Acórdão nº 00616/16.3BECBR-A de Tribunal Central Administrativo Norte, 15 de Setembro de 2017
Magistrado Responsável | Joaquim Cruzeiro |
Data da Resolução | 15 de Setembro de 2017 |
Emissor | Tribunal Central Administrativo Norte |
Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: 1 – RELATÓRIO M... – Sociedade de Empreitadas SA e L... – Engenharia e Construções SA vêm interpor recurso da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra, datada de 8 de Junho de 2017, e que indeferiu a providência cautelar de regulação provisória do pagamento de quantias, intentada contra as Águas de Coimbra SA, e onde era requerido que se devia intimar: “… a Entidade Requerida a pagar o montante de € 190 000,00 ( cento e noventa mil euros), ou no mínimo, a pagar trimestralmente o montante de € 6 5551,25 ( seis mil , quinhentos e cinquenta e um euros e vinte e cinco cêntimos) à primeira requerente M..., até que a acção administrativa principal seja definitivamente julgada, por conta do montante em que nessa sede se venha a condenar a Requerida e até ao limite máximo de e 190 000,00 ( cento e noventa mil euros), para todos os efeitos e com todas as legais consequências.” Em alegações as recorrentes concluíram assim: 1) Antes de mais, quanto ao juízo de desnecessidade tecido em relação à produção de prova testemunhal: caso proceda o presente recurso e o Tribunal ad quem entenda que a matéria de facto dada por provada é insuficiente para dar por verificado o requisito do periculum in mora (sem conceder que a matéria alegada a esse propósito é, em grande medida, factos notórios, factos passíveis de presunção judicial e factos conclusivos, tudo por força da situação de insolvência da primeira requerente e do plano de insolvência em curso e, assim, dos factos comprovados mediante prova documental - cfr., designadamente, arts. 23.º, 27.º, 29.º a 33.º, 35.º e 36.º do ri.) devem os autos baixar à primeira instância para serem ouvidas as testemunhas arroladas pelas partes.
2) Por esta razão e, assim, meramente à cautela, assaca-se erro de julgamento à sentença recorrida, quanto ao segmento decisório da prova testemunhal, por violação dos arts. 118.º e 133.º (ou 120.º, n.º 1, a não se entender pela aplicação daquele) do CPTA.
3) Depois, deve ser aditado aos factos dados como provados pela sentença recorrida o alegado no art. 41.º do ri., no sentido de que a primeira requerente tem atualmente ao serviço 19 (dezanove) trabalhadores, facto provado pelo doc. n.º 34 junto, incorrendo o Tribunal a quo em erro de julgamento quanto aos factos, por insuficiência, a este passo.
***1) Não colhem as razões invocadas pelo Tribunal a quo para não se aplicar ao caso a providência do art. 133.º do CPTA, desde logo, porque a letra da lei não diz que a providência só se aplica a pessoas individuais e não a pessoas coletivas, nem se reporta a prestações do Estado Social.
2) Ora, por um lado, não pode ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal e, por outro lado, na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados (cfr. art. 9.º, n.ºs 2 e 3 do CC).
3) Acresce que a situação de grave carência económica de que a norma fala é passível de afetar pessoas coletivas, além de que os interesses de ordem humanista – humanitária (a que se refere o Tribunal) também se equacionam a propósito de empresas, por força das pessoas que são trabalhadoras e que ficam desempregadas e sem meio de subsistência em caso de insolvência das mesmas, como aqui sucede.
4) É este, aliás, o sentido ou âmbito de aplicação que vem sendo de forma unânime e consolidada conferido à norma pela doutrina e jurisprudência (aplicabilidade em casos de risco de falência ou encerramento de empresas), pelo que, em suma, o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento, por violação dos arts. 133.º do CPTA e 9.º, n.ºs 2 e 3 do CC, impondo-se a revogação da decisão.
5) Ademais, o Tribunal a quo admite que a providência possa valer para pretensões de responsabilidade civil contratual (como é o caso) e não se antevê que as prestações típicas do Estado Social caibam no seio da responsabilidade civil administrativa - a este passo, existe oposição entre os fundamentos e a decisão ou até ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível, sendo a mesma nula, nos termos do art. 615.º, n.º 1, al. c) do CPC, aplicável ex vi art. 1.º do CPTA.
***6) Quanto ao fumus iuris: uma vez acionada a garantia, esta deixa de existir, passando a ter-se um hipotético crédito das empreiteiras sobre a dona da obra, devido a título de responsabilidade civil contratual (como muito bem reconhece o Tribunal a quo), se vier a julgar-se que a garantia foi indevidamente acionada.
7) Logo, a obrigação contratual das empreiteiras quanto à garantia está perfeitamente cumprida, já que as mesmas a prestaram, na modalidade de first demand, nada obstou ao seu acionamento automático e nada obsta a que a dona da obra, devida ou indevidamente, custeie as pretensas reparações com o montante acionado.
8) Coisa diferente é se a dona da obra tem ou não que indemnizar as empreiteiras pelo acionamento indevido da garantia e, assim, se, provisoriamente, tem que ser intimada a adiantar os montantes que, na ação principal, será condenada a devolver às requerentes, por conta desses montantes (que é o que aqui se equaciona).
9) Não se trata de pedir a reversão do efeito de uma caução, pois, para ser assim, o pedido teria que ser no sentido de a Entidade Requerida devolver o montante acionado ao Banco garante, para que este, por sua vez, mantivesse a garantia até ao julgamento definitivo da ação principal, pelo que este raciocínio tecido pelo Digno Tribunal carece ostensivamente de sentido lógico-jurídico, incorrendo a sentença em erro de julgamento por violação do art. 133.º (ou do art. 120.º, n.º 1, a entender-se este aplicável) do CPTA.
10) Sob outro enfoque, pretendendo-se aqui acautelar o risco de retardamento decorrente da demora do julgamento da ação principal, nenhum óbice se coloca à pretensão cautelar (designadamente, quanto à provisoriedade e instrumentalidade da providência), pois o que sucederá se a mesma vier a ser concedida e não vier a ser dada razão às requerentes na ação principal, é que aquelas terão que devolver à Requerida os montantes provisoriamente arbitrados e entretanto entregues por conta da providência.
11) Aliás, admitir entendimento diverso é negar o direito das requerentes à tutela cautelar efetiva, em violação da garantia constitucional e legal de que a todo ou direito ou pretensão deduzida em juízo (pretensão indemnizatória, neste caso) corresponde a possibilidade de obter providência cautelar adequada a assegurar o seu efeito útil, pelo que uma interpretação do art. 133.º do CPTA (ou do art. 120.º, n.º 1 do CPTA) nesse sentido é inconstitucional em concreto, por violar dos arts. 20.º e 268.º, n.º 4 da CRP.
12) Sempre em relação ao fumus iuris: a ininteligibilidade (e consequente nulidade ou inoperância) que se assacou às atuações da Requerida deriva, desde logo, da falta de concretização e quantificação das pretensas reparações imputadas à empreiteira (cfr. arts. 47.º e 48.º do ri.), que são ostensivas e, portanto, podem ser constatadas à vista desarmada por qualquer pessoa, não sendo preciso efetivar juízos técnicos para tal aferir, incorrendo a sentença em erro de julgamento, por violação dos arts. 161.º, n.º 2, al. c) do CPA e 133.º (ou 120.º, n.º 1, se assim se entender) do CPTA.
13) Acresce que se assacou também a nulidade da atuação da Requerida por falta de realização das formalidades essenciais da vistoria (cfr. arts. 61.º e ss. do ri.), ilegalidade que não foi sequer aflorada pelo Tribunal a quo, sendo que o facto relevante para conhecer da mesma (realização da vistoria com preterição das formalidades legais essenciais) resulta provado do ponto 7) da fundamentação de facto da sentença.
14) Incorrendo a sentença recorrida, portanto, nas nulidades previstas no art. 615.º, n.º 1, als. d) e c) do CPC, aplicável ex vi art. 1.º CPTA, por o Meritíssimo Juiz não se ter pronunciado sobre questão que devia apreciar e/ou os fundamentos (de facto) estarem em oposição com a decisão, ou, no mínimo, em erro de julgamento por violação dos arts. 227.º, 228.º, 217.º e 218.º do RJEOP e 133.º (ou 120.º, n.º 1, se assim se entender) do CPTA.
15) Nem se diga, como diz o Tribunal a quo, que é verosímil a tese da Requerida de que não tinha sentido realizar a vistoria antes das empreiteiras corrigirem os pretensos defeitos denunciados, dada a extensão da obra, ou seja e em suma, que não existiu nenhuma vistoria e, portanto, houve apenas denúncia dos pretensos defeitos ainda dentro do prazo de garantia da obra.
16) Repise-se: é ostensivo, é dito expressamente pela dona da obra, que efetuou a vistoria na sequência do pedido de receção definitiva da obra, e que o fez sem cumprir quaisquer formalidades legais – tal resulta provado no ponto 7) da fundamentação de facto da sentença – pelo que se renova a nulidade da sentença prevista no art. 615.º, n.º 1, al. c) do CPC, aplicável ex vi art. 1.º CPTA, ou, a não se entender assim, o erro de julgamento por violação dos arts. 227.º, 228.º...
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