Acórdão nº 01030/21.4BEPRT de Tribunal Central Administrativo Norte, 24 de Setembro de 2021

Magistrado ResponsávelHelena Ribeiro
Data da Resolução24 de Setembro de 2021
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam, em conferência, os juízes desembargadores da Secção Administrativa do Tribunal Central Administrativo Norte: I.RELATÓRIO 1.1.C., CRL, NIPC (…), com apartado (…), TAXIS (...), LDA, NIPC (…), com sede na Rua (…), AUTO T., LDA, NIPC (…), com sede na Rua (…), T. LDA, NIPC (…), com sede na Rua (…), AUTO TAXIS B., LDA, NIPC (…), com sede na Rua (…), intentaram o presente processo cautelar contra o MUNICÍPIO (...), pedindo a suspensão da alteração ao Regulamento do Transporte Público de Aluguer de Veículos Ligeiros de Passageiros aprovada por deliberação de 26 de fevereiro de 2021 da Assembleia Municipal.

Para tanto, alegam, em síntese que o projeto que culminou neste regulamento enferma de vícios de procedimento geradores da sua invalidade nos termos do disposto nos artigos 143.º e 144.º do CPA, por incumprimento do disposto no artigo 101.º do mesmo diploma, por falta de apreciação das pronuncias apresentadas pela 1.ª Requerente e o 5.º Requerente (por si), por falta de consulta às associações existentes do setor, e bem assim, por vícios que afetam o seu conteúdo, designadamente, por colidir com o regime legal previsto para o estacionamento, estando ferido.

Mais alegam a existência de prejuízos irreparáveis caso a presente providência cautelar não seja decretada.

Concluem que se verifica o requisito do periculum in mora e do da proporcionalidade, e pedem o decretamento da providência requerida.

1.2. Citado, o requerido apresentou oposição, defendendo-se por exceção e por impugnação. Invoca a ilegitimidade processual da primeira requerente por a mesma assentar a sua legitimidade na norma do n.º 2 do artigo 9.º do CPTA e não estar em causa qualquer um dos bens ou valores aí referidos, além de tal requerente não apresentar as licenças dos cooperantes, sendo os interesses relativos às licenças exclusivos dos cooperantes, e não da cooperativa.

No mais, pugna pela improcedência da presente ação.

1.3. Os requerentes pronunciaram-se no sentido da improcedência da matéria de exceção invocada pelo requerido.

1.4. O TAF do Porto proferiu saneador sentença, em que considerou desnecessária a produção de prova testemunhal e por declarações de parte, fixou o valor da causa em € 30.000,01, julgou procedente a invocada exceção da ilegitimidade ativa da C. e improcedente a presente ação cautelar, constando da mesma o seguinte segmento decisório: «Pelo exposto, decide-se: a) julgar procedente a excepção de ilegitimidade da requerente Cooperativa e, em consequência, absolver o requerido da instância quanto ao pedido formulado pela mesma; b) julgar improcedente a presente acção e, em consequência, absolver do pedido o requerido.

Custas pelos requerentes».

1.5. Inconformados, os Requerentes interpuseram a presente apelação apresentando alegações em que formulam as seguintes conclusões: I. O presente recurso vem interposto da decisão proferida a qual julgou improcedente a providência cautelar requerida por alegadamente não se verificar o seu primeiro pressuposto – periculum in mora.

  1. Mais incidirá o presente recurso de igual forma da decisão proferida quanto à ilegitimidade da Recorrente C. que, segundo o tribunal é parte ilegítima por não ter qualquer interesse directo.

  2. E, incide ainda sobre o despacho que antecedeu a prolação de sentença e indeferir a produção de prova requerida.

  3. Os recorrentes não concordam com o despacho e a sentença recorrida, porquanto se considera que o Tribunal recorrido realizou uma menos correcta interpretação e aplicação do direito ao caso concreto.

  4. De facto, considera, por despacho, o Exmo. Sr. Juiz do Tribunal a quo, que os autos cautelares dispõem dos elementos necessários à apreciação da causa, nos termos do artigo 118º, do CPTA.

  5. Todavia, os recorrentes não concordam, nem se conformam, com este despacho, na medida em que nele se fez errada apreciação dos factos e igualmente errada interpretação e aplicação do artigo 118º, CPTA, que se mostra, assim, violado, estando a decisão ferida de nulidade o que expressamente ser arguiu.

  6. Os recorrentes, na sua p.i., requereram a produção de meios de prova, e fizeram-no face ao facto de terem alegado factos concretos tendentes a demonstrar os prejuízos resultantes do regulamento cuja suspensão de eficácia requereu, nomeadamente os elencados nos artigos 82 a 99º do requerimento inicial.

  7. E o que é facto é que a prova desses prejuízos era, como é, imprescindível para se proceder à análise do requisito do “periculum in mora”, traduzido no fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação previsto na alínea b) do nº 1 do artigo 120º do CPTA, que tem de se verificar cumulativamente com o “fumus boni iuris”.

  8. Os requerentes alegaram os prejuízos, pretendendo prová-los, designadamente através da produção de prova testemunhal.

  9. No entanto, tal prova enunciada e a cargo dos requerentes, foi inviabilizada pelo próprio Tribunal “a quo” ao indeferir a produção de prova, e designadamente a produção de prova testemunhal, o que determinou, a final, que não se tivesse conseguido estabelecer, em concreto, se estavam verificados, ou não, os prejuízos de difícil reparação invocados pelos requerentes.

  10. Ou seja, o Tribunal a quo, em primeiro lugar recusa a produção de prova, e depois vem dizer que os AA. não demonstrou os factos.

  11. Não levando sequer tal matéria a fundamentação de facto da decisão.

  12. E, mais se diga que, os documentos eram suficientes ao pois que, tendo em conta a matéria em causa não eram de todo suficientes para prova dos danos alegados.

  13. Nestes termos, ao dispensar a produção de prova quando esta se mostrava indispensável à correta apreciação dos requisitos da providência cautelar requerida, o despacho recorrido fez uma errada interpretação e aplicação do artigo 118º, números 3 e 5 do CPTA, impondo-se a respetiva anulação e a baixa dos autos ao TAF para aí se proceder à produção de prova, nomeadamente com a inquirição das testemunhas arroladas pelos requerentes.

  14. Pois, como referem Mário Aroso de Almeida e Carlos Fernandes Cadilha, no “Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos”, em anotação ao artigo 118º do CPTA: “[ ...] todos os meios de prova legítimos são, pois, admissíveis ...”.

  15. Neste sentido já se pronunciou o TCA Norte, no seu dou Aresto no Proc. nº 276/11.8BEV1S, 2 Sec. do Cont. Tribut., de 12.01.2012, tal como infra se transcreve: “O Tribunal a quo só poderia ter dispensado a produção da prova testemunhal se tivesse concluído que ela era manifestamente impertinente inútil ou desnecessária”.

  16. A produção de prova no presente caso era de extrema relevância para a descoberta da verdade material e consequentemente para a boa decisão da causa, na medida em que os elementos carreados pelas partes para os autos se mostram insuficientes à prolação de uma decisão.

  17. O Tribunal a quo não poderia dispensar a produção de prova testemunhal e decidir a insuficiência de prova dos factos alegados atento o disposto no nº 1 do art. 367º do CPC, aplicável por força do art.º 1º do CPTA, que confere ao juiz o poder de ordenar oficiosamente as diligências probatórias que considerar necessárias ao apuramento dos pressupostos de decretamento das providências cautelares requeridas. É este o poder que está, aliás, vertido no nº 3 do art. 118º do CPTA.

  18. O poder discricionário que é concedido ao julgador cautelar pelo artigo 118º, nº 3, do CPTA, não poderá ser um poder discricionário tout court, sendo antes um poder-dever, isto é, um poder que está vinculado à exigência da busca da verdade material e ao respeito pelo princípio da tutela jurisdicional efectiva.

  19. Assim, ao ter proferido decisão sem permitir aos recorrentes demonstrar a veracidade das afirmações produzidas em sede de requerimento inicial, violou o direito à tutela jurisdicional efetiva, previsto no artigo 2º do CPTA.

  20. Os recorrentes não esqueceram do seu ónus de articulação e de prova dos «factos concretos» que permitam e legitimem o julgador cautelar a realizar o «juízo de ponderação de interesses e danos» que é previsto e exigido.

  21. A dispensa da prova influiu na boa decisão da causa incorrendo a sentença recorrida na violação do disposto no art.º 2º, nº 3, 114º, nº3 alínea g), e art. 118º do CPTA, e ainda na violação dos artigos 367º do CPC e 342º do Código Civil; XXIII. Tribunal a quo errou ao indeferir a realização de diligências de prova (cfr. artigo 118º nº 1 do CPTA), levando a que estejamos perante uma nulidade processual, decorrente da omissão de ato processual a que devesse houver lugar com influência sobre a decisão da causa (cfr. artigo 195º nº 1 do CPC, ex vi artigo 1º do CPTA), motivadora da anulação da sentença recorrida.

  22. Devendo, em consequência, ser julgado procedente o presente recurso, revogando-se assim o despacho recorrido.

  23. Sem prescindir, o tribunal a quo, entendeu ter-se “por inverificado o periculum in mora...”.

  24. Os recorrentes não alcançam a razão pela qual entendeu o Tribunal “a quo” não ter sido demonstrado o “periculum in mora”, quando ele próprio dispensou a produção de prova ao abrigo do n.º 3 do artigo 118º do CPTA.

  25. Não é possível que o Tribunal dispense a audição das testemunhas oportunamente indicadas pelos recorrentes e depois indefira a providência cautelar, faltando a produção de prova sobre os factos efetivamente invocados e relativamente aos quais a prova testemunhal era evidente, enfermando a sentença do Tribunal “a quo” de manifesta deficiência instrutória, não fazendo uso adequado do disposto no nº 3 do artigo 118º do CPTA. (Neste sentido Acórdão do TCA Sul, Processo 10105/13, de 11-07-2013).

  26. O requisito do periculum in mora ter-se-á por preenchido sempre que exista fundado receio de que, quando o processo principal termine, a sentença aí proferida já não venha a tempo de dar resposta adequada às situações jurídicas envolvidas em litígio, seja porque a evolução das circunstâncias durante a pendência do processo tornou a decisão totalmente...

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