Acórdão nº 00043/08.6BEPRT de Tribunal Central Administrativo Norte, 16 de Setembro de 2021

Magistrado ResponsávelCristina Travassos Bento
Data da Resolução16 de Setembro de 2021
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam, em conferência, os juízes desembargadores que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:* I - Relatório A Fazenda Pública, veio interpor recurso da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto que julgou parcialmente procedente a impugnação judicial da liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC) referente ao exercício de 2003 e respectivos juros compensatórios, deduzida por “E., E.M.”.

A Recorrente terminou as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões: “ A.

Vem o presente recurso interposto da douta sentença que julgou parcialmente procedente a impugnação judicial, anulando a liquidação adicional de IRC relativa ao exercício de 2003, na parte influenciada pela correcção respeitante a obras de reparação.

B.

Na douta sentença, o Tribunal a quo apreciou unicamente o vício de falta de fundamentação, decidindo pela procedência do vício e, consequentemente, pela procedência parcial da presente impugnação, ficando prejudicado o conhecimento do fundamento da violação do principio da verdade material bem como, o fundamento do erro na quantificação da matéria tributável, por este respeitar apenas às correcções respeitantes às obras realizadas, nos termos do art.º 608 do CPC, ex vi art.º 2º alínea e) do CPPT.

  1. O Tribunal a quo fundamentou a sua decisão de procedência parcial da decisão nos seguintes termos: “…. como se constata da fundamentação formulada, os SIT limitaram-se a fazer o enquadramento legal das despesas contabilizadas com as obras de reparação, qualificando-as como grandes reparações. Com efeito, da sobredita fundamentação não decorre qualquer factualidade que permita aferir e classificar as obras efectuadas. Os SIT não esclareceram em que medida as obras realizadas tinham de ser classificadas como grandes reparações, não se depreendendo tal com a mera referência de que as mesmas protegem e reforçam o edifício”.

  2. Acrescentou ainda que “assim, impunha-se que partindo de factualidade concretizada, como fosse a descrição das obras em questão, os SIT externassem as razões pelas quais as obras realizadas pela Impugnante teriam de ter sido consideradas como grandes reparações, de forma a ser perceptível a sua actuação“.

  3. Com a ressalva do sempre devido respeito, que é muito, não pode a FP conformar-se com o doutamente decidido, incorrendo a douta sentença em erro de julgamento sobre a matéria de facto e de direito, consubstanciado na errónea valoração da prova produzida e em errada interpretação e aplicação do disposto nos artigos 77.º da LGT, 268.º da CRP e 152.º e 153.º, ambos do CPA.

    F.

    Ao contrário do alegado pela Impugnante, a FP entende que não ocorre a invocada falta de fundamentação, pois da argumentação expendida em sede de direito de audição, na petição inicial, no requerimento da Prova Pericial, resulta que a Impugnante conheceu o itinerário cognoscitivo e valorativo do acto.

    G.

    Ora, como é sabido, o direito à fundamentação dos actos administrativos e tributários que afectem direitos ou interesses legalmente protegidos é princípio constitucional com assento no art. 268º da CRP e, encontra-se concretizado pelo legislador ordinário no art. 77º da LGT.

  4. Por força do nº 1 do art. 77º da LGT, a fundamentação deve consistir numa exposição sucinta dos fundamentos de facto e de direito que motivaram a decisão, ou numa declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, acrescentando o nº 2 do mesmo preceito legal que a fundamentação dos atos tributários de liquidação pode ser efectuada de forma sumária, devendo sempre conter as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários e as operações de apuramento da matéria colectável e do tributo.

    I.

    Pelo que, a fundamentação há-de ser expressa, através de uma exposição sucinta dos fundamentos de facto e de direito da decisão; claras, permitindo que, através dos seus termos, se apreendam com precisão os factos e o direito com base nos quais se decide; suficiente, possibilitando ao contribuinte, um conhecimento concreto da motivação do acto, ou seja, as razões de facto e de direito que determinaram o órgão ou agente a actuar como actuou; e, congruente, de modo que a decisão constitua conclusão lógica e necessária dos motivos invocados como sua justificação, envolvendo entre eles um juízo de adequação, não podendo existir contradição entre os fundamentos e a decisão.

  5. Sendo que, a fundamentação só é suficiente quando permite a um destinatário normal aperceber-se do itinerário cognoscitivo e valorativo seguido pelo autor do ato para proferir a decisão, isto é, quando aquele possa conhecer as razões por que o autor do ato decidiu como decidiu e não de forma diferente, de modo a poder desencadear os mecanismos administrativos ou contenciosos.

  6. Por sua vez o art.º 153.º, n.º 2 do Código do CPA, acrescenta que equivale à falta de fundamentação a adopção de fundamentos que, por obscuridade, contradição ou insuficiência, não esclareçam concretamente a motivação do ato.

    L.

    No plano jurisprudencial, o STA tem vindo a entender que a exigência legal e constitucional de fundamentação visa, primacialmente, permitir aos interessados o conhecimento das razões que levaram a autoridade administrativa a agir, por forma a possibilitar-lhes uma opção consciente entre a aceitação da legalidade do ato e a sua impugnação contenciosa.

    M.

    Sendo atingido tal objectivo, qualquer irregularidade ou omissão deverá considerar-se sanada, aferindo-se tal efeito face ao acto efectivamente praticado, perante o qual terá que ser cotejada a sua adequação.

    N.

    No caso concreto, verifica-se que o relatório fundamentador do acto tributário em dissídio descreve as situações que suscitaram as correcções ora impugnadas, identificando de forma clara, quais os custos suportados com as empreitadas de reabilitação das coberturas do Empreendimento da quinta do Melão (Edifício 1 e 2), através de um quadro, descriminando as facturas que estão subjacentes aos referidos custos, e classificando as referidas empreitadas como grandes reparações, por força do estipulado na alínea a) do nº 5 do art.º 5º do Decreto Regulamentar nº 2/90, de 12/01.

  7. Ainda que no relatório de inspecção não tenham sido descritas as obras realizadas, do confronto das facturas (ponto 4 a 11 do probatório) ali enunciadas e os autos de obras anexos às mesmas-objecto de análise por parte dos SIT, verifica-se que aquelas se encontram identificadas, pois estes descrevem-nas de forma pormenorizada, tanto mais que os mesmos se encontram na contabilidade da impugnante, tendo sido juntos à PI, onde revela conhecimento das obras de reparação que estavam subjacentes às correcções efectuadas.

  8. Embora, a sua fundamentação, não seja particularmente exuberante, a leitura do relatório de inspecção, subjacente à liquidação ora em crise, permitiu à impugnante o conhecimento integral do itinerário cognoscitivo percorrido pela AT, de tal forma que a mesma percebeu e contra isso se insurgiu nos presentes autos, exercendo o contraditório, juntando cópias das referidas facturas e autos de obra anexos e requerendo prova pericial às referidas obras, não ficando, pois, prejudicada a sua defesa.

    Q.

    Resulta da douta sentença em análise, que a impugnante alega ainda o erro na quantificação da matéria tributável.

    R.

    Ora, se a impugnante aponta que o acto está inquinado por erro na quantificação da matéria tributável, tal significa que teve condições para apreender o sentido e o alcance do acto tributário, pois, não é possível atacar um acto com base em erro na quantificação da matéria tributável, quando não se compreendeu o teor e alcance do mesmo S.

    Ademais, em sede do procedimento inspectivo, a Impugnante veio alegar, no exercício do direito de audição, que a AT incorreu em manifesto equivoco, quando considerou que as obras realizadas, não se enquadram no conceito de “grande reparação”, mas sim de mera reparação, demonstrando, inequivocamente, que a fundamentação externada pela AT, permitiu entender o itinerário cognoscitivo e valorativo seguido pelo autor do ato para proferir a decisão em causa.

    T.

    E, não só não impediu a defesa por impugnação, como, mais do que isso, conduziu à exacta e concisa defesa administrativa e judicial, por parte da impugnante, contra o motivo fundamentador dos actos de liquidação, tentando comprovar que as referidas obras em causa não integram o conceito de “grandes reparações”, nomeadamente através da junção de documentos, que revelam as circunstâncias que determinaram a realização das obras em causa e as características das mesmas, manifestando mais uma vez, que percepcionou o itinerário cognoscitivo percorrido pela AT.

    U.

    No douto acórdão de 11.12.1996, processo nº 20141, observou o STA que “no caso de o contribuinte entender perfeitamente as razões que levaram a AT a praticar certo acto, ainda que esse acto não cumprisse todas as regras quanto à sua fundamentação, essa falta de fundamentação não deveria conduzir à anulação”.

    V. Não se compreende, pois, como o Tribunal a quo entendeu que do relatório final resultam meras afirmações conclusivas não suportadas na factualidade que lhes subjaz, de forma a percepcionar-se porque os SIT decidiram fazer aquele enquadramento legal e não qualquer outro e que as sobreditas correcções não se encontram devidamente fundamentadas, na medida em que a AT não logrou externar a factualidade inerente a tal enquadramento legal.

    W.

    Pelos motivos aduzidos, entende a FP que o relatório fundamentador da liquidação adicional de IRC ora impugnada não sofre do invocado vício de falta de fundamentação, pois permite a um destinatário normal aperceber-se do itinerário cognoscitivo e valorativo seguido pelo autor do ato para proferir a decisão, dando a conhecer as razões por que o autor do ato decidiu como decidiu e não de forma diferente, de modo a poder desencadear os mecanismos administrativos ou...

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