Acórdão nº 00321/14.5BEPRT de Tribunal Central Administrativo Norte, 03 de Novembro de 2017
Magistrado Responsável | Hélder Vieira |
Data da Resolução | 03 de Novembro de 2017 |
Emissor | Tribunal Central Administrativo Norte |
Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: I – RELATÓRIO Recorrente: MCLM e outro Recorrido: Estado Português Vem interposto recurso da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, que julgou improcedente a supra identificada acção administrativa comum para efectivação de responsabilidade civil extracontratual por violação do direito a uma decisão em prazo razoável, na qual era pedido, designadamente, a condenação do Estado Português a pagar aos AA, na qualidade de herdeiros de RVM, a quantia de €15.000,00 e a cada um dos AA., por si, a quantia de €8.000,00, a título de compensação pelos elevados danos sofridos.
O objecto do recurso é delimitado pelas seguintes conclusões da respectiva alegação [ Nos termos dos artºs 144.º, n.º 2, e 146.º, n.º 4, do CPTA, 660.º, n.º 2, 664.º, 684.º, n.ºs 3 e 4, e 685.º-A, n.º 1, todos do CPC, na redacção decorrente do DL n.º 303/07, de 24.08 — cfr. arts. 05.º e 07.º, n.ºs 1 e 2 da Lei n.º 41/2013 —, actuais artºs 5.º, 608.º, n.º 2, 635.º, n.ºs 4 e 5, 639.º e 640º do CPC/2013 ex vi artºs 1.º e 140.º do CPTA.]: I- “Entendem os AA que existiu o erro na apreciação da prova, designadamente quanto ao facto provado no Ponto 110 dos Factos Provados, assim como no Ponto A) dos Factos Não Provados, discordando ainda com a fundamentação jurídica do Tribunal a quo quanto aos requisitos da Ilicitude e culpa da peticionada Responsabilidade Civil.
II- Entendem os AA que a redacção do Ponto 110 não corresponde ao teor unânime dos depoimentos das Testemunhas e daquela que deveria ser a evidente conclusão e convicção do Tribunal a quo.
III- Isto é, que o Processo n.º 1357/99 se revelou PROCESSUALMENTE complexo – cuja causa e responsabilidade se impunha ao Tribunal Recorrido apurar - e não, que a causa em pleito «tinha um nível de especial complexidade».
IV- Tal resulta dos depoimentos das testemunhas ASF prestado na audiência de julgamento de 08/01/2015 gravado em CD, em formato digital com o programa Cícero, com início às 10:11:13 e fim às 11:29:50, gravado de 00:08:27 até 01:20:41, no excerto entre 00:45:33 a 00:52:07, da Testemunha JC, cujo depoimento prestado foi na audiência de julgamento de 15/01/2015, gravado no sistema cícero de 00:1:58 até 00:22:00, no momento de 00:15:10 a 00:15:24 e no excerto de 00:18:00 a 0018:46 e da Testemunha RF, prestado na audiência de julgamento de 15/01/2015, gravado no sistema Cícero de 00:34:34 a 00:54:11, designadamente no excerto entre os minutos 00:48:26 e 00:53:14.
V- Estas testemunhas referiram, em síntese e nos excertos indicados, que o processo se revelou complexo, e que o núcleo do problema foi a base instrutória que continha omissões, erros e contradições e foi objecto de rectificações, reclamações e aditamentos.
VI- O que foi corroborado pelo depoimento da Testemunha, LP prestado na audiência de julgamento de 08/01/15 gravado em CD, em formato digital com o programa Cícero, gravado de 01:20:44 até 01:36:27, designadamente entre 01.24.13 a 01.24.35, quando referiu que teve de começar por coligir toda a base instrutória e também entre 01:25:12 e 01:26:55, quando explicou por que é que o processo se complexificou, designadamente pelos sucessivos recursos da base instrutória, que não tinha sido por si elaborada, tendo apelado à colaboração das Partes.
VII- E por fim corroborado pelos Acórdãos das Instância Superiores que anularam por duas vezes as Sentenças e ordenaram a repetição do Julgamento, «…por ser flagrante a contradição nas respostas (…) que inviabiliza a decisão jurídica do pleito…», ordenando sucessivas rectificações e aditamentos. – Cfr. Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça.
VIII- Assim devia o Tribunal a quo, ter considerado como não provado que a causa em apreço no Processo n.º 1357/99 era de especial nível de complexidade, ou, porventura, poderia o Tribunal ter respondido de forma complementar ao facto, considerando apenas provado que o Processo n.º 1357/99 se mostrou complexo do ponto de vista processual.
IX- Entendem, ainda os Autores que os danos morais dos AA alegados nos artigos 47.º a 65.º da PI deviam ser considerados provados, pelo que entendem que houve erro na apreciação da prova quanto ao ponto A) dos factos não provados.
X- Desde logo, no Processo cível 1357/99 resultou assente e provado, portanto transitado em julgado, que o Sr. RV sofria ansiedade, tristeza e frustração por se sentir um fardo para a família, que o filho aqui Autor deixou de estudar com 16 anos para sustentar a família, que por tal razão se sentia frustrado e revoltado, que a D. MC era terceira pessoa de quem o Sr. R dependia a 100% e por essa razão estava impossibilitada de trabalhar, que a família dependia da ajuda económica e da solidariedade de terceiros, que a tal circunstância familiar lhes causava ansiedade, tristeza e angústia. PELO QUE, XI- Como factos assentes e definitivos que ficaram naqueles Autos, nestes Autos constituem os mesmos um princípio de prova que o Tribunal a quo não deveria ter ignorado, porque são factos integralmente corroborados pelo depoimento coerente e informado da Testemunha ASF.
XII- Quanto a esta testemunha cujo depoimento foi prestado na audiência de julgamento de 08/01/2015 gravado em CD, em formato digital com o programa Cícero, com início às 10:11:13 e fim às 11:29:50, gravado de 00:08:27 até 01:20:41designadamente, no excerto do seu depoimento entre 00:17:35 a 00:20:33, e 002:3:15 a 00:23:34, a mesma explica que o falecido R sentia ansiedade e tristeza em relação ao desenrolar do processo, porquanto sentia que não veria o desfecho do mesmo, atenta a morosidade do mesmo e a sua saúde precária.
XIII- A referida Testemunha, referiu ainda que ela própria sentia dificuldade em «explicar o inexplicável» à família e em faze-los compreender a razão das anulações e repetições dos julgamentos, tendo presenciado a angústia e desespero que sentiam após cada anulação, em contraste com a alegria e esperança com que tinham recebido a cada Sentença que lhes dava a vitória e o fim do processo.
XIV- A Testemunha referiu ainda que, também de forma directa, testemunhou a desesperança dos Autores e a profunda tristeza após o falecimento do Sr. R, sem que o processo tivesse fim à vista.
XV- A referida Testemunha referiu, por fim, que presenciou e aconselhou directamente os Autores a não desistirem dos seus direitos e se deixarem vencer pelo cansaço da delonga do processo, encorajando-os conjuntamente com a Dr.ª ASN, a não transigir a qualquer custo, pois não entendia não ser justo face a tudo o que todos tinham e estavam a viver.
XVI- E tudo isso consta também do registo do depoimento da Testemunha nos excertos do seu depoimento de 00:22:00 a 00:23:17 e 00:29:54 a 00:37:49, quanto ao sentimento dos Autores em relação à delonga do processo, referindo que estes expressavam sentimentos de frustração e descrédito em relação à Justiça e às sucessivas repetições de julgamento, passando a determinada altura a estar dispostos a abdicar dos seus direitos para a aceitar um acordo a todo o custo, porquanto já não aguentavam mais.
XVII- Resta apenas reafirmar, como também referiu a Testemunha ASF, – do minuto 00:15:15 a 00:15:39 do seu depoimento – os Autores, atenta a situação em que ficaram, quer ao nível económico, quer ao nível emocional e, como parte demandante que eram, tinham todo o interesse em que o processo prosseguisse e cessasse o mais rapidamente possível, pois disso dependia a sua sobrevivência e qualidade de vida.
XVIII- A Testemunha foi clara e peremptória, ao minuto 01:01:27 a 01:03:41 do seu depoimento, ao esclarecer que o processo-crime foi amnistiado e que o Pedido de Indemnização Civil - em seu entender, bem - não prosseguiu nos Autos do extinto Processo-Crime, para dar origem, cerca de 60 dias depois, ao Processo Declarativo Cível n.º 1357/99, pelo que não se entende a afirmação na Sentença de que a testemunha não sabe porque é que o processo-crime não prosseguiu, bem como não se entende de que forma tal se relaciona com o facto dado como provado que o processo-crime tinha terminado por amnistia.
XIX- Entendeu, ainda, o Tribunal a quo que a alegada situação económica desesperada dos Autores, não estava provada em virtude de, no âmbito da Providência Cautelar de Alimentos Provisórios em 1998, a Autora D. MC ter desistido da Instância.
XX- Ora consultado o processo-crime é fácil constatar que a A. desistiu da Instancia da Providência Cautelar por falta de legitimidade processual e não por falta de necessidade económica, XXI- Isto porque, a angústia, a ansiedade, a desesperança, a impotência, a frustração, a revolta, a tristeza, a incompreensão, a descrença e exaustão, são todos sentimentos profundos e gravosos, muito mais concretos do que a simples «ambiência vivida», sendo atestados e testemunhados nos presentes Autos, como tendo sido experienciados pelos Autores ao longo do arrastar dos Processos subsequentes ao acidente de 31.10.1993, até ao acordo – necessariamente - alcançado em 17.02.2011.
XXII- Esses sentimentos foram presenciados pela Testemunha ASF a que, tendo começado a ter contacto directo e frequente com a família e a realidade dos Autores desde o início do ano de 2002 até à presente data, é, porventura, a pessoa mais informada sobre a vivência pessoal, financeira e emocional dos mesmos, directamente quanto aos últimos nove anos do Processo e, indirectamente, quanto aos primeiros nove.
XXIII- Pelo que, dúvidas não podem subsistir quanto à verificação e prova efectiva constante dos Autos, quanto aos danos não patrimoniais sofridos pelos Autores em consequência directa e necessária da duração desrazoável do Processo em apreço.
XXIV- Não obstante o pormenorizado esclarecimento da Decisão recorrida quanto aos fundamentos da Responsabilidade Extracontratual do Estado nas diferentes vertentes, e designadamente, da responsabilidade por factos ilícitos culposos e da necessidade de verificação cumulativa dos respectivos requisitos...
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