Acórdão nº 01206/17.9BEBRG de Tribunal Central Administrativo Norte, 19 de Novembro de 2020

Magistrado ResponsávelPaula Moura Teixeira
Data da Resolução19 de Novembro de 2020
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte: 1. RELATÓRIO A Recorrente, AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA, melhor identificada nos autos, interpôs recurso da sentença prolatada, pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Braga, que julgou improcedente a impugnação judicial visando as liquidações adicionais de IVA e IRC do exercício de 2013 e 2014 e correspondentes juros compensatórios, no montante global de € 239 201.81 e 311 999,44 respetivamente, que resultaram de correções aritméticas efetuadas à matéria tributável, em virtude de ação inspetiva a que foi sujeita.

A Recorrente não se conformou com a decisão tendo interposto o presente recurso formulou nas respetivas alegações as seguintes conclusões que se reproduzem: .(…)” 1. O presente recurso vem apresentado da douta sentença que, na parte relativa a facturas falsas, anulou as liquidações adicionais de IRC e de IVA, de 2013 e de 2014, pois que, na parte de que se recorre, a fouta sentença violou a alínea d), do nº1, do artigo 615º, do CPC, violou, em vários segmentos, a alínea c), do nº1, do artigo 615º, do CPC e, caso seja entendido o contrário, violou o artigo 608º, nº2, do CPC, bem como, errou no julgamento da matéria de facto.

  1. A legalidade de liquidações adicionais de tributos podem ser questionadas com fundamento em erro sobre os pressupostos de facto e/ou com fundamento em erro sobre os pressupostos de direito.

  2. O erro sobre os pressupostos de facto poderá resultar ou da insuficiência dos pressupostos de facto reunidos, ou da não verificação dos pressupostos de facto reunidos, ou da verificação de outros pressupostos de facto.

  3. O erro sobre os pressupostos de direito pode resultar ou do erro na interpretação da norma aplicável ou no erro (já não na interpretação da norma mas) na aplicação da norma por não se verificarem todos os seus pressupostos.

  4. No caso concreto dos autos, pela p.i. apresentada, a recorrida questionou a legalidade das liquidações alegando, em síntese, que as facturas não eram facturas falsas, pelo que, questionou a legalidade das liquidações com fundamento em erro sobre os pressupostos de facto por os mesmos não se verificarem 6. Em cumprimento do artigo 607º, nº2, do CPC, a douta sentença em recurso começou por identificar as partes, o objecto do litigio e enunciou as questões submetidas à apreciação e decisão do Tribunal pela recorrida, sendo elas, designadamente, que as facturas não eram facturas falsas, ou seja, no plano jurídico, o erro sobre os pressupostos de facto por os mesmos não se verificarem (pagina 1, ultimo §, da sentença em recurso).

  5. A douta sentença apreciou e decidiu questão diferente e distinta da submetida ao Tribunal pela recorrida, não contestada e não suscitada pela recorrida, ou seja, a douta sentença em recurso apreciou e decidiu de indícios fundados e, em consequência, no plano jurídico, de erro sobre os pressupostos de direito.

  6. Se a recorrida não questiona os indícios fundados recolhidos (pois, por hipótese, para ela, são suficientes e bastantes para legitimar a actuação da AT, ou, por hipótese, não tem interesse nessa questão) não pode a sentença conhecer e decidir da verificação ou não de indícios fundados, sob pena de conhecer e decidir questão diferente (e sob pena de substituição e mesmo de representação da parte, contra a vontade da parte que, como já se disse, por hipótese, não tem interesse naquela questão).

  7. A douta sentença em recurso, ao conhecer e decidir questão que, de facto e de direito, não foi suscitada, conheceu de questão que não podia conhecer, sendo, ao abrigo da alínea f), do nº1, do artigo 615º, do CPC, nula.

  8. A douta sentença em recurso, ao abrigo da alínea c), do nº1, do artigo 615º, do CPC, também é nula, pois, revela-se, no seu todo, ininteligível, não só por conhecer e decidir questão que não foi e tinha que ser colocada nos autos, mas também por, ao conhecer e ao decidir tal questão, conter ambiguidades e contradições várias.

  9. Da douta sentença em recurso consta, por referência à jurisprudência, que o acordo simulatório não é requisito (pagina 55, último §) e, em seguida, consta que a inspecção tributária tinha que demonstrar o requisito do acordo simulatório (o tal esquema de fraude) e que nenhuma diligência foi feita nesse sentido (pagina 62, último §).

  10. Da douta sentença em recurso consta, repetidamente, por referência ao relatório inspectivo, que nele nunca foi colocada em causa a efectiva entrada de matérias primas nas instalações da recorrida (pagina 49, 50, 51, 52 e 62, último §) quando o relatório inspectivo refere, fundamentadamente, que as matérias primas nunca poderiam ter dado entrada nas instalações da Impugnante pois as facturas das matérias primas são facturas falsas (relatório inspectivo integralmente transcrito, no ponto 7, dos factos provados, da douta sentença em recurso).

  11. Da douta sentença em recurso consta, por referência à jurisprudência, que os indicadores da falsidade das facturas não têm que advir do contribuinte fiscalizado (pagina 56, 2º §) e, em seguida, refere que o juízo de desacreditação das facturas carece de elementos obtidos junto do contribuinte fiscalizado (pagina 62, 2º § e 4º §).

  12. A douta sentença em recurso refere que, de acordo com a posição da FP, aqui recorrente, «foram reunidos indícios suficientes para abalar a veracidade das operações em causa nos autos» (pagina 52, 3º §), quando os autos demonstram que a FP sempre entendeu que a questão submetida à apreciação e decisão do tribunal era outra que não a de apreciar e decidir os indícios fundados recolhidos (pagina 1, 2º § e alegações escritas a fls.996 e ss. da paginação electrónica do processo no SITAF).

  13. Perante as conclusões até aqui formuladas (2 a 14), para a recorrente, a douta sentença em recurso revela-se, no seu todo ininteligível (conhecendo de questão que não podia conhecer e dela conhecendo com ambiguidades e contradições várias).

    Caso seja entendido o contrario: 16. Caso seja entendido que não se verifica qualquer causa de nulidade da douta sentença em recurso, a mesma violou o artigo 608º, nº2º, do CPC, porquanto, conheceu e decidiu questão que não foi e que tinha que ser colocada nos autos e que não é questão de conhecimento oficioso.

  14. Caso seja entendido, como se espera, que a douta sentença em recurso versa sobre questão diferente da que fora suscitada nos autos e, caso seja entendido que a douta sentença em recurso contem todos os elementos necessários para conhecer e decidir a questão suscitada (de que as facturas não são facturas falsas), a douta sentença em recurso errou no julgamento de facto.

  15. Para a recorrente verifica-se o erro no julgamento da matéria de facto, porquanto, a douta sentença em recurso dá como provada concreta matéria de facto com fundamento em elementos que não demonstram e não provam tal matéria de facto.

  16. Na douta sentença em recurso consta, com fundamento no RIT por supostamente não colocar em causa a entrada das matérias primas nas instalações da recorrida e consta com fundamento nos documentos de suporte da contabilidade da recorrida, que, por referência a cada um dos emitentes das facturas falsas, a recorrida adquiriu matérias primas nos exactos e precisos termos dessas facturas, dando como assente a matéria dos pontos 15 a 22 dos factos provados, quando, quer o RIT, quer os documentos de suporte da contabilidade, não são susceptíveis de demonstrar e comprovar aquela matéria de facto, porquanto 20. Compulsado o RIT, integralmente reproduzido no ponto 7, dos factos provados, verifica-se que (i) dele não consta, expressamente, em lado algum, afirmação igual ou equivalente à aceitação da entrada nas instalações da recorrida de matérias primas tituladas pelas facturas falsas; (ii) dele consta a indicação das facturas que a recorrida contabilizou e dos documentos de suporte que a recorrida guardou e (iii) a conclusão que dele consta de que as facturas são facturas falsas resulta da impossibilidade dos respectivos emitentes fornecerem matérias primas, pelo que, o RIT colocou e coloca em causa a efectiva entrada nas instalações da recorrida de matérias primas fornecidas pelas emitentes das facturas falsas.

  17. Os documentos apresentados pela recorrida nos autos correspondem aos documentos apresentados em sede inspectiva, os quais, por si só, sem outros elementos de prova, não são susceptíveis de evidenciar a materialidade das facturas em causa, pois que, é sabido que uma impecável organização de documentos encontra-se normalmente associada a situações em que existem facturas falsas – de outro modo as situações de evasão fiscal pela utilização deste tipo de facturas seriam facilmente detectadas por o seu autor não ter diligenciado por encobrir os indícios da facturação falsa.

  18. Em matéria de facturas falsas, a “aparente regularidade formal” decorrente de uma impecável organização dos documentos de suporte da contabilidade destina-se, normalmente, a encobrir as irregularidades cometidas.

  19. Terá, no modesto entender da recorrente, a douta sentença em recurso que ser corrigida, dela deixando de constar, como factos provados, os pontos 15 a 22, dado que, nem o RIT, em lado algum, por qualquer forma, aceita a entrada de matérias primas dos emitentes das facturas falsas nas instalações da recorrida, nem os documentos apresentados pela recorrida, por si só, na sua aparente regularidade formal, podem evidenciar a materialidade de operações económicas.

  20. Deixando de constar da douta sentença em recurso, como se espera, os referidos pontos 15 a 22 como matéria de facto assente e provada, resta, como matéria de facto provada nos autos, o modus operandi da recorrida, o qual não é susceptível de evidenciar a materialidade das facturas em causa, designadamente, qualquer um dos elementos que integram as facturas falsas.

  21. A demonstração e prova da materialidade das facturas tidas como facturas falsas passa pela narração de concretos episódios vividos, de forma a se ficar...

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