Acórdão nº 00203/17.9BECBR-A de Tribunal Central Administrativo Norte, 20 de Outubro de 2017

Magistrado ResponsávelHélder Vieira
Data da Resolução20 de Outubro de 2017
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: I – RELATÓRIO Recorrente: Município de Coimbra Recorrido: MLL Vem interposto recurso da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra, que, em sede cautelar, determinou a suspensão da eficácia da deliberação da Câmara Municipal de Coimbra, de 21 de Novembro de 2016, com o n.º 2511/2016, que determinou a revogação da deliberação que o mesmo Requerido tomou em 10/02/2014, com o n.º 283/2014 e deliberou obter a restituição da casa que a Autora vinha ocupando no CEH, casa n.º …, freguesia de Santa Cruz, em Coimbra; Mais determinou que o Requerido, no segundo dia útil posterior à notificação daquela decisão, pelas 11 horas, devolvesse a identificada habitação à Requerente, ficando esta expressamente incumbida de a usar nos termos definidos no contrato de comodato que com o Requerido celebrou em 24 de Julho de 2010, e nesses termos até que seja decidido o processo principal, pelo qual pretende ver anulada a deliberação de eficácia ora suspendida.

O objecto do recurso é delimitado pelas seguintes conclusões da respectiva alegação [ Nos termos dos artºs 144.º, n.º 2, e 146.º, n.º 4, do CPTA, 660.º, n.º 2, 664.º, 684.º, n.ºs 3 e 4, e 685.º-A, n.º 1, todos do CPC, na redacção decorrente do DL n.º 303/07, de 24.08 — cfr. arts. 05.º e 07.º, n.ºs 1 e 2 da Lei n.º 41/2013 —, actuais artºs 5.º, 608.º, n.º 2, 635.º, n.ºs 4 e 5, 639.º e 640º do CPC/2013 ex vi artºs 1.º e 140.º do CPTA.]: 1- “Incumbe à Requerente “o ónus da prova (e alegação) da existência do periculum in mora, através da alegação de factos concretos e plausíveis que permitam a um destinatário normal concluir que a situação de risco é efectiva e não conjectural ou eventual.” 2- A Requerente não fez qualquer prova, nem tais factos foram dados como provados, de que não tem outra alternativa habitacional e que tem dificuldades económicas não sendo, necessariamente, um facto resultante da experiência comum.

3- Não demonstrou a Autora, contrariamente ao que consta da fundamentação da decisão ora recorrida, que não dispunha de outro espaço para se abrigar e/ou realizar a sua vida quotidiana, nem concretizou e provou os prejuízos dificilmente reparáveis.

4- Em concreto, caberia à Requerente alegar e provar a existência do periculum in mora, sendo que no Requerimento inicial se limitou a tecer considerações genéricas e conclusivas, não objetivando a constituição de uma situação de facto consumado ou de produção de prejuízos de difícil reparação.

5- Sobre a Requerente impendia o ónus de alegação de factos concretos que permitissem ao Tribunal perspectivar a existência de prejuízos de difícil reparação ou de uma situação de facto consumado, sendo que nada disso foi feito.

6- A singela alegação, não concretizada, da sua situação económica e de que não dispõe de outra habitação (sem que tal fosse dado como provado), mostra-se insuficiente para que o Tribunal pudesse dar como verificado este requisito.

7- Com efeito, a Requerente apenas alegou, mas não demonstrou que o cumprimento do determinado pelo Município, a colocaria numa situação de grave carência habitacional e económica, de molde a provocar uma situação de prejuízo de difícil reparação, sendo certo que tal não resulta da experiência comum.

8- Pelo que não podia o Tribunal concluir pela verificação do requisito do periculum in mora e, consequentemente, devia o Tribunal “a quo” ter indeferido a providência cautelar, por não se verificar o disposto no artigo 120.º do CPTA.

9- Também não está preenchido o requisito previsto na segunda parte do n.º 1 do artigo 120.º do CPTA.

10- A Requerente imputa à decisão ora suspensa (deliberação n.º 2511/2016) vícios que entende determinarem a sua nulidade, por retirar direitos adquiridos concedidos pela deliberação n.º 283/14, de 10/2 (direito ao contrato de arrendamento) e ferida de inconstitucionalidade.

11- Conforme já se descreveu, a Autora e o ora recorrente celebraram contrato de comodato, através do qual este cedeu àquela, a título gratuito, a utilização de uma habitação, pelo prazo de um ano, com início a 29 de Julho de 2010.

12- O contrato de comodato que cessou, constituindo obrigação da comodatária restituir a habitação à Câmara Municipal de Coimbra, nos termos do disposto no artigo 1135.º do Código Civil.

13- E, como bem resulta do PA, a Requerente tinha perfeito conhecimento da provisoriedade da sua situação habitacional desde a data da celebração do contrato de comodato.

14- A Requerente bem sabe que não foi celebrado qualquer contrato de arrendamento.

15- Aliás, a mesma, em 16 de Janeiro de 2017, solicita por escrito, a possibilidade de celebrar novo contrato de comodato, conforme requerimento junto aos autos e ao PA, o que lhe foi negado.

16- Através da deliberação n.º 283/2014, de 10/2/ 2014 foi aprovada a proposta para alterar o vínculo contratual com a Requerente, mediante a celebração de um contrato de arrendamento para habitação sita no referido pré-fabricado, como habitação provisória.

17- Contudo, o contrato de arrendamento nunca foi outorgado, tendo sido deliberado, através da decisão ora suspensa, revogar a decisão de celebração do contrato de arrendamento.

18- Com efeito, a celebração do referido contrato estava dependente do cumprimento de um plano de acções pela Requerente no âmbito da gestão do CEH (veja-se, a minuta do “contrato social” anexo à minuta de contrato de arrendamento que faz parte integrante da deliberação impugnada e bem assim a declaração de compromissos assinada pela Requerente em 20 de Junho de 2016).

19- Plano que, como a Autora tem conhecimento, não foi por si cumprido: designadamente, não procedeu ao pagamento dos consumos de água, ausentou-se da habitação por tempo indeterminado, acolheu terceiros na habitação que não pertenciam ao seu agregado familiar sem autorização do Município, provocou danos na habitação (na porta de entrada) sem que os tenha reparado, apesar de notificada para o efeito; não participou/frequentou as actividades contratualizadas.

20- Refira-se, para melhor esclarecimento, que o realojamento provisório do agregado da Requerente no módulo identificado decorreu num percurso de integração positivo pelo que foi aprovada a proposta de alteração do vínculo contratual, nos termos da deliberação n.º 283/2014.

21- Todavia, o contrato de arrendamento, como se disse, nunca foi outorgado, não só porque não foi possível, por diversas vezes, contactar com a Requerente, mas também porque, face aos incumprimentos sucessivos ao nível da gestão habitacional acima descritos, foi decidido revogar aquela deliberação.

22- E o Tribunal a quo deu como não provado que Requerente e Requerido hajam celebrado contrato de arrendamento a que alude a deliberação do requerido n.º 283/2014, tomada em 10/02/2014.

23- Aliás, o contrato de arrendamento apoiado é celebrado por escrito e incumbe ao arrendatário o cumprimento das obrigações previstas no artigo 24.º da Lei n.º 81/2014, alterada pela Lei n.º 32/2016, de 24/8, sendo que, além das causas de resolução previstas nesta lei e nas disposições legais aplicáveis, nomeadamente nos artigos 1083.º e 1084.º do Cód. Civil, na sua actual redacção, constituem causas de resolução do contrato pelo senhorio o incumprimento de qualquer das obrigações previstas no artigo 24.º.

24- Assim, atendendo aos incumprimentos da Requerente que foram verificados ao nível do acompanhamento social, conforme teor da informação n.º 6049, foi aprovado, por deliberação n.º 2511, de 21/11/2016, revogar a deliberação da Câmara n.º 283/2014, de 10/02/2014 e determinar a restituição da habitação nos termos do disposto nos artigos 1129.º e da alínea h) do 1135.º do Código Civil.

25- Nos termos do ofício n.º 29497, de 23/12/ 2016 e efectivamente recebido pela Requerente, foi esta notificada do teor da decisão e para, no prazo de 30 dias, proceder à restituição da habitação.

26- Todavia, entendeu o Tribunal ora recorrido que a deliberação de 10/02/2014 foi tomada sem que fosse imposta qualquer condição prévia ou requisito para que o contrato de arrendamento viesse a ser celebrado, tendo criado a legítima expectativa à Requerente de poder ter um título contratual para poder continuar a beneficiar de um espaço que seria a sua habitação a custo reduzido e dessa forma acalentar a reorganização da sua vida.

27- A decisão de celebração do contrato de arrendamento estribou-se, naquela data, na informação n.º 42236/2013, de 29/11/2013 (fls. 105 do PA), onde resulta que o realojamento efectuado no equipamento municipal decorre a título excepcional (dado tratar-se de arrendamento para um fim específico e transitório), tendo sido decidido superiormente aplicar a renda mínima às famílias residentes no CEH até à aplicação do regulamento de gestão do equipamento.

28- Não estamos perante uma relação contratual de arrendamento e ou de comodato típicos.

29- E, se, por um lado, o ora recorrido não se apresenta, em todos os planos, numa posição de perfeita igualdade, certo é que, considerando o valor da renda – especialmente reduzida - ou a gratuitidade da ocupação, entendemos que, de acordo com o princípio de boa-fé, também recaem sobre a Requerente especiais obrigações, designadamente, de cumprir as obrigações impostas (e o pagamento dos encargos com essa habitação).

30- Pelo facto de estarmos na presença de um comodato ou arrendamento de habitação social, especiais obrigações impõe-se aos munícipes.

31- E a Requerente tinha e tem conhecimento que a sua situação era transitória e provisória, por forma a conseguir “endireitar” a sua vida e/ou obter realojamento definitivo pela Câmara Municipal.

32- Salvo melhor entendimento, precipitou-se o Tribunal recorrido quando concluiu que a deliberação de celebração do contrato de arrendamento não estava sujeito a qualquer condição prévia, como também não tem razão o Tribunal ao considerar que o sucesso da acção principal é uma realidade, porque não o é! 33- A decisão...

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