervo documental aí junto, sobre o qual nos debruçaremos infra –, o Tribunal recorrido deveria ter concretizado quais os factos que julgou não provados (v. Acórdão do TCAN de 13.11.2014, tirado no processo nº 01854/10.8BEBRG, disponível em www.dgsi.pt.) 26. Acresce que o Tribunal a quo demitiu-se de se pronunciar sobre a fattispecie alegada pela impugnante, tendo desconsiderado os meios de prova por esta carreados para os autos.
-
Em sede de audiência de julgamento/inquirição de testemunhas (cf. artigo 118º, nº 2 e ss. do CPPT), a impugnante requereu a junção aos autos de um conjunto de documentos identificados como Anexo 1, Anexo 2, Anexo 3, Anexo 4 e Anexo 5.
-
Os documentos foram sujeitos a contraditório – não tendo sido impugnados -tendo sido admitida a sua junção aos autos, cf. despacho de fls.
-
A admissão dos documentos aos autos tem por base – e apenas pode ter – a sua pertinência processual, ou seja, a sua utilidade para a boa decisão da causa.
-
Apesar de os ter admitido, o Tribunal declaradamente não os apreciou, sob o pretexto de não terem sido “circunstanciados” pela impugnante, sendo que, ainda segundo o Tribunal, deveriam ter sido disponibilizados previamente à AT, em sede de inspecção tributária.
-
Estando em causa uma impugnação judicial de liquidações adicionais com recurso a métodos indirectos, tem o contribuinte direito a impugnar essa liquidação, lançando mão de todos os meios probatórios pertinentes.
-
Nesse sentido, veja-se o disposto no artigo 115º, nº 1, do CPPT, e as exigências de tutela jurisdicional efectiva dos particulares, constitucionalmente garantidas no artigo 268º, nº 4, da Constituição da República Portuguesa (CRP).
-
As quais estão ainda materializadas no artigo 95º, nº 1 da LGT.
-
Acresce ainda que o Tribunal está vinculado ao princípio do inquisitório, nos termos do artigo 99º, nº 1, da LGT.
-
Tal comportamento configura uma notória omissão de pronúncia (non liquet), que constitui uma nulidade da sentença, a qual expressamente se invoca, para todos os legais efeitos.
-
A qual assenta ainda na violação dos citados preceitos legais.
-
Sem prescindir ou conceder, 38.
A impugnante não aceita o RIT e as respectivas conclusões, bem como as liquidações subsequentes, entendendo não estarem reunidos os pressupostos para a avaliação indirecta da matéria tributável.
-
A AT considera que “a inexistência de elementos de contabilidade, nomeadamente, documentos de venda (facturas ou documentos equivalentes) e guias de transporte, conduz-nos à impossibilidade de comprovação e quantificação duma forma directa e exacta dos elementos indispensáveis à correcta determinação da matéria tributável para IVA e para IRC, relativamente aos exercícios objecto de análise, 2003 e 2004” (págs. 22 e 23 da sentença de fls).
-
Propondo, consequentemente, a determinação da matéria tributável com recurso a métodos indirectos, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 87º, al. b) e 88º, al. a), ambos da LGT.
-
A verdade é que não estão reunidos os pressupostos legais para o efeito.
-
Os fundamentos legais para o recurso à avaliação indirecta constam dos referidos artigos 87º e 88º da LGT.
-
É pacífico que a utilização de métodos indirectos de determinação do rendimento tributável apenas pode ter lugar quando haja uma impossibilidade de comprovação e quantificação da matéria tributável com recurso aos métodos directos.
-
E assim é porque, por um lado, a avaliação por métodos indirectos é subsidiária da avaliação directa, na medida em que constitui uma derrogação do princípio legal e constitucional da tributação segundo a capacidade contributiva real dos contribuintes.
-
E, por outro lado, porque a AT dispõe – e hoje cada vez mais – de um conjunto amplo de poderes que lhe permite apurar, em concreto, a realidade tributária do contribuinte.
-
A AT propôs a aplicação de métodos indirectos usando como fundamento (exclusivo) o disposto na al. a) do artigo 88º da LGT, ou seja, a “Inexistência ou insuficiência de elementos de contabilidade ou declaração, falta ou atraso de escrituração dos livros e registos ou...
Para continuar a ler
PEÇA SUA AVALIAÇÃO