Acórdão nº 00627/06.7BEBRG de Tribunal Central Administrativo Norte, 30 de Setembro de 2021

Magistrado ResponsávelTiago Miranda
Data da Resolução30 de Setembro de 2021
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam em conferência os Juízes Desembargadores que compõem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:* I - Relatório A., LDA NIF (…), com sede na Rua (…), interpôs o presente recurso de apelação relativamente à sentença proferida em 11 de Fevereiro de 2009, no Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, que julgou improcedente a impugnação do despacho do Senhor Vereador do Planeamento Urbanismo e Ambiente da Câmara Municipal (...), que indeferiu a sua reclamação graciosa contra a liquidação da compensação a pagar por si, no montante de 39 861,90 €, em resultado da aplicação da fórmula do Sistema Perequitativo constante do artigo 1º do Regulamento Anexo ao Regulamento do Plano de Pormenor aprovado pela Câmara Municipal (...) para, entre outras, a Rua (...).

Rematou a sua alegação com as seguintes conclusões: CONCLUSÕES I. Entende a recorrente que o Ex.mo senhor juiz a quo fez uma incorrecta apreciação e valoração da prova produzida, sendo que, de igual modo, os elementos fornecidos pelo processo impunham, por si só, uma decisão diversa, insusceptível de ser destruída por qualquer outra prova (artº 712º, nº 1, al. b), do CPC.

  1. Na verdade, em face da prova produzida, verificou-se por força da proximidade de prédios contíguos e das limitações legais daí decorrentes, uma diminuição da capacidade construtiva, consequência da cedência da parcela identificada nos autos: III. Mais se provou que na impossibilidade da construção do 5° piso, o referido M. executaria a obra na implantação que estava prevista inicialmente, com a construção de um edifício composto por cave, r/chão e 4 andares, mediante o pagamento das taxas pela emissão da licença de construção.

  2. Provou-se ainda que a CM pretendeu, apenas e tão só, apropriar-se daquela parcela de terreno mediante a promessa de uma determinada possibilidade de construção que nunca foi sua intenção, de todo, cumprir.

  3. e que são vários os edifícios que foram construídos nas mesmas condições, ou seja, a aguardar a aprovação do referi do Plano de Pormenor para a zona tendo em vista a sua legalização.

  4. Também se provou, quanto mais não fosse pelas regras da experiência comum que, tecnicamente era impossível construir um edifício de cave, rés-do-chão, quatro andares e posteriormente aumentar mais um andar, tal como se encontra hoje previsto no Plano de Pormenor.

  5. Da prova documental junta aos autos pela Impugnante, na PI, dos autos do processo de licenciamento nº 3370/1997 e do depoimento das testemunhas em sede de inquirição, resultou também provada a factualidade supra-referida.

  6. Mesmo que assim não fosse, conforme já se referiu supra, a matéria dada por assente na douta sentença impunha, por si só, uma decisão diversa da que foi proferida.

    Nos termos constantes da douta sentença são duas as questões a decidir: IX. A) a violação do disposto no artigo 135° do dec. Lei 380/99, de 22/9 e do princípio da igualdade do planeamento na sua dimensão da igualdade perante os benefícios e encargos decorrentes da execução dos instrumentos de gestão territorial; e B) O erro na determinação do valor da compensação, X. A douta sentença, ao concluir como concluiu faz tábua rasa da matéria de facto dada como assente, designadamente de que “O preço e condições verificadas no negócio de aquisição do terreno onde o edifício foi construído tiveram como pressupostos a possibilidade de construir no local um edifício com Cave, Rés-do-chão e 4 andares, em concordância com o que previamente havia sido acordado no acto de cedência ao domínio público da parcela de terreno com a CM.

  7. Para além desse e de outros factos, encontra-se dado por assente o negócio celebrado entre a ora recorrente o Sr. M..

  8. Por efeitos do aludido contrato, transferiram-se para a adquirente – ora recorrente – todos os direitos e obrigações atinentes ao prédio objecto da construção identificados nos autos.

  9. Em conformidade com os factos dados como provados, todas obrigações assumidas pela recorrida para com o dono do terreno transmitiram-se para o adquirente do mesmo.

  10. Aliás, “o preço e condições verificadas no negócio de aquisição do terreno onde o edifício foi construído tiveram como pressupostos a possibilidade de construir no local um edifício com Cave, Rés-do-chão e 4 andares, em concordância com o que previamente havia sido acordado no acto de cedência ao domínio público da parcela de terreno com a CM.

  11. Não pode por isso a douta sentença concluir, como concluiu, que quem pode exigir responsabilidade à CM, designadamente restituição do indevidamente prestado por força do mecanismo da nulidade, ou qualquer outro, é aquele M., assim como é a este, enquanto vendedor, que perante a impugnante poderá responder por aquilo que houver a responder.

  12. Aliás, a douta sentença proferida inculca claramente um autêntico abuso de direito na modalidade – venire contra factum proprium.

  13. Resulta claramente do disposto no artº 334º C.Civ., que o conceito de boa fé coincide com o princípio da confiança; por sua vez, este princípio da confiança tende para a preservação da posição do confiante; no conteúdo material da boa fé surge, como segundo princípio, o da materialidade da regulação jurídica, historicamente detectável na luta contra o formalismo.

  14. Os quatro pressupostos de protecção da confiança através do venire contra factum proprium são: 1º - uma situação de confiança; 2º - uma justificação para essa confiança; 3º - um investimento de confiança, por parte do confiante; 4º - uma imputação da confiança à pessoa atingida pela protecção dada ao confiante.

  15. Demonstra a matéria de facto dada por assente a existência de um acordo e que se verificou uma situação de confiança, um investimento de confiança no que concerne a efectiva edificação por parte da recorrente de um edifício de cave r/c e 4 andares.

  16. Verificou-se a imputação à recorrente da confiança na estabilidade, pelo que a recorrida ao exigir o pagamento do montante relativo à Perequação, age em manifesto abuso de direito.

  17. Dispõe a al. d) do nº 1 do ARTIGO 668.º do C.P.C. que: ” É nula a sentença quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento”.

  18. Não obstante o meritíssimo juiz a quo ter referido que uma das questões a resolver e invocadas pela recorrente era o erro na determinação do valor da compensação, o certo é que na douta sentença nada foi dito e decidido relativamente a tal questão.

  19. Assim, nos termos do disposto na al. d) do nº 1 do artigo 668º do C.P.C., a douta sentença é nula, o que se argui para todos os efeitos legais.

  20. A douta sentença violou também o disposto no artigo 135º do Dec. Lei 380/99, de 22/9 e o princípio da igualdade do planeamento na sua dimensão da igualdade perante os benefícios e encargos decorrentes da execução dos instrumentos de gestão territorial.

  21. Entende a recorrente que mesmo tendo sido declarada a nulidade da deliberação camarária que deferiu o pedido de informação prévia supra-referido e não resultando da mesma qualquer efeito jurídico, atenta a sua nulidade, a verdade é que para todos os efeitos houve a cedência de uma parcela de terreno pela construção de um 5º piso, ainda que a propriedade da mesma, em bom rigor, não se tenha transmitido.

  22. Embora não se tenham produzido quaisquer efeitos jurídicos a verdade é que mesmo nos actos ou negócios nulos pode ter havido, como houve, prestações de coisa certa, e, essas, em face da nulidade, deverá ser restituído tudo o que tiver sido prestado, ou, se a restituição em espécie não for possível, o valor correspondente (artigo 289º do C.C.).

  23. Para todos os efeitos, houve um negócio entre a Impugnante e a CM, em que a cedência da parcela dos 580/m2, ocorrida em 08.09.1997, constituía a obrigação daquela, XXVIII. E a autorização de construção de um 5º piso, a correspondente obrigação da CM.

  24. Desse modo, tendo sido declarada nula a deliberação que levou a que a Impugnante fizesse tal cedência, deixaram de ser verificar os pressupostos para a mesma, porque deixou de ser possível a contrapartida da CM.

  25. Assim sendo, à CM só lhe restava uma de duas alternativas: ou procedia à devolução do terreno (o que à data não era manifestamente possível, atenta infra-estruturação que decorria) ou pagava o preço do da parcela de terreno cedida ao então antigo proprietário.

  26. Para todos os efeitos não poderemos deixar de considerar que pela construção daquele 5º piso a Impugnante deu uma contrapartida à CM.

  27. Ainda que o tenha feito muito antes da CM ter dado cumprimento à contrapartida prevista inicialmente quando foi deferido o pedido de informação prévia. Ora, a situação continua a ser a mesma, só com a diferença de que a contrapartida da CM para a Impugnante se ter verificado muito mais tarde.

  28. Reportando-nos ao supra exposto, temos que, à data, do licenciamento da 1ª fase ainda não se encontravam em vigor os Decs. Leis 380/99, de 22/9 e o 555/99, de 16/12 e a Lei 48/98, de 11/8, e, assim sendo, não se colocava a questão da compensação (perequação compensatória dos benefícios e encargos).

  29. Por sua vez, no atinente à 2ª fase, embora já se encontrassem em vigor o 1º e 3º diplomas, aludidos supra, a verdade é que a questão da compensação, também não se colocava.

  30. Em virtude de os mecanismos de perequação só serem susceptíveis de serem aplicados no âmbito dos Planos de Pormenor ou das unidades de execução (artigo 120º do Dec. Lei 380/99, de 22/9).

  31. Como se deu conta supra o 5º piso foi legalizado no âmbito do Plano de Pormenor e este já contemplou, como não poderia deixar de ser, o sistema perequativo.

  32. Uma das questões a decidir passa por saber se, pelo facto de o 5º piso ter sido legalizado já no âmbito do Plano de Pormenor – não olvidando, contudo, que já tinha havido uma cedência de uma parcela de 580/m2, que teve como contrapartida a edificação de um 5º piso - haverá lugar ao pagamento de qualquer compensação pecuniária no âmbito da perequação de benefícios e...

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