Acórdão nº 01652/12.4BEBRG de Tribunal Central Administrativo Norte, 17 de Novembro de 2017

Magistrado ResponsávelJoaquim Cruzeiro
Data da Resolução17 de Novembro de 2017
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:*1 – RELATÓRIO Infraestruturas de Portugal SA vem interpor recurso da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, datada de 20-02-2017, e que julgou parcialmente procedente a acção administrativa comum no âmbito da responsabilidade civil extracontratual do Estado intentada por EASV e onde era solicitado que devia: A. Julgar-se a presente acção procedente por provada.

B. Condenar-se a Ré a pagar ao Autor o montante de € 9.500,00, a título de danos provocados no veículo automóvel matrícula 66-19-ZB, conforme acima exposto C. Condenar-se a Ré a pagar ao Autor o valor de € 3.000,00 a título de danos não patrimoniais, de acordo com o supra alegado.

D. Condenar-se a Ré a pagar ao Autor o a quantia € 10,00 diários, desde a data do acidente, a título de privação do uso da viatura 66-19-ZB, nesta data liquidado o valor de € 10.820,00, e restante a liquidar em execução de sentença E. Condenar-se a Ré a pagar ao Autor juros de mora sobre a quantia pedida a contar da citação, até efectivo e integral pagamento… Em alegações o recorrente concluiu assim: I. O 493.º/1 do C.C. preceitua que quem detiver em seu poder coisa imóvel com o dever de a vigiar, responde pelos danos que a coisa causar, salvo se provar que nenhuma culpa houve da sua parte ou que os danos se teriam igualmente produzido ainda que não houvesse culpa sua.

II. A R. cumpriu os seus deveres de fiscalizar, conforme factos provados n.º 25 e 26: “Na data do acidente, a Delegação da Ré do Distrito de Braga dispunha de unidades de fiscalização, as quais fiscalizavam as estradas sob a jurisdição, detetando e diligenciando quanto à resolução de situações como árvores que estivessem em mau estado vegetativo, que oferecessem perigo para os utentes da via rodoviária” e “Por se tratar de uma estrada de grande tráfego, a média de frequência de passagens no local era de duas vezes por semana”.

III. Não se verificou qualquer culpa por parte da IP na não deteção da situação vegetativa da árvore, dado que factos dados como provados n.º 27 e 28 “O estado vegetativo visível da árvore era bom” e “ Nada indiciava que a árvore pudesse tombar” e conforme clarifica o facto provado n.º 13 só “Após o acidente, foi possível constatar que a raiz da árvore estava bastante apodrecida”.

IV. Mas mesmo que os não tivesse cumprido, tal acidente iria sempre se verificar pois nada indiciava que uma situação dessas pudesse suceder com aquela árvore em concreto (no dia do acidente, 23-10-2009, conforme facto provado n.º 4:“o estado do tempo era de chuva fraca/miudinha”).

V. Que uma árvore de grande porte, com estado vegetativo visível bom, por mera ação de chuva, tombe para a faixa de rodagem constitui claramente uma circunstância anormal e imprevisível.

VI. A situação que originou o acidente objeto do presente processo é um facto acidental e imprevisível, vulgarmente designado como caso fortuito, pois não é possível prever quando o mesmo surgirá e em que local.

VII. Assim se conclui que não se encontram preenchidos os pressupostos integradores da responsabilidade civil extracontratual da R, pelo que não há culpa; nem há ato ilícito nem nexo de causalidade.

VIII. Apesar de os factos provados serem indicadores inequívocos da ausência de culpa da R e da imprevisibilidade e anormalidade do sucedido, a sentença faz uma incorrecta interpretação dos mesmos, decidindo em sentido contrário ao que foi dado como provado.

IX. Não era necessário que a R. demonstrasse que a “árvore estava saudável” conforme se pode ler no 4º parágrafo da página 14 da sentença.

X. Salvo melhor opinião, igualmente não se mostra exigível provar a ocorrência de condições meteorológicas anormais que tivessem provocado ou potenciado a queda da árvore.

XI. Era isso sim, necessário provar que o sucedido consiste numa circunstância anormal e imprevisível e isso foi feito de forma cristalina já que é manifestamente anormal que uma árvore apresente um estado vegetativo visível bom em radical contradição com o estado da sua raiz que estava bastante apodrecida, bem como que um estado de tempo de “chuva fraca/miudinha” cause a queda de uma árvore de grande porte.

XII. Sendo tais factos anormais, tornam-se clara e naturalmente imprevisíveis, aliás como consta dos factos dados como provados (vd. facto provado n.º 28: “Nada indiciava que a árvore pudesse tombar”).

XIII. Continuou a laborar em erro de apreciação o Tribunal a quo, quando no 5º parágrafo da página 14 conclui que: “(…) não sendo possível conhecer as causas dessa queda, deve a falta de esclarecimento dessa matéria funcionar contra a Ré.(…)”.

XIV. E é inequívoco o erro, já que não estamos perante uma situação em que as causas da queda sejam desconhecidas (os factos dados como provados n.º 12 e 13 não deixam margem para dúvidas quanto ao que terá provocado a queda da árvore (raiz bastante apodrecida): “A referida árvore caiu sem intervenção humana” e “Após o acidente, foi possível constatar que a raiz da árvore estava bastante apodrecida”).

XV. De acordo com os factos dados como provados, a Tribunal só poderia ter julgado ilidida a presunção do artigo 493.º/1, sendo a R. absolvida do pedido por não se encontrarem preenchidos os pressupostos integradores da sua responsabilidade civil extracontratual.

XVI. Nada temos a contestar quanto ao valor de 9.500€ referentes à perda total da viatura, uma vez que, de acordo com o facto dado como provado n.º 19: “À data do acidente, a viatura do Autor valia cerca de 9.500,00 euros”.

XVII. Todavia, afigura-se-nos injustificado o valor de 1.000€ a título de danos não patrimoniais, uma vez que não obstante o susto e no momento ter temido pela sua vida, o certo é que rapidamente a situação se estabilizou e tal susto e temor se dissiparam.

XVIII. Estamos perante uma situação em que a sucessão de acontecimentos (queda da árvore sobre o veículo e infligimento de danos) se passa num muito breve instante temporal.

XIX. Terá tido um susto, é certo, mas também rapidamente se apercebeu do que ocorreu e de que não mais ocorria qualquer perigo para a sua vida ou para a sua saúde.

XX. Quanto aos danos não patrimoniais, importa referir que estes só são indemnizáveis (vd. artigo 496.º/1 do C.C.) quando especialmente graves, o que não resulta dos factos dados como provados.

XXI. É certo que os acontecimentos descritos e provados nos autos, sucederam numa infíma fracção temporal e que rapidamente o autor se apercebeu que o que lhe provocou o susto não causou qualquer prejuízo para a sua vida ou saúde.

XXII. Assim sendo, conclui-se que não se verificou qualquer dano moral suscetível de merecer uma indemnização.

XXIII. Sem conceder, nunca uma no quantitativo fixado na sentença, dado que, não tendo havido qualquer dolo (nem sequer culpa como anteriormente demonstramos), por parte da R, deve a indemnização ser fixada, equitativamente, em montante inferior ao que corresponderia aos danos causados (cf. artigo 494. do C.C.) XXIV. Quanto à indemnização fixada a título de privação do uso, assume-se a mesma como, não só absolutamente injustificada, como absurdamente excessiva, como se poderá comprovar.

XXV. É injustificada porque o autor não provou que da privação do seu veículo tenha resultado para si um prejuízo concreto e quantificável.

XXVI. Aliás, alegou e provou factos que demonstram o contrário, uma vez que, de acordo com os factos dados como provados nºs 22 e 23: “Autor teve necessidade de passar a andar de transportes públicos e de pedir automóveis emprestados a familiares e amigos, que muitas vezes não estavam disponíveis, e precisou também de pedir a familiares ou amigos que o transportassem” e “Apesar de encontrar muitas alternativas ao seu automóvel, o Autor deixou de se deslocar com a comodidade e à vontade a que estava habituado.” XXVII. Tais factos demonstram que tal situação gerou incómodos para o autor, os quais entendemos não justificar uma indemnização por não assumiram especial gravidade.

XXVIII. Porém, mesmo que se perfilhe entendimento diverso, terá que se concordar que tais danos estão já subsumidos no conjunto de danos não patrimoniais indemnizados em 1000€ pela sentença.

XXIX. Pelo que restam unicamente as despesas com os transportes públicos as quais, por assumirem reduzida expressão, nem sequer foram objeto de prova.

XXX. Atendendo ao exposto e considerando ainda que o valor comercial da viatura era de 9.500€, assume contornos chocantes a fixação de uma indemnização de 10€/diários desde a data do acidente, a qual, à data da instauração da acção (9/10/2012) já se computava em 10.820€.

XXXI. Desde a data da instauração da ação até à presente data, ou seja, 27/03/2017, temos mais 1630 dias, o que se traduz em mais 16.300€!! XXXII. Somadas as duas quantias (10820€ e 16.300€), caso prevaleça o critério de “equidade” do Tribunal a quo, neste momento, para o dano de privação de uso, o qual se consubstancia, como vimos em algum incómodo e despesa pouco significativa com transportes públicos, já temos o montante indemnizatório (provisório e que irá naturalmente aumentar) de 27.120€!!! XXXIII. Em suma, neste momento já estaria apurado, unicamente para os “danos” decorrentes da privação do uso (incómodos e despesas com transportes públicos) um valor cerca de 3 vezes superior ao do veículo cuja privação se pretende indemnizar! XXXIV. Em conclusão, não se justifica a atribuição de qualquer indemnização uma vez que ficou provada a inexistência de culpa por parte da R. dado estamos perante um facto anormal e imprevisível.

XXXV. Sem conceder, mesmo que se adote entendimento contrário, o único dano passível de indemnização será o que resulta da perda do veículo e se traduz no seu valor comercial.

*O recorrido contra-alegou tendo apresentado as seguintes conclusões: 1. De acordo com o artigo 493º/1 do CC, era ónus da Recorrente provar que nenhuma culpa houve da sua parte. A Recorrente limitou-se a alegar que tinha uma unidade de...

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