Acórdão nº 00441/17.4BECBR-A de Tribunal Central Administrativo Norte, 30 de Novembro de 2017

Magistrado ResponsávelJoão Beato Oliveira Sousa
Data da Resolução30 de Novembro de 2017
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam em conferência os juízes da 1ª Secção do Tribunal Central Administrativo Norte:*RELATÓRIO LFRF veio interpor recurso da sentença pela qual o TAF de COIMBRA indeferiu a presente providência cautelar de atribuição de bolsa requerida contra a Universidade de Coimbra.

*Conclusões do Recorrente: 1) Visa o presente recurso reagir contra a douta sentença que indeferiu a providência cautelar de atribuição de bolsa.

2) Considera-se que os factos considerados como indiciariamente provados encontram-se incompletos ou insuficientes, que o Tribunal a quo interpretou de forma errada o requerimento inicial, conduzindo à desadequação da providência considerada, que o Tribunal a quo julgou erroneamente o requisito do fumus boni iuris, bem como os preceitos legais aplicáveis, devendo considerar-se verificado e, finalmente, pugna-se pela procedência das providências requeridas 3) O pedido efectuado pelo Recorrente na acção principal não se reduz ao que foi dado com provado no ponto 11 dos factos considerados como indiciariamente provados.

4) Deve ser aditado ou complementado que o Recorrente pediu naquela acção a anulação ou declaração de nulidade do referido acto administrativo com fundamento em vício de falta de fundamentação (artigo 152.º do CPA), vício de violação de lei por erro nos pressupostos de facto, por violação do art. 12.º do Tratado de Amizade, Cooperação e Consulta entre a República Portuguesa e a República Federativa do Brasil, do art. 15.º do Decreto-Lei n.º 129/93, de 22 de Abril e do art. 8.º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa, bem como pediu a condenação da entidade demandada a reconhecer o Estatuto de Igualdade de Direitos e Deveres com os nacionais portugueses concedido ao Recorrente, a reconhecê-lo como estudante equiparado aos nacionais, designadamente para efeitos de recebimento de bolsa e pagamento de propina e, ainda, a emitir decisão de atribuição de bolsa de estudos para o ano lectivo de 2016/2017 num valor não inferior a € 5.674,89 (cfr. art. 16.º do requerimento inicial, não impugnado pela Recorrida).

5) Ocorrendo manifesta deficiência, relevante para a decisão da causa, pelo que deverá ser aditado aos factos provados.

6) O Recorrente alegou que no ano lectivo de 2016/2017 não auferia qualquer rendimento, tendo dificuldades económicas.

7) A comprovação da sua carência económica resulta da cópia da certidão da Autoridade Tributária e Aduaneira (doc. 6, junto ao requerimento inicial), bem como da concessão do apoio judiciário requerido pelo Recorrente nas modalidades de dispensa de taxa de justiça e demais encargos como processo e nomeação e pagamento da compensação de defensor oficioso (docs. 15 e 16, juntos ao requerimento inicial).

8) Tais documentos que são autênticos, impõem decisão diversa da proferida pelo Tribunal a quo quanto à insuficiência económica do Recorrente, pelo que, por ser relevante para a boa e justa decisão, deve ser dada como provada e aditada aos factos provados.

9) O título de residência do Recorrente caduca em 02.10.2017 (ponto 14.dos factos provados), pelo que o tem de renovar até àquela data.

10) São requisitos para proceder à renovação do título de residência, apresentar prova de matrícula e do pagamento da propina exigida pelo estabelecimento de ensino, a ora Recorrida (art. 23.º do requerimento inicial).

11) Encontrando-se em discussão não só a bolsa de estudos, como a própria propina, (por força da impugnação do acto administrativo) não pode o Recorrente pagá-la.

12) Está vedada ao Recorrente a inscrição no ano lectivo de 2017/2018, assim como a obtenção dos documentos imprescindíveis para a renovação do título de residência, o que irá acarretar graves e irreparáveis consequências (cfr. art. 24.º do requerimento inicial).

13) Através da providência cautelar, o Recorrente requereu que fosse permitida a sua inscrição no ano lectivo de 2017/2018, bem como que fossem emitidas a certidão ou certidões necessárias para instruir a renovação do título de residência (designadamente, prova de matrícula e declaração de inexistência de dívidas à Requerida à data da matrícula) (art. 25.º do req. inicial).

14) O constante das conclusões 10), 12) e 13) trata-se de matéria de facto não impugnada e aceite pela Recorrida (cfr. art. 22.º da oposição), pelo que deve ser dada como provada e aditada aos factos provados (arts. 23.º, 24.º e 25.º do requerimento inicial).

15) O Tribunal a quo fez, salvo melhor opinião, uma errada interpretação do pedido no requerimento inicial.

16) O Recorrente não pretende apenas a salvaguarda dos seus interesses e direitos materializados na concessão de bolsa de estudos, nem está somente em risco a sua frequência no ano lectivo de 2017/2018. Encontra-se, também, em risco a renovação do seu título de residência.

17) O Recorrente encontra-se impedido de se inscrever no ano lectivo que agora iniciou e de obter certidão, declaração ou informação de qualquer tipo relativa ao curso, por causa que não lhe pode ser imputada, tal conduz ao não preenchimento dos requisitos para renovação do título de residência. O que, por sua vez, acarreta a perda insuprível do direito a residir legalmente em Portugal e de ser portador do respectivo título de residência.

18) Devem ser consideradas e deferidas as providências requeridas de inscrição no ano lectivo de 2017/2018 na Licenciatura em Direito da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, e de emissão de certidão ou certidões necessárias para instruir a renovação do título de residência (designadamente, prova de matrícula e declaração de inexistência de dívidas à Universidade/Recorrente à data da matrícula).

19) Se assim se não considerar, sendo apreciada como adequada a providência cautelar de atribuição de bolsa, esta deve ser deferida, uma vez que se encontram preenchidos os pressupostos constantes do art 120.º para o deferimento da mesma, sob pena de violação desta disposição legal, como infra se demonstrará a este Venerando Tribunal.

20) O Tribunal a quo considerou que “nesta fase de juízo perfunctório e provisório [...] nenhuma das ilegalidades elencadas pelo requerente preenche o provável sucesso da causa principal”. O que não se pode concordar.

21) Com efeito, a douta sentença recorrida padece de erro de julgamento por considerar que não se encontra preenchido o pressuposto requisito do fumus boni iuris.

22) A fundamentação de um acto administrativo tem de ser expressa, consistindo numa exposição sucinta dos fundamentos de facto e de direito que levaram à decisão (cfr. n.º 1 do art. 153.º do CPA), devendo, ainda, ser “clara, coerente e completa” (terminologia de Freitas do Amaral in Direito Administrativo, vol. III, Lisboa 1989).

23) Do acto impugnado na acção principal constava apenas o teor “Estatuto do estudante internacional, Decreto-Lei n.º 36/2014, de 10 de Março. Artigo 10.º” (facto dado como provado no ponto 7), o que claramente não preenche os requisitos do art. 153.º do CPA.

24) A violação do dever de fundamentação determina a anulabilidade do acto, neste sentido do Ac. do Tribunal Central Administrativo Sul, proc. n.º 439/04, de 06.01.2005, “não contendo tal informação, com suficiência e clareza os motivos, causas ou pressupostos da decisão, estamos perante a falta de fundamentação do acto administrativo, de acordo com o disposto no art. 125.º, n.ºs 1 e 2 do CPA [art. 153.º NCPA]: a obscuridade e insuficiência da fundamentação do acto valem como falta de fundamentação. A falta de fundamentação inquina o acto de ilegalidade que determina a sua anulabilidade”.

25) O Tribunal a quo incorre também em erro de julgamento ao fundamentar a inexistência do vício de falta de fundamentação por “notar” que o Recorrente compreendeu os fundamentos de direito e de facto que subjazem a decisão da entidade administrativa.

26) Não equivale a compreender os fundamentos de facto e de direito o Recorrente ter, em sede de Audiência de Interessados, exposto as razões por não entender o indeferimento da bolsa.

27) Não pode ficar a Recorrida isenta do preenchimento dos requisitos de fundamentação, apenas por o Recorrido ter exercido o seu direito a ser ouvido.

28) Mesmo que se considere que o Recorrente compreendeu as aquelas razões, o que não se admite, “o conhecimento da lei pelos administrados não isenta a Administração do dever de fundamentar as suas decisões.” (Ac. do TCAS, proc. n.º 439/04, de 06.01.2005).

29) Quanto ao vício de falta de fundamentação do acto impugnado, impõe-se concluir pela sua procedência, sob pena de violação dos arts. 152.º e 153.º do CPA, o que se invoca.

30) Errou, também, o Tribunal a quo ao considerar “que a questão jurídica em apreço está longe de permitir ao tribunal conjecturar «com solidez bastante [...] a existência de uma ilegalidade e a consequente supressão judicial do acto»” 30) Na verdade, contra a hierarquia das normas de DIP convencional, o Mmo. Juiz a quo coloca num patamar superior o estatuto do estudante internacional, regulado pelo Decreto-Lei n.º 36/2014, de 10 de Março, o que não se pode aceitar.

31) O art. 8.º, n.º 2 da CRP dispõe que “as normas constantes de convenções internacionais regularmente ratificadas ou aprovadas vigoram na ordem jurídica interna após a sua publicação oficial e enquanto vincularem internacionalmente o Estado Português”.

32) O Tratado de Amizade, Cooperação e Consulta entre a República Portuguesa e a República Federativa do Brasil foi assinado em Porto Seguro, em 22 de Abril de 2000, aprovado, para ratificação, pela Resolução da Assembleia da República n.º 83/2000, de 28 de Setembro, ratificado pelo Decreto do Presidente da República n.º 79/2000, de 14 de Dezembro e oficialmente publicado em Diário da República -I Série -A, n.º 287 de 14 de Dezembro de 2000.

33) O Tratado tem um conteúdo materialmente constitucional, consistindo num acordo entre os dois Estados sobre direitos civis e políticos, pelo que tem um valor infraconstitucional, mas supralegislativo (cfr. Gomes Canotilho, Direito Constitucional e Teoria da...

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