Acórdão nº 00407/16.1BEMDL de Tribunal Central Administrativo Norte, 27 de Novembro de 2020

Magistrado ResponsávelMaria Fernanda Antunes Aparício Duarte Brandão
Data da Resolução27 de Novembro de 2020
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam, em conferência, na secção de contencioso administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: RELATÓRIO M., A. e D., todas melhor identificadas nos autos, propuseram ação administrativa comum contra o Estado Português, pedindo a sua condenação no pagamento das seguintes somas, a título de indemnização por atraso na justiça: a) À Autora M. a quantia de EUR 50.000,00 (cinquenta mil euros); b) À Autora D. a quantia de EUR 25.000,00 (vinte e cinco mil euros); c) À Autora A. a quantia de EUR 25.000,00 (vinte e cinco mil euros).

Por sentença proferida pelo TAF de Mirandela foi julgada procedente a excepção peremptória de prescrição invocada na contestação.

Desta vem interposto recurso pelas Autoras M. e D..

Alegando, concluíram: 1. A sentença recorrida julgou totalmente improcedente por não provada a ação e absolveu o réu Estado Português do pedido de condenação no pagamento às recorrentes de uma indemnização, com fundamento na responsabilidade civil extracontratual, por violação do direito a uma decisão judicial em prazo razoável, tal como preceituado no art. 6.º, n.º 1 da CEDH e no art. 20.º, n.º 1 e 4 da CRP.

  1. Na sentença, a M.mª Juiz a quo decidiu, por um lado, que a pretensão indemnizatória das recorrentes quanto à morosidade da ação laboral, da ação penal e da ação declarativa de responsabilidade civil que correram termos no Tribunal Judicial de Mirandela na sequência de um acidente de viação do qual resultou a morte do pai e filhas das recorrentes, se encontra prescrita.

  2. Por outro lado, no que respeita à ação de consignação em depósito, decidiu que não se verifica o pressuposto da ilicitude porquanto entende ser razoável a duração de 3 anos na 1ª Instância e 5 anos na sua globalidade.

  3. As recorrentes discordam das decisões proferidas porquanto entendem, desde logo, que não se verifica a prescrição do direito indemnizatório decorrente da violação do direito a uma decisão judicial num prazo razoável.

  4. A questão decidenda, relativamente à qual há divergência de entendimento, reporta-se ao momento do início da contagem do prazo de prescrição em relação a cada uma das acções em causa, que estiveram pendentes e tiveram o seu desfecho em momentos diversos.

  5. Na sentença recorrida, considera-se que o início da contagem do prazo de prescrição ou o momento em que o lesado tem conhecimento do respetivo direito de indemnização que lhe compete coincide com a data do desfecho de cada uma dessas acções.

  6. As recorrentes defendem que apenas com a prolação da decisão judicial definitiva na acção de consignação em depósito, em 02.12.2013, tiveram conhecimento do direito a indemnização, porquanto apenas nesse momento tiveram conhecimento da existência de danos provocados pela morosidade da justiça.

  7. Na verdade, à data da prolação da decisão judicial na ação de responsabilidade civil extracontratual, em 30.05.2008, decorridos 9 anos desde a sua entrada em juízo, as recorrentes encontravam-se a receber as pensões da Companhia de Seguros (...) (seguradora do acidente de trabalho) e do Centro Nacional de Pensões.

  8. E no âmbito dessa ação, foi proferida uma sentença que, para além do mais, condenava a (...) Seguros, SA a pagar às aí autoras M., A. e D., a quantia global de 400.000,00€ acrescida de juros de mora legais, a contar da citação, ocorrida em fevereiro de 2001, até efectivo e integral pagamento, quantificando-se os referidos juros em montante superior a 100.000,00€.

  9. As recorrentes haviam finalmente obtido uma decisão judicial, num prazo longe de ser razoável, mas o atraso verificado estava compensado na própria de decisão judicial com a condenação no pagamento às autoras de juros de mora sobre a quantia indemnizatória fixada, inexistindo por isso dano resultante do atraso na justiça.

  10. Acontece porém que, na ação de consignação em depósito, que correu termos por apenso à ação de responsabilidade civil e que demorou mais 5 anos até à decisão judicial definitiva, foram decididas duas questões que influenciaram de forma significativa o valor das indemnizações que vieram a ser recebidas pelas recorrentes.

  11. Por um lado, foi decidido que o montante de cerca de 100.000,00€ devido pela (...) Seguros a título de juros de mora sobre a indemnização arbitrada às recorrentes para ressarcimento dos danos patrimoniais, deveria ser pago na íntegra à seguradora do acidente de trabalho e não às recorrentes.

  12. Por outro lado, foi decidido descontar os valores que o Centro Nacional de Pensões e a seguradora de acidentes de trabalho haviam pago às recorrentes durante 16 anos na indemnização global arbitrada para ressarcir os danos patrimoniais, desconsiderando os montantes parciais atribuídos a cada uma das recorrentes, resultando assim que à indemnização da recorrente M. foram descontadas verbas que o Centro Nacional de Pensões e a seguradora haviam pago às filhas A. e D..

  13. O que significa que, contrariamente às suas expectativas, decorrentes da decisão judicial proferida na acção decorrente do acidente de viação – de receber a título de juros de mora um montante superior a 100.000,00€ - as recorrentes não receberam um euro que fosse a esse título.

  14. Nessa data de 02.12.2013, em que foi proferida decisão judicial na ação de consignação em depósito e as recorrentes tomaram conhecimento destas circunstâncias, é que se se verificaram todos os factos geradores dos danos e consequentemente tiveram as recorrentes conhecimento dos mesmos e do seu direito e, na sequência, se iniciou o prazo de prescrição do direito indemnizatório face ao atraso da justiça na ação de responsabilidade civil extracontratual decorrente de acidente de viação e da ação de consignação em depósito.

  15. E assim sendo, o prazo de prescrição do direito indemnizatório exercido pelas recorrentes iniciou-se em 02.12.2013, tendo-se interrompido em 25.11.2016, com a entrada em juízo da presente ação e citação do réu Estado Português.

  16. Ao decidir que, quanto à ação declarativa de responsabilidade civil, se encontra prescrita a pretensão indemnizatória das recorrentes face à delonga em tal ação, a sentença recorrida viola o art. 498.º, n.º 1, do Código Civil.

  17. O direito de acesso à justiça em prazo razoável constitui uma garantia inerente ao direito de acesso aos tribunais e à tutela jurisdicional efetiva, garantido constitucionalmente no artigo 20.º n.º 4, que dispõe que “todos têm direito a que uma causa em que intervenham seja objeto de decisão em prazo razoável e mediante processo equitativo”.

  18. Da factualidade provada resulta que a acção de responsabilidade civil extracontratual por acidente de viação e a ação de consignação em depósito estiveram diversas vezes paradas, sem qualquer movimentação, demorando respectivamente 9 anos e 5 anos até à prolação da decisão definitiva.

  19. Era exigível que nos processos em questão, a decisão definitiva fosse obtida num prazo mais curto, atendendo à elevada importância do litígio para as partes e à sua relevância social.

  20. Posto isto, e ao contrário do decidido na sentença recorrida quanto à ação de consignação em depósito - afigura-se tal duração violadora do direito das recorrentes a uma decisão em prazo razoável, tal como preceituado no art. 6.º, n.º 1 da CEDH e no art. 20.º, n.º 1 e 4 da CRP.

  21. O sofrimento das recorrentes em resultado do atraso dos processos merece a tutela do direito, devendo as recorrentes ser compensadas com indemnizações justas e adequadas que devem atender, para além do mais, ao facto de as recorrentes não terem recebido qualquer quantia a título de juros de mora calculados sobre a indemnização arbitrada na ação de responsabilidade civil decorrente de acidente de viação e bem como ao facto de terem descontado à recorrente M. parte do valor das pensões recebidas pelas recorrentes, suas filhas A. e D., fixando-se as indemnizações nos termos peticionados na ação.

    Nestes termos e nos melhores de direito que suprirão, deve o presente recurso ser julgado procedente e, em consequência, ser revogada a sentença proferida, substituindo-se por acórdão que julgue a ação procedente, por provada, e condene o Estado Português no pagamento de uma indemnização às recorrentes, assim se fazendo JUSTIÇA! O MP, em representação do Estado Português, ofereceu contra-alegações, sem conclusões, finalizando assim: Deve o presente recurso ser julgado não provido e improcedente; Mantendo-se os termos da decisão recorrida.

    Cumpre apreciar e decidir.

    FUNDAMENTOS DE FACTO Na decisão foi fixada a seguinte factualidade: 1. Em 26.03.1997, ocorreu um acidente de viação de que resultou a morte de A., marido da primeira Autora e pai das segundas Autoras (cfr. sentença a fls. 1071 e ss do 6.º volume do processo judicial que correu termos sob o n.º 525/1999, atualmente 284/14.7T8BGC).

  22. Na sequência do acidente referido em 1, correu termos junto do Tribunal do Trabalho do Círculo Judicial de Barcelos o processo judicial com o n.º 191/97, que terminou com um acordo homologado na tentativa de conciliação realizada em 14 de julho de 1997.

  23. O sinistro referido em 1 deu ainda origem a um processo-crime que correu termos pelo 1.º Juízo do Tribunal Judicial de Mirandela sob o n.º 65/2000 (e posteriormente sob o n.º 206/17.8TBMDL).

  24. No âmbito do processo referido no ponto anterior, foi proferido Acórdão do Tribunal da Relação em 09.04.2003, do qual não foi apresentado recurso.

  25. Correu ainda termos pelo 1º Juízo do Tribunal Judicial de Mirandela, sob o n.º 525/99 (e posteriormente sob o n.º 284/14.7T8BGC), uma ação cível, à qual foi apensada a ação cível intentada pela 1.ª Autora, por si e em representação das 2.ª e 3.ª Autora, então menores, em 26.10.1999, que correu termos sob o n.º 38/01.

  26. Em 13.01.2000, a 1.ª Autora remeteu ao Conselho Superior da Magistratura uma exposição sobre o atraso do processo, cuja resposta foi rececionada em 18.01.2000.

  27. Em 08.02.2001, foi a 1.ª Autora notificada do teor do despacho judicial a ordenar o prosseguimento do processo e a junção de documentos.

  28. Em 17.03.2000, foi determinada a...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT