Acórdão nº 00474/20.3BECBR de Tribunal Central Administrativo Norte, 27 de Novembro de 2020

Magistrado ResponsávelHelena Ribeiro
Data da Resolução27 de Novembro de 2020
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam os Juízes Desembargadores da Secção Administrativa do Tribunal Central Administrativo Norte: I – RELATÓRIO*1.1.

L.

, residente na Rua (…) intentou a presente Intimação para Proteção de Direitos, Liberdades e Garantias contra a UNIVERSIDADE DE COIMBRA, com sede no Paço (…), e contra a FACULDADE DE MEDICINA DA UNIVERSIDADE DE COIMBRA, com sede na Azinhaga (…), formulando os seguintes pedidos: a) liminarmente, de modo a acautelar a possibilidade de maior agravamento da situação do A., em face da urgência da definição do direito a acautelar, com fundamento no disposto no art.º 110.º, n.º 3, do CPTA, que o Tribunal opte pelo processamento dos autos nos termos estabelecidos neste preceito, “em moldes que certamente V. Exa. melhor entenda serem adequados ao caso, e/ou, sem prejuízo, determine desde já que o Autor se possa inscrever, provisoriamente até à prolação de Decisão final, no quarto ano do Mestrado Integrado de Medicina, de tal modo que seja garantida a frequência às aulas que estão a decorrer e o acesso aos elementos necessários a essa frequência”; b) que a presente ação seja julgada procedente, por provada, e, consequentemente, que as RR. sejam condenadas a reconhecer que o A. tem direito a inscrever-se no quarto ano do Mestrado Integrado de Medicina, garantindo ainda que não decorre qualquer prejuízo ou consequência na sua avaliação em face dessa inscrição só ocorrer neste momento.

Alega, para tanto, em síntese, que com a presente intimação pretende assegurar, em tempo útil, o exercício do direito fundamental à educação, nos termos dos art.

os 73.º e 74.º da CRP, porquanto a lesão do seu direito, concretizada na não permissão, pelas RR., da sua inscrição no 4.º ano de medicina, é neste momento já efetiva, uma vez que se encontra impedido, por ato das RR., de proceder a essa inscrição e, desse modo, de poder frequentar o ano letivo já em curso, havendo, ainda, sérios riscos de se agravar, de um modo definitivo e irreversível, esse seu direito, como também os danos que decorrem dessa lesão, já hoje objetivamente sentidos pelo A., quer em termos de privação do acesso efetivo às aulas e materiais disponibilizados, quer, ainda, e de modo significativo, em termos anímicos e psicológicos, pelo sofrimento e angústia que a situação lhe tem causado.

Mais refere que o decretamento provisório e a própria tutela cautelar, no caso, são inadequados à salvaguarda do exercício do direito fundamental em crise, uma vez que esse exercício, projetando-se e efetivando-se ao longo do tempo, não é passível de ser reparado de modo retroativo, ou seja, recriando as condições que ocorreram anteriormente, sendo que, caso fosse decretada provisoriamente a providência cautelar e caso o A. viesse a aceder provisoriamente ao 4.º ano do mestrado integrado de medicina, tal não se traduziria em garantir a plena efetividade do exercício dos direitos consequentes.

Conclui, por isso, que o único meio processual adequado a prevenir a possibilidade de manutenção da lesão do seu direito fundamental é a presente intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias.

*1.2 O Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra proferiu despacho liminar do qual consta o seguinte segmento decisório: «Em face de todo o exposto, nos termos das disposições conjugadas dos art.

os 110.º-A, n.os 1, 2 e 3, e 131.º, n.º 1, do CPTA: determina-se a inscrição e admissão imediata e provisória do A. a frequentar o 4.º ano do mestrado integrado em medicina ministrado pelas RR.; convida-se o A. a substituir a petição inicial apresentada, para o efeito de requerer a adoção da(s) providência(s) cautelar(es) que entenda adequada(s) à salvaguarda dos seus direitos, no prazo de 5 (cinco) dias, sob pena de caducidade do decretamento provisório da providência, nos termos que antecedem.

Custas do incidente pelo A., fixando-se a taxa de justiça em 1 (uma) UC, nos termos do art.º 527.º, n.º 1, 2.ª parte, do CPC (aplicável ex vi art.º 1.º do CPTA), e do art.º 7.º, n.º 4, do RCP e tabela II-A anexa.

Notifique de imediato, da forma mais expedita (art.º 131.º, n.º 5, do CPTA)».

*1.3.

Inconformado com a decisão proferida, o apelante interpôs recurso jurisdicional da mesma, formulando as seguintes conclusões: «1ª O presente recurso tem por objeto a decisão proferida pelo Tribunal a quo, na parte em que, liminarmente, depois de concluir que “face ao alegado na petição inicial e para tutela dos direitos e interesses aí invocados, sempre seria suficiente e adequado o meio processual “normal”, ou seja, a ação administrativa, acompanhada de um processo cautelar, se necessário com decretamento provisório”, formulou a final convite ao aqui recorrente a “substituir a petição inicial apresentada, para o efeito de requerer a adoção da (s) providência (s) cautelar (es) que entenda adequada (s) à salvaguarda dos seus direitos, no prazo de 5 (cinco) dias, sob pena de caducidade do decretamento provisório da providência”.

  1. O meio processual de que fez uso o recorrente – artigos 109.º a 111.º do CPTA – destina-se a dar cumprimento à exigência ditada pelo artigo 20.º, n.º 5 da CRP, quando estatui que «Para defesa dos direitos liberdades e garantais pessoais, a lei assegura aos cidadãos procedimentos judiciais caracterizados pela celeridade e prioridade, de modo a obter a tutela efectiva e em tempo útil contra ameaças ou violações desses direitos».

  2. Trata-se de uma tutela jurisdicional reforçada, visando reforçar a posição do cidadão como sujeito de direitos e liberdades e colocar o próprio direito processual administrativo a garantir os direitos fundamentais.

  3. Os pressupostos da adoção deste meio processual autónomo são: – Necessidade de emissão urgente de uma decisão de fundo, que seja indispensável para proteção de um direito, liberdade ou garantia; - Que o pedido se refira à imposição duma conduta positiva, ou negativa, à Administração ou aos particulares; - Que não seja possível, ou suficiente, o decretamento provisório de providência cautelar no âmbito de ação administrativa normal.

  4. O legislador constitucional quis colocar o acento tónico das suas preocupações nos direitos, liberdades e garantias de natureza pessoal, independentemente de estes serem ou não fundamentais serem ou não análogos pelo que, sob pena de se cair numa interpretação inconstitucional do art.º 109.º do CPTA, não se poderá limitar a utilização desta via processual apenas aos direitos fundamentais ou análogos.

  5. Qualificando o próprio art.º 26.º/1 da CRP como direito pessoal fundamental o direito ao desenvolvimento da personalidade, não dando qualquer indicação do seu conteúdo, legitima a possibilidade do direito de acesso e frequência do ensino superior poder ser aí integrado e, portanto, defendido através do processo previsto no art.º 109.º do CPTA.

  6. O recorrente invocou perante o Tribunal recorrido que constitui objeto da ação o seu exercício, em tempo útil, do direito fundamental à educação e ao ensino (artigos 73.º e 74.º, da CRP, e na lei ordinária, entre outros o artigo 1.º da Lei de Bases do Sistema EducativoLei n.º 46/86, na sua redação atual), contra a recusa pela FMUC e UC em permitirem a sua inscrição no 4.º ano do mestrado integrado de medicina.

  7. Invocou também que a lesão do seu direito, concretizada na não permissão pelas recorridas da sua inscrição no 4.º ano do mestrado integrado de medicina, está em curso.

  8. Como ainda que o decretamento provisório, nos termos do artigo 110-A, n.º 2, do CPTA, outrossim, por identidade de razão, a própria tutela cautelar, é no caso insuficiente e assim inadequada à salvaguarda do exercício do direito fundamental em crise, porquanto esse exercício, projetando-se e efetivando-se ao longo do tempo, assim em cada um dos dias em que, quer durante o presente ano letivo quer nos posteriores, se nega ao recorrente o seu exercício efetivo, não é passível de ser reparado de modo retroativo, ou seja recriando as condições que ocorreram anteriormente, de modo a permitir que nessas pudesse desenvolver efetivamente o seu direito à educação, 10ª Pois que mesmo que venha a ser decretada provisoriamente a providência cautelar (artigo 110.º-A, n.º 2, do CPTA), podendo com isso vir a aceder provisoriamente ao 4.º ano do mestrado integrado de medicina, tal não se traduzirá, efetivamente, em garantir a plena efetividade do exercício dos direitos consequentes, assim para além do mais quanto a quaisquer atos que venha a praticar, incluindo avaliações e sua repercussão no prosseguimento regular do curso.

  9. A decisão recorrida não teve em devida atenção as caraterísticas concretas do caso, sendo que devem ser estas aquelas que deverão servir de mote para o julgador verificar da adequação ou não do meio processual utilizado, assim no que ao caso importa da ação de intimação para a defesa de direitos, liberdades e garantias, 12ª Situações que se têm como similares à do aqui recorrente, ou seja em que estava em causa também o direito à educação, mereceram resposta positiva na Jurisprudência quanto à adequação do meio processual que foi utilizado, para além de outros no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 30 de maio de 2013, em que estava também em causa a célere e efetiva tutela judicial do direito de acesso ao ensino superior e nomeadamente o ver-se definido o alcance de lei específica, assim se essa seria ou não aplicável.

  10. Trata-se de questão que se tem de resolver de modo célere e que, por isso, a sua resolução não pode ser alcançada satisfatoriamente através de uma medida cautelar antecipatória, isto porque se houver convolação desta intimação numa providência cautelar poderá suceder o seguinte: - se a medida cautelar for deferida e, a final, o direito reclamado não for reconhecido o requerente irá frequentar o curso de medicina por vários anos e, no limite, licenciar-se mas sem qualquer proveito pois que, com a declaração de que o acesso ao 4.º ano do curso foi irregular, vê perdidos esse e os anos seguintes e terá de refazer a sua vida académica...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT