Acórdão nº 00390/17.6BEPRT de Tribunal Central Administrativo Norte, 30 de Agosto de 2017

Magistrado ResponsávelHélder Vieira
Data da Resolução30 de Agosto de 2017
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: I – RELATÓRIO Recorrente: SS Recorrido: Ministério da Administração Interna – Serviço de Estrangeiros e Fronteiras Vem interposto recurso da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, que indeferiu a adopção de medida cautelar da requerida suspensão da “eficácia dos atos administrativos de afastamento coercivo do Requerente de território nacional, bem como abster-se a requerida de promover esse afastamento coercivo enquanto não estiver decidido o recurso administrativo sobre o pedido de regularização da entrada e permanência em território nacional".

O objecto do recurso é delimitado pelas seguintes conclusões da respectiva alegação [ Nos termos dos artºs 144.º, n.º 2, e 146.º, n.º 4, do CPTA, 660.º, n.º 2, 664.º, 684.º, n.ºs 3 e 4, e 685.º-A, n.º 1, todos do CPC, na redacção decorrente do DL n.º 303/07, de 24.08 — cfr. arts. 05.º e 07.º, n.ºs 1 e 2 da Lei n.º 41/2013 —, actuais artºs 5.º, 608.º, n.º 2, 635.º, n.ºs 4 e 5, 639.º e 640º do CPC/2013 ex vi artºs 1.º e 140.º do CPTA.]: A. “Vem o presente recurso interposto da sentença proferida nos autos do processo em epígrafe que julgou improcedente a providência cautelar de suspensão de eficácia contra a Requerida (ré) MINISTÉRIO DA ADMINISTRAÇÃO INTERNA — SERVIÇO DE ESTRANGEIROS E FRONTEIRAS.

B. Não tem o douto Tribunal a quo razão no indeferimento decidido, existindo erro de julgamento na apreciação dos factos, que justificariam o deferimento da medida cautelar.

C. O objeto do presente recurso está limitado à questão de saber se o tribunal "a quo" decidiu corretamente no douto entendimento de considerar, por um lado, a não existência do requisito do fumus boni iuris e, por outro, o requisito da não existência do periculum in mora.

D. Em causa está o pedido suspensão da eficácia dos atos administrativos de afastamento coercivo do Requerente de território nacional, bem como abster-se a requerida de promover esse afastamento coercivo enquanto não estiver decidido o recurso administrativo sobre o pedido de regularização da entrada e permanência em território nacional».

E. Da matéria de facto dada como provada dever-se-ia ter concluído pela verificação dos pressupostos da providência, pois, o Recorrente não coloca em causa o comportamento menos adequado que o levou a entrar em território nacional, mas o facto de não ser afastado do território nacional enquanto estiver a correr o procedimento administrativo referente ao pedido de manifestação de interesse, com vista à sua regularização em território nacional, a qual poderá ficar irremediavelmente prejudicada se for obrigado a abandonar coercivamente o território português, com prejuízos que dificilmente serão recuperados.

F. O Recorrente vive há mais de 2 (dois) anos em território nacional, não pretendendo aqui permanecer por uma questão de simples gosto pelo país, mas por razões objetivas e juridicamente válidas, por aqui ter a sua situação profissional estável, o que fundamentou com o contrato de trabalho que se mantém válido desde 1 de julho de 2015, não sendo tal circunstância afastável por se tratar de um contrato a prazo.

G. O Recorrente tem a sua situação fiscal e contributiva regularizada e, bem assim, estabeleceu novos laços pessoais em território nacional, tendo demonstrado o cumprimento das obrigações ao nível dos descontos para a segurança social desde julho de 2015 e à entrega da respetiva declaração de rendimentos do IRS.

H. O Recorrente sempre manifestou a intenção de diligenciar no sentido de regularizar a sua situação em território nacional, o que tem vindo a ser dificultado de forma inusitada pelo aqui Recorrido.

I. O tribunal "a quo" não teve em devida conta as consequências irreversíveis que poderão resultar do seu afastamento enquanto estiver pendente o pedido de manifestação de interesse.

J. O seu precoce afastamento invalidará o efeito útil de uma provável decisão favorável.

K. O tribunal "a quo" não teve em consideração que o Recorrente não possui qualquer relação atual com a Índia, fruto de todos os laços que existiam terem sido interrompidos aquando da sua vinda para o continente europeu, nem foi ponderado que o seu núcleo de interesses económicos e sociais está localizado em Portugal.

L. O artigo 120.°, n.º 1, do CPTA dispõe que as providências cautelares são adotadas quando haja fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que o requerente visa assegurar no processo principal e seja provável que a pretensão formulada ou a formular nesse processo venha a ser julgada procedente, e o n.º 2 que a adoção da providência ou das providências é recusada quando, devidamente ponderados os interesses públicos e privados em presença, os danos que resultariam da sua concessão se mostrem superiores àqueles que podem resultar da sua recusa, sem que possam ser evitados ou atenuados pela adoção de outras providências.

M. A adoção da medida cautelar deverá decorrer, por um lado, da verificação do requisito do periculum in mora, consubstanciado no receio de constituição de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que o requerente visa assegurar no processo principal.

N. Por outro, que se verifique o requisito do fumus boni iuris, segundo o qual seja provável que a pretensão formulada ou a formular nesse processo principal venha a ser julgada favoravelmente.

O. Por fim, que da ponderação entre os interesses públicos e privados em presença permita concluir que os danos que resultariam da recusa da providência se apresentam superiores aos que resultariam da concessão da providência.

P. O requisito do fumus boni iuris aplica-se quando a procedência da pretensão formulada ou a formular no processo principal seja viável ou provável, pelo que bastaria a existência da mera possibilidade para que o critério deva ser dado como verificado, pelo que não cabia ao tribunal "a quo" fazer qualquer tipo de julgamento prévio, como sucedeu no caso em apreço.

Q. A apreciação que em sede de processo cautelar é feita do direito em causa, deve ser sempre, por definição, breve e sintética, em sintonia com a sua razão de ser, em que a sua natureza não é julgar, mas apenas assegurar o efeito útil de uma sentença a proferir em sede de ação principal, regulando provisoriamente a situação sob litígio até que seja definitivamente decidida naquela ação a contenda que opõe as partes face à apreciação da existência ou não de vícios do ato e/ou da pretensão material dos interessados.

R. No caso em apreço, ultrapassou-se essa natureza indo-se a um julgamento prévio fora do processo principal respetivo.

S. Nos processos cautelares a apreciação sobre a evidência da procedência da pretensão formulada no processo principal deve ser feita em moldes de sumaria cognitio, materializada num juízo de manifesta viabilidade ou inviabilidade da ação principal cujo efeito útil se pretende acautelar através da providência cautelar requerida.

T. In casu, salvo o devido respeito, não se poderia ter concluído como se fez pela manifesta improcedência do pedido principal.

U. Em síntese, a procedência da pretensão formulada no processo principal ocorre de forma excecional: apenas e tão só quando não restam quaisquer dúvidas, objetivamente fundadas nos elementos constantes dos autos sobre a procedência da acção principal, sem que, para o efeito, se tenha de recorrer a indagações ou provas.

V. Não cabe em sede cautelar esmiuçar a argumentação jurídica apresentada, o que ocorreu ilegitimamente nos presentes autos, pelo que não resulta de imediato e de forma clara e inequívoca a improcedência do objeto da ação principal, pelo que não se poderia ter dado como afastado o requisito do fumus boni iuris.

W. Importaria apreciar de forma mais apurada — diferentemente do que fez o tribunal "a quo" — a existência de uma situação de irreparabilidade ou irreversibilidade dos interesses que o Recorrente pretendeu assegurar ou de dificuldade de reparação desses interesses.

X. Verificar-se-á fundado receio da constituição de uma situação de facto consumada quando os factos concretos alegados pelo Requerente inspirem o fundado receio de que, se a providência for recusada, se tornará depois impossível, no caso de o processo principal vir a ser julgado procedente, proceder à reintegração, no plano dos factos, da situação conforme à legalidade.

Y. O fundado receio da produção de prejuízos de difícil reparação apela à alegação de factos concretos "que inspirem o fundado receio de que, se a providência for recusada, essa reintegração no plano dos factos será difícil, no caso de o processo principal vir a ser julgado procedente" — M. Aroso de Almeida, "O Novo Regime do Processo nos Tribunais Administrativos", 2' ed., pp. 291 e 292, o que foi efetuado pelo ora Recorrente.

Z. Neste contexto, o Tribunal deveria ter entendido mediante um juízo de prognose póstuma "de realidade ou próximo da certeza" que existia um fundado e atual receio da produção de prejuízos irreparáveis/dificilmente reparáveis para o Recorrente.

AA.

A prova de que tais consequências no caso em apreço não é meramente provável, como contrariamente ao entendimento do tribunal "a quo", pois ficou demonstrado o contrário nas presentes alegações, de onde se deveria ter inferido, em termos de causalidade adequada, a verificação na sua esfera de danos irreparáveis ou de difícil reparação.

BB.

O Recorrente reitera o alegado na 1ª instância, de onde tal prejuízo já resultava evidente da matéria de facto dada como assente, pelo que existe erro de julgamento da sentença recorrida quando deu como não provado o periculum in mora.

CC.

Logo, o alegado quanto ao erro de julgamento da sentença recorrida deve no âmbito deste recurso de ser procedente, considerando-se verificado também o requisito do periculum in mora, pelo que deve ser deferida a providência requerida, o que não...

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