Acórdão nº 00686/20.0BEPRT de Tribunal Central Administrativo Norte, 15 de Julho de 2020

Magistrado ResponsávelHelena Ribeiro
Data da Resolução15 de Julho de 2020
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam os juízes desembargadores do Tribunal Central Administrativo Norte I – RELATÓRIO: 1.1.

S.

, casada, contribuinte fiscal (...), residente na Rua (...), (…), (…) em (…), moveu contra o MINISTÉRIO DA JUSTIÇA a presente providência cautelar, pedindo a suspensão de eficácia do despacho do Secretário de Estado Adjunto e da Justiça de 13 de janeiro de 2020 que, com delegação de competências, manteve a decisão do Diretor-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais que, no âmbito do processo disciplinar D/2019/8, lhe aplicou a pena de demissão.

Alegou, para tanto, em suma, quanto ao fumus boni iuris que o despacho do Secretário de Estado Adjunto e da Justiça que aplicou a pena de demissão e em cuja fundamentação invoca o artigo 297º da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, não lhe permite, de forma clara, entender a fundamentação do ato, por não estar integrado em nenhuma das alíneas do normativo; Mais alegou, que o despacho do Secretário de Estado Adjunto e da Justiça invoca doutrina e jurisprudência que não tinham sido invocados pelo ato de primeiro grau – a decisão do Sr. Direito-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais; E que a pena aplicada é desproporcionada e violadora do princípio da imparcialidade, do in dubia pra rea e da presunção de inocência, porquanto a Administração fez uma incorreta livre apreciação da prova, não ponderando todas as circunstâncias, mormente que se tratou de um ato isolado, praticado em circunstâncias anómalas do estado de saúde e condições psíquicas da Requerente; Quanto ao periculum in mora alegou que sendo o seu agregado familiar composto por si, pelo seu marido e filha menor de ambos, as despesas do agregado familiar eram sobretudo suportadas pelo seu rendimento uma vez que o seu marido aufere € 1.123,59, não dispondo de quaisquer outros rendimentos e necessita fazer face às despesas com o centro de estudos e passe da menor; consumos de eletricidade, gás natural e água; quotas de condomínio; serviços de telecomunicações; despesas médicas da filha menor; despesas médicas e medicamentosas da Requerente e as despesas correntes de alimentação, vestuário e transportes, despesas a que acresce a perda da ADSE. A privação do vencimento durante a pendência da ação principal constitui um dano irreversível, uma vez que coloca em risco a satisfação das suas necessidades pessoais mais elementares e as do seu agregado familiar, na medida em que o rendimento disponível para cada um dos membros do agregado familiar não atinge sequer 50% do salário mínimo nacional; Alegou, no que respeita à ponderação dos interesses, que não se verifica a existência de qualquer interesse público qualificado, específico e concreto, atenta a situação económico-financeira e social em que ficará se não vir decretada suspensão de eficácia do ato que lhe aplicou a pena de demissão, não podendo haver dúvidas que o interesse prevalecente é o seu, tanto mais que o seu regresso ao serviço não implicará o exercício das mesmas funções, nem o local onde os factos ocorreram (Estabelecimento Prisional do (...)), pois regressará ao “Centro Educativo S.” onde se encontrava até ao passado dia 23/1/2020.

*1.2.

O Ministério da Justiça apresentou resolução fundamentada.

*1.3.

O Ministério da Justiça deduziu oposição alegando, em suma, não estarem preenchidos os requisitos do decretamento da providência cautelar requerida.

Quanto ao fumus boni iuris aduziu, em suma, que no caso em apreço, basta uma apreciação meramente perfunctória e sumária das concretas ilegalidades e vícios invocados pela Requerente, para se considerar que não se encontra demonstrado o caráter bem fundado da pretensão que pretende fazer valer no processo principal; O mesmo quanto ao periculum in mora, uma vez que os factos alegados não satisfazem a exigência derivada do ónus da prova do mesmo, da sua responsabilidade, não permitindo perspetivar a criação de uma situação de impossibilidade da restauração natural da sua esfera jurídica, no caso de o processo principal vir a ser julgado procedente; No que respeita à ponderação de interesses alegou que as repercussões de tal suspensão seriam não apenas uma grave causa de perturbação no funcionamento da instituição, pondo em causa a imagem e prestígio da administração penitenciária, mas também, um fator de destabilização do próprio ambiente prisional pela generalização no seu interior que tais comportamentos não são suficientemente graves e mereçam a devida censura.

*1.4.

Proferiu-se despacho no qual se dispensou a requerida produção de prova testemunhal, considerando-se que a prova documental já constante dos autos e do processo administrativo é bastante, indeferindo-se, nos termos do artigo 118º, n.ºs 1 e 5 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, o requerimento probatório apresentado pela Requerente; fixou-se o valor da ação em € 30 000, 01 (trinta mil euros e um cêntimo); considerou-se a ação regularmente proposta contra o Ministério da Justiça e decidiu-se que as questões da “intempestividade” e da “inimpugnabilidade”, enquanto circunstâncias que obstam à apreciação do mérito da ação principal, serão apreciadas aquando da apreciação do fumus bani iuris.

*1.5.

O TAF do Porto proferiu sentença que julgou a improcedente a providência cautelar requerida a qual consta do seguinte segmento decisório: «Em face do exposto, julga-se a presente ação cautelar improcedente.

Custas pela Requerente, sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficia.

Registe e notifique.» 1.6.

Inconformada com a sentença proferida, a requerente interpôs a presente apelação formulando as seguintes conclusões: «I.

O presente recurso vem interposto da sentença que julgou improcedente a providência cautelar de suspensão da eficácia da Decisão do Sr. Secretário de Estado Adjunto e da Justiça de 13 de Janeiro de 2020 que, com delegação de competências, manteve a Decisão do Director-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais que, no âmbito do processo disciplinar D/2019/8, aplicou à recorrente a pena de demissão.

II.

Decisão que foi aplicada por, no dia 02 de Outubro de 2018, a recorrente alegadamente ter entrado no Estabelecimento Prisional do (...), onde exercia as funções de Técnica Superior de Reeducação, trazendo junto à coxa esquerda um aparelho portátil telefónico.

III.

A sentença proferida refere que “não se nos afigura que a pretensão da Requerente venha a ser julgada procedente nos autos principais” concluindo pela improcedência do peticionado por ausência de fumus boni iuris.

IV.

Padecendo de erro e contradição na apreciação da matéria de facto que dá como provada, desconsiderando os Princípios da Proporcionalidade e Adequação previstos no artigo 120.º, n.º 1 do CPTA.

V.

O Tribunal a quo não se debruçou concretamente sobre os fundamentos do “periculum in mora” e apesar dos factos provados constantes dos itens 11, 12, 13, 14, 15, 16 e 17 é inquestionável que, no caso concreto, a aplicação da pena de demissão, ainda que venha a ser revertida, leva a que a recorrente deixe de receber o seu vencimento na totalidade.

VI.

Só esse facto é potenciador de se poder concluir que se verifica este pressuposto, de uma situação de facto consumado, sem necessidade de quaisquer outras considerações, pois terá de viver num determinado período de tempo sem contar com o seu vencimento, tendo de se socorrer necessariamente da ajuda de terceiro.

VII.

Os danos que o não decretamento da providência cautelar causarão à requerente serão de difícil reparação, de uma forma muito objectiva.

VIII.

Não obstante tenha sido requerida pela recorrente a produção de prova testemunhal, o Tribunal a quo indeferiu na sentença proferida o requerimento probatório apresentado.

IX.

A sentença proferida compõe-se por setenta e nove páginas, das quais cinquenta são “copy paste” da decisão final do Sr. Diretor Geral de Reinserção e Serviços Prisionais e do Despacho do Sr. Secretário de Estado Adjunto e da Justiça.

X.

O Tribunal a quo limitou-se a analisar o processo disciplinar e a dar como provado todo o aí exposto, decidindo apenas e só com base nas provas e alegações produzidas pelo requerido e valorizando somente essas mesmas provas.

XI.

Não tendo usado qualquer poder sindicante, como lhe competia.

XII.

Só com a produção integral da prova é que se poderia julgar no sentido decidido pela sentença recorrida quanto à falta do requisito do fumus non maius iuris.

XIII.

A sentença padece pois de nulidade por falta de inquirição das testemunhas arroladas pela recorrente e por falta de despacho a dispensar essa inquirição, nulidade que expressamente se invoca e arguiu.

XIV.

Pelo que, deverá ser a sentença anulada oficiosamente — cfr. artigo 662.º do CPC e artigo 2.º, alínea e) do CPPT.

XV.

A recorrente alegou que a não suspensão do acto implicará para si prejuízos irreparáveis, visto que a perda total da remuneração que vinha auferindo a privará dos meios de subsistência pessoal e familiar, acarretando o incumprimento de obrigações básicas e essenciais, como encargos todos elencados e dados como provados.

XVI.

A recorrente não tem outros recursos financeiros além dos proventos do seu trabalho.

XVII.

Padece de diversos problemas de saúde, que a obrigam a constante acompanhamento médico e implicam que tenha que suportar diversas despesas de saúde – ponto 16 dos factos provados.

XVIII.

À recorrente foi aplicada a pena máxima (de demissão, nos termos do artigo 180.º da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas), que é passível de, numa análise perfunctória, ser considerada como violadora do Princípio da Proporcionalidade.

XIX.

Não sendo inequívoco que a infração praticada implique uma quebra de confiança tal que impeça de forma manifesta a manutenção da relação funcional, atento o percurso profissional da recorrente.

XX. A sua conduta anterior e posterior à infração.

XXI.

Praticada num momento difícil da sua vida, em que atravessava diversos problemas de saúde e tomava diversa medicação que lhe toldava o discernimento.

XXII.

O dia da prática dos factos tem...

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