Acórdão nº 01490/09.1BEPRT de Tribunal Central Administrativo Norte, 17 de Novembro de 2017

Magistrado ResponsávelAlexandra Alendouro
Data da Resolução17 de Novembro de 2017
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam, em conferência, os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:*I – RELATÓRIO Estado Português, representado pelo Ministério Público (MP) e AMAF interpuseram recurso jurisdicional da sentença do TAF do Porto que julgou parcialmente procedente a acção administrativa comum, sob a forma ordinária, proposta pela Recorrente AMAF, declarando que o Estado Português violou o art.º 6.º, n.º 1, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem e o art.º 20.º, n.ºs 1 e 4 da CRP, no seu segmento “direito a uma decisão em prazo razoável” e assim condenou o Estado Português a pagar à Autora a quantia de €10.000,00, atribuídos a título de equidade e julgou improcedente o demais peticionado, assim como a ampliação do pedido.

A A/Recorrente alegou, em síntese, que a sentença errou no julgamento da matéria de facto visto ter respondido incorrectamente a vários artigos da base instrutória referentes aos danos, omitiu pronúncia sobre o pedido de condenação em juros, sobre os danos ocasionados na pendência da acção principal e os danos futuros e, ainda, por já ter fixado o montante indemnizatório, uma vez que a acção em causa ainda não terminara e, por isso, se desconhecer o exacto valor desse montante, sendo certo, porém, que a indemnização fixada, a título de danos não patrimoniais – € 10.000,00 – era insuficiente.

O Recorrente Estado alegou que não se verificara qualquer actuação ilícita a si imputável, enquanto administrador da Justiça, e que o valor fixado na sentença é excessivo.

*Por Acórdão deste TCAN proferido em 26.10.2012, a fls. 976 e ss dos autos, foi concedido provimento ao recurso do Estado com fundamento na inexistência de acto ilícito, por não ter havido atraso jurisdicional indesculpável imputável à máquina estadual, mas ao invés, o uso de expedientes/incidentes processuais alheios à actuação do tribunal ou dos seus funcionários, mormente por parte da Autora, não conhecendo, por prejudicialidade, o recurso interposto pela mesma, revogando a sentença recorrida e julgando a acção totalmente improcedente – cfr. fls. 976 e ss.

Deste Acórdão, a A/Recorrente interpôs recurso de revista para o STA, que aceite, o julgou procedente, considerando estar demonstrado censurável atraso na obtenção de uma decisão judicial em prazo razoável devido “sobretudo, senão exclusivamente, à deficiência no modo como os serviços judiciais do Estado agiram, isto, é a ilicitude deste traduzida na violação do direito da Autora a uma decisão em prazo razoável” consagrado nos artigos 20º, nº 4 e 5 da CRP e 6º, nº 1 da CEDH, determinando a baixa dos autos para apreciação do recurso da A./Recorrente, na parte em que impugnou a decisão da matéria de facto, e dos demais pressupostos de responsabilidade indemnizatória do Estado por atraso na justiça, com a seguinte fundamentação que se transcreve parcialmente: “(…) e sendo que é jurisprudencialmente consensual considerar-se que a circunstância das partes utilizarem os meios processuais que a lei põe ao seu alcance – como a ampliação do pedido, a substituição de mandatários ou o pedido de suspensão do processo para se obter acordo - não pode ser considerado como uma conduta censurável susceptível de excluir a responsabilidade do Estado pela excessiva demora na resolução de um processo – é forçoso concluir que não foi a conduta processual das partes ou não foi só essa conduta a determinar o censurável atraso na decisão. – Vd., entre muitos, Ac. do STA de 6/12/2012 (rec. 976/11).

É, agora, claro que (1) a Autora ainda não obteve decisão que definitivamente pusesse termo à acção 8 anos após a sua instauração, (2) que não foi a complexidade do processo a determinar o atraso do processo e que (3) não foi a conduta das partes ou não foi só esse comportamento a provocar a prolação de uma decisão para além do «prazo razoável».

O que significa que aquele atraso ficou a dever-se sobretudo, senão exclusivamente, à deficiência no modo como os serviços judiciais do Estado agiram, isto, é a ilicitude deste traduzida na violação do direito da Autora a uma decisão em prazo razoável.

É, pois, certa a procedência desta revista pelo que, em circunstâncias normais, seguir-se-ia decisão sobre a definição da culpa de cada uma das partes na produção do acto ilícito e a análise do quantum do pedido indemnizatório formulado pela Recorrente.

Todavia, esta no recurso dirigido ao TCAN, requereu que o julgamento relativo à matéria de facto feito no Tribunal de 1.ª instância fosse reavaliado, com a reapreciação da prova gravada, por entender que “a decisão sobre matéria de facto sofre de deficiência, obscuridade ou contradição em relação a diversos pontos de facto …” O que o Acórdão sob censura não fez por considerar prejudicado esse recurso.

Ora, essa reanálise da prova pode ser essencial não só na definição da culpa como também na atribuição da indemnização.

Impõe-se, por isso, que o recurso que a Recorrente dirigiu ao TCAN seja conhecido.”. cfr. Acórdão do STA, Pº 0144/13, proferido nos autos, a fls. 1123 e ss.

*Cumpre assim conhecer o recurso interposto pela A/Recorrente da decisão a quo.

Nas respectivas alegações, formulou as seguintes conclusões: 1.

"A decisão da matéria de facto sofre de deficiência, obscuridade ou contradição em relação a diversos pontos de facto, sendo imprescindível e necessária a sua alteração, ao abrigo do art.º 712º, n.º1 do C.P.C.

  1. A apelante discordou das respostas aos quesitos 1º, correspondente ao 91º da petição inicial; 4º, correspondente ao 99º; 5º, correspondente ao 102º e 6º, correspondente ao 104º.

  2. Os depoimentos das três testemunhas, que se transcreveram, permitem retirar a conclusão que existiram efectivamente interessados na aquisição do apartamento da Autora e que chegaram a oferecer o montante de 250 000,00 (duzentos e cinquenta mil) euros para aquisição do mesmo. Ainda que não se considerasse provado o montante proposto, haveria que considerar provada a existência dos interessados/proponentes na aquisição, que fundavam a expectativa da Autora poder negociar o mesmo andar.

  3. Pelo que, a resposta ao quesito n.º 1, correspondente ao art.º 91º da petição inicial deverá ser, no que à alínea m) do art.º 91º diz respeito: «Provado (pelo menos) que a Autora tinha ainda a expectativa de poder negociá-lo e comprar uma moradia».

  4. O art.º 99º do petitório (quesito n.º4) referia-se a danos patrimoniais sofridos pela Autora, no que ao andar diz respeito, recaindo a sua razão de ser na desvalorização da habitação, quer para habitar, quer para vender.

  5. Pelos depoimentos de todas as testemunhas, transcritos, foi provado em sede de audiência de julgamento a frustração da expectativa da Autora em destinar a habitação a sua residência ou vendê-la por cerca de 250 000,00 euros, para aquisição posterior de uma moradia.

  6. Foram provados os melhoramentos efectuados pela Autora no seu apartamento, pelos depoimentos das testemunhas JGS e MSAFPL.

  7. Deverá ser alterada a resposta à alínea a) do art.º 99º, considerando «Provado que a Autora tinha a expectativa de destinar a habitação a sua residência permanente ou vendê-la por cerca de 250 000,00 euros, face aos melhoramentos que nela realizou e aos muitos interessados na sua aquisição, tanto mais por se situar em zona nobre e cara da cidade do Porto, na Foz do Douro, à Praça do Império e à Avenida do Marechal Gomes da Costa».

  8. Na alínea c) do art.º 99º, correspondente ao quesito n.º4 da base instrutória, reside uma questão central: a significativa desvalorização da habitação, que implica a condenação do Estado Português em indemnização da Autora por esses mesmos danos patrimoniais.

  9. Em sede de audiência de julgamento todas as testemunhas se pronunciaram no sentido de concordância com a existência dessa mesma desvalorização.

  10. Pelo que, deverá também ser alterada a resposta ao quesito n.º 4 da base instrutória, correspondente ao art.º 99º, alínea c) do petitório para: «Provada a desvalorização».

  11. Existiram também declarações de testemunhas no sentido de a Autora ter sofrido diversas despesas inesperadas, consequência da demora da justiça, que constituem danos patrimoniais que devem ser valorados, para além da própria desvalorização da habitação.

  12. Deverá portanto ser julgado Provado que a Autora realizou: despesas acrescidas com uma segunda habitação, uma vez que teve de arrendar uma outra casa, quando se tornou impossível viver na casa de familiares ou amigos, continuando a suportar as despesas de manutenção da habitação em causa nos autos; despesas de saúde, como pagamento de consultas médicas, compra de medicamentos e realização de exames médicos; além do, acréscimo de honorários com a acção principal, provocados pela demora da justiça, que a obrigaram a recorrer, mais tarde, ao apoio judiciário, com a colaboração de advogado, para impugnação da decisão da Segurança Social, relativa ao pedido de apoio judiciário, e também a recorrer a empréstimos bancários, para fazer face a tantas despesas.

  13. Relativamente ao art.º 102º da base instrutória, correspondente ao quesito n.º 5: o tribunal «a quo» indeferiu indevidamente o depoimento da testemunha Dr. JJFA, uma vez que esta testemunha tinha conhecimento directo dos factos constantes deste quesito.

  14. Além disso, há prova documental suficiente, junta aos autos, da cobrança de honorários, pelo mesmo Dr. JA e da sua colaboração na obtenção do apoio judiciário: nomeadamente o documento n.º1, correspondente a «contrato de prestação de serviços, acordo de honorários e documento de reconhecimento de dívida»; o comprovativo de concessão de apoio judiciário, composto de: notificação da Segurança Social dirigida directamente à Autora; notificação do tribunal, dirigida ao Dr. JA, na qualidade de mandatário da recorrente; despacho judicial que recaiu sobre a impugnação da decisão da Segurança Social, relativa ao pedido de apoio judiciário para «propor acção judicial administrativa contra o Estado por demora na justiça» e decisão final da Segurança Social...

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