Acórdão nº 01523/16.5BEPNF de Tribunal Central Administrativo Norte, 15 de Dezembro de 2017

Magistrado ResponsávelAlexandra Alendouro
Data da Resolução15 de Dezembro de 2017
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:*I – RELATÓRIO BASD interpõe recurso da decisão do TAF de Penafiel que julgou improcedente a acção administrativa especial contra si proposta por FUNDO DE GARANTIA SALARIAL (FGS), visando a anulação do despacho proferido pelo Presidente do Conselho de Gestão do FGS, datado de 08.09.2016, que indeferiu o pedido de pagamento de créditos emergentes de contrato de trabalho, apresentado em 19.06.2015, por intempestividade, ao abrigo do artigo 2.º n.º 8, do Decreto-Lei n.º 59/2015, de 21 de Abril, e a condenação do FGS a proferir um novo acto, deferindo o pedido.

*Em alegações, o Recorrente concluiu da seguinte forma: 1. O A. não se conforma com a decisão recorrida que, em suma, determina a aplicação do disposto no n.º 8 do art.º 2º do D.L. n.º 59/2015, de 21 de Abril, aos créditos por ele reclamados ao F.G.S., não considerando, portanto, as regras de alteração e contagem de prazos previstas no C.C., nomeadamente, no seu art.º 297º, n.º 1.

  1. O D.L. n.º 59/2015, de 21 de Abril, veio efectivamente estabelecer um novo prazo, e não um pressuposto legal, pois que, estabelece um termo para a prática de um certo e determinado acto (requerer ao Fundo o pagamento dos créditos) por parte do trabalhador, recorrente.

  2. A própria norma integra as definições elementares a respeito da contagem de prazos, previstas no Código Civil, mormente, no seu art.º 279º, alínea b) “Na contagem de qualquer prazo não se inclui o dia, nem a hora, se o prazo for de horas, em que ocorrer o evento a partir do qual o prazo começa a correr”, e conforme dispõem o n.º 8 do art.º 2º do D.L. 59/2015, de 21 de Abril, “(...) um ano a partir do dia seguinte àquele em que(...)”.

  3. A este respeito, a alínea c) do mesmo normativo 279º do C.C.

    “O prazo fixado em semanas, meses ou anos, a contar de certa data, termina às 24 horas do dia que corresponda, dentro da última semana, mês ou ano, a essa data; mas, se no último mês não existir dia correspondente, o prazo finda no último dia desse mês;”.

  4. O art.º 296º do C.C. dispõem que “(...) as regras constantes do art.º 279º são aplicáveis, na falta de disposição em contrário, aos prazos e termos fixados por lei, pelos tribunais ou por qualquer outra autoridade”.

  5. Claramente que o n.º 8 do art.º 2º do D.L. 59/2015, de 21 de Abril, estabelece um prazo para a prática de um certo e determinado acto, ou ainda que assim não fosse prevê um termo, e, portanto, impõe pelo decurso do tempo a produção de efeitos jurídicos na esfera do trabalhador/requerente.

  6. Não pode, deste modo, e de todo, afastar-se a aplicação do art.º 297º do C.C., inserido no Capitulo III sob a epígrafe “O tempo e sua repercussão nas relações jurídicas” que é efectivamente o que está em causa com a aplicação do n.º 8 do art.º 2º do D.L. 59/2015, de 21 de Abril.

  7. Por mera cautela de patrocínio, a considerar-se que o D.L. 59/2015, de 21 de Abril vem criar um novo pressuposto legal, sempre será de se considerar que esse pressuposto legal é um prazo, o referido prazo de um ano após a cessação do contrato de trabalho.

  8. Assim se justificando a aplicação das disposições do C.C. a respeito da alteração e contagem de prazos, e consequentemente, na concreta e objectiva aplicação do disposto no n.º1 do art.º 297º do C.C., e acrescente-se que, é expressa a sua referência “(...) para qualquer efeito (...)”.

  9. No caso do recorrente, com base no regime anterior e uma vez que o prazo prescricional se tinha alargado para vinte anos, em função da decisão judicial por ele obtida, na data em que ele apresentou o seu pedido de pagamento de créditos salariais através do F.G.S., o mesmo ainda se encontrava em tempo.

  10. O novo regime do F.G.S. prevê a aplicação, no caso do recorrente, de um prazo mais curto, sendo que, em função do estabelecido, o direito de reclamar o pagamento através do F.G.S. ter-se-ia extinguido, em Janeiro de 2013, um ano após a empresa ter cessado o contrato de forma ilícita, e antes mesmo da entrada em vigor do novo regime.

  11. Aplicando-se o disposto no art.º 297º do C.C., este novo prazo “só se conta a partir da entrada em vigor da nova lei, a não ser que, segundo a lei antiga, falte menos tempo para o prazo se completar”, ou seja, a partir de 01/05/2015.

  12. Pelo regime anterior, o recorrente gozava de um prazo superior a um ano, para apresentar o pedido de pagamento dos créditos salariais, assim, como o tempo para o prazo se completar, segundo a lei antiga, é superior ao fixado pela lei nova, não se aplica a excepção prevista na última parte do n.º 1 do art.º 297º do C.C., mas sim a regra, segundo a qual, o prazo de um ano só se conta a partir da entrada em vigor da lei nova 14. A lei nova entrou em vigor em 01/05/2015, assim o prazo de um ano, previsto no n.º 8 do art.º 2º do D.L. n.º 59/2015, de 21 de Abril, só terminaria em 01/05/2016, e conforme resulta dos autos, o requerimento do recorrente foi apresentado em 19/06/2015, ou seja, dentro do prazo acima referido.

  13. Pelo que se conclui que, o tribunal a “quo”, não analisou correctamente a situação dos autos, interpretando e aplicando o n.º 8 do art.º 2º do D.L. n.º 59/2015, de 21de Abril de forma desajustada, e não considerando o disposto no art.º 297º n.º 1do C.C..

  14. Além do mais, verifica-se uma quebra de expectativas legítimas e de confiança, por parte do recorrente cujo contrato de trabalho cessa, de forma ilícita, sem direito a ser compensado, que ao indeferir-se o pedido de pagamento por alegadamente o requerimento ter sido apresentado um ano depois de cessar o contrato de trabalho, torna-se inútil e ineficaz o regime instituído de protecção dos trabalhadores.

  15. Outros trabalhadores, com os mesmos motivos, viram os seus pedidos de pagamento dos créditos de trabalho ao Fundo de Garantia Salarial deferidos, pelo que a aplicação das normas subjacentes ao regime do Fundo de Garantia Salarial na interpretação que lhe é dada na decisão em apreço, não pode acarretar a discriminação e a desigualdade entre trabalhadores, que se encontram exactamente nas mesmas condições, esquecendo as finalidades que estiveram subjacentes à criação do Fundo de Garantia Salarial, nomeadamente a protecção dos trabalhadores assalariados, o que consubstancia uma violação do princípio constitucional da igualdade.

  16. E, resulta numa ofensa clara ao direito à segurança no emprego e à segurança social, previstos nos arts. 53º, 59º e 63º da Constituição da República Portuguesa. Assim, a ser entendida como válida a decisão em causa, tal entendimento acarretaria uma interpretação inconstitucional do n.º 8, do art. 2º do D.L. 59/2015, de 21 de Abril, que não se pode aceitar, mas que aqui, expressa e subsidiariamente se invoca.

  17. Deverá considerar-se inconstitucional a alteração introduzida pelo D.L. n.º59/2015, de 21 de Abril, ao impor que os trabalhadores que já tinham visto cessado o contrato de trabalho antes da entrada em vigor do mencionado Decreto-Lei, disponham apenas do período de um ano para reclamar o pagamento de créditos salariais ao F.G.S. após cessação do contrato, por violação dos princípios da segurança jurídica e da protecção da confiança, integrantes do princípio do Estado de direito democrático contido no artigo 2.º da C.R.P.

  18. Pelo que, face à interpretação desse órgão (F.G.S.) e do tribunal recorrido, os trabalhadores nas mesmas ou idênticas circunstâncias que as do recorrente, e que são, como se sabem inúmeros, podiam no dia 30 de Abril de 2015 requerer, e ver deferido, ao F.G.S. o pagamento dos seus créditos, mas no dia imediatamente seguinte deixaram de poder fazer, porque tinham apenas um ano após a cessação do seu contrato de trabalho para tal.

  19. E esta alteração vai mais longe, por que se aplica, às situações já existentes antes da entrada em vigor, conforme já anteriormente acima se referiu.

  20. Sendo certo que, o trabalhador, recorrente, estava perfeitamente seguro que depois de declarada a insolvência da empresa o mesmo poderia reclamar o pagamento dos seus créditos através do F.G.S. e que, em função do regime nessa data em vigor obteria o pagamento dos mesmos.

  21. No decurso desse período, foi publicado o novo regime do F.G.S. que, conforme se demonstrou, prejudica de forma grave os direitos adquiridos do recorrente, uma vez que, aquando da publicação da nova lei, o prazo para apresentação do pedido para pagamento ao F.G.S. já tinha terminado há mais de 2 anos, sendo que, um dia antes da publicação do novo regime o recorrente estava perfeitamente em tempo de apresentar o seu pedido.

  22. Entendendo-se que, pese embora a entrada em vigor do novo regime do F.G.S., sempre serão de se lhe aplicar as regras sobre alteração de prazos constantes do art.º 297º do C.C., encontrando-se tal justificação e fundamento na defesa dos direitos adquiridos por parte do trabalhador, isto é, na defesa da sua expectativa de que, tendo tal protecção ao abrigo da legislação anterior, o novo prazo de apresentação a aplicar deve contar-se imediatamente a seguir à data da entrada em vigor do novo regime.

  23. Resulta à saciedade do raciocínio aqui plasmado que o tribunal “a quo” jamais poderia ter decidido pela improcedência da acção, pelos motivos invocados, porquanto o prazo para efeitos de apresentação do pedido ainda não havia decorrido.

  24. A decisão recorrida viola o disposto no art.º 297º do Código Civil, pelo que deverá a mesma ser revogada, e ordenado o pagamento dos créditos salariais ao recorrente por parte do Fundo de Garantia Salarial.

    Nestes termos, e nos melhores que doutamente forem supridos, deve ser julgado...

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