Acórdão nº 01558/06.6BEPRT de Tribunal Central Administrativo Norte, 03 de Julho de 2020

Magistrado ResponsávelMaria Fernanda Antunes Aparício Duarte Brandão
Data da Resolução03 de Julho de 2020
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam, em conferência, na secção de contencioso administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: RELATÓRIO R., Ld.ª, com sede na Rua (…), propôs acção administrativa comum, com processo ordinário contra o Estado Português, representado pelo Magistrado do Ministério Público, pedindo a condenação deste a cumprir o contrato administrativo e, por via disso, a pagar-lhe os quantitativos de restituição à produção e que ascendem a € 54.400,47, bem como uma indemnização em montante a apurar em sede de execução de sentença.

Pediu, ainda, a título subsidiário, que o Réu seja condenado a pagar-lhe indemnização, em virtude de responsabilidade civil extracontratual por acto ilícito, derivada da violação do artº 177º do Tratado de Roma, em quantia que deve ser determinada em execução de sentença.

Por sentença proferida pelo TAF do Porto foi julgada improcedente a acção e absolvido dos pedidos o Réu.

Desta vem interposto recurso.

Alegando, a Autora formulou (agora) as seguintes conclusões: 1. A sentença recorrida fez incorrectas interpretação e aplicação, violando-as, das normas ínsitas nos artºs 1º, 2º 3º, 4º, 5º, 6º, 7º, 8º, e 9º do Regulamento (CEE) nº 1963/79 da Comissão e dos artºs 1º e 2º do 8º nº 1 e 2 Regulamento (CEE) do Conselho nº .º 591/79 do Conselho ( alterado pelo Regulamento (CEE) Nº 2903/89 do Conselho de 25 de Setembro de 1989 ) , do artº 9º nº 1 do D.L. 129/84, de 27-4., do artº 2º nº 1 – al. n) e o ) do Dec. Lei nº 266/86.

  1. A sentença recorrida violou as sobreditas normas.

  2. Entre a A. e o IPCP foi celebrado um contrato administrativo de atribuição de subsídio à produção.

  3. Contrato esse que se baseou no mútuo consenso e na correspectividade de obrigações assumidas pelos dois contraentes.

  4. A A. obrigou-se, perante o IPCP, a cumprir os requisitos previstos no Regulamento n.º 591/79 do Conselho, que institui o regime jurídico de restituição à produção, e obrigou-se a possuir contabilidade de matérias diariamente, com os seguintes elementos: - quantidade de azeite discriminada segundo a origem, e a apresentação de entrada em cada uma das fábricas; - quantidade de azeite discriminado seguindo a origem, utilizado efectivamente no fabrico das conservas; - para cada lote de azeite entrado na fábrica, o número de factura de compra e o boletim de recepção; - peso líquido das conservas produzidas com indicação para cada tipo de fabrico do peso médio utilizado; -formulação de pedido de controlo do azeite antes da data prevista para o início de fabrico.

  5. Por sua vez, o IPCP obrigou-se, em contrapartida e como correspectividade dessas obrigações da A., a verificar: - a regularidade da contabilidade das matérias gordas; - que o azeite indicado no pedido de controlo se encontrava na fábrica na altura da apresentação desse mesmo pedido; e - a contabilidade de matérias gordas.

  6. O IPCP obrigou-se, ainda, a conceder o benefício de restituição à produção, mediante o pagamento do valor correspondente, à A. caso essa cumprisse com as obrigações anteriormente indicadas.

  7. Esta contrapartida e correspectividade das prestações está provada na al. Q) dos factos assentes.

  8. A sentença recorrida qualificou incorrectamente os factos provados, recusando a existência de contrato administrativo celebrado entre a A. e o IPCP.

  9. A sentença recorrida considerou incorrectamente que entre o IPCP e a A. não foi celebrado um contrato administrativo.

  10. Contra o que decidiu a sentença recorrida as normas comunitárias que regulamentam a questão não são atributivas de um direito subjectivo, necessitando de uma concretização de mútuo consenso entre a A. e o IPCP.

  11. Contra o que decidiu a sentença recorrida o dano infligido à A. foi praticado por órgão administrativo (instituto público – o IPCP) do Estado-membro (República Portuguesa).

  12. O benefício de restituição à produção é uma ajuda do Estado português conferida à A., ainda que regulada por disposições comunitárias.

  13. Foi o Estado Português, através do IPCP, quem atribuiu e concedeu o benefício de restituição à produção à A., peticionado na acção.

  14. O Estado Português (IPCP) contratou com a A., em nome próprio e não em representação ou como núncio da Comunidade Europeia.

  15. Tanto assim é que a Autora teve que emitir garantia bancária em nome do IPCP para garantir o bom cumprimento das suas obrigações contratuais, relativas à restituição à produção- Doc. junto aos autos em 9.6.2011 –registo 252951.

  16. O que sucedeu por imposição contratual do IPCP, e que não era exigido pelas instituições comunitárias.

  17. Uma vez que é o Estado Português, mediante as atribuições legais atribuídas ao IPCP, que tem poderes para conceder o benefício de restituição à produção à A. e para exigir o cumprimento dos requisitos previstos para atribuição daquele benefício.

  18. Entre o IPCP e a A. foi estabelecida uma verdadeira relação contratual sujeita à jurisdição administrativa, em que o IPCP assume a posição de contraente público e garante do interesse público.

  19. O direito ao recebimento da restituição à produção foi reconhecido à A., única e exclusivamente, pelo IPCP através de contrato administrativo de atribuição.

  20. O direito a esse recebimento foi criado exclusivamente pelas obrigações assumidas pela A. perante o IPCP e pelo cumprimento pontual e integral dessas obrigações, e não constitui um direito subjectivo.

  21. Os factos provados demonstram a existência de um acordo de vontades entre a A. e o IPCP, cuja qualificação jurídica é a de um verdadeiro contrato administrativo.

  22. Entre as partes foi ajustada a criação, modificação e extinção de uma relação jurídico-administrativa, definição consagrada no artº 178º do Cod. Proc. Adm. e que, aliás, era a que já decorria do artº 9º nº 1 do D.L. 129/84, de 27-4., que o revogou 24. O contrato administrativo pressupõe a existência de dois elementos: o acordo bilateral de vontades e o acordo gerador de uma relação jurídico-administrativa, através da qual se constitua, modifique ou se extinga um vínculo contratual.

  23. No caso vertente, ocorreu a celebração de um contrato administrativo inominado (sendo certo que, como é sabido, a enumeração constante do nº 2 do artº 9º do D.L.129/84 - e do artº 178º do primeiro CPA - não é taxativa).

  24. Contrato administrativo esse que é de atribuição, porque tem por causa-função a atribuição de certos benefícios aos particulares, em vista de uma certa actividade que interessa ao contraente público.

  25. Ao contrário do decidido na sentença recorrida, o IPCP reconheceu à A., através de contrato administrativo de atribuição, o direito ao benefício de restituição à produção, obrigando-se perante a A. em efectuar o correspondente pagamento sempre que a esta respeitasse as obrigações assumidas, em concordância com o disposto no regulamento da CEE.

  26. A sentença recorrida deveria ter considerado o facto provado na – al.. Q) dos factos assentes que prova que o IPCP assumiu a contrapartida e correspectividades das prestações e contraprestações ajustadas com a A..

  27. Ao contrário do decidido na sentença recorrida a A. não poderia, por si só, exigir, ao IPCP, enquanto intermediário da CEE, o benefício da restituição à produção, pois este benefício, só é atribuído pelo IPCP se através da conciliação de vontades conflituantes.

  28. A sentença recorrida violou o artº 9º nº 1 do D.L. 129/84, de 27-4., ao não reconhecer a existência de tal contrato administrativo, tendo em conta os factos provados.

  29. Ao contrário do que refere a sentença proferida, o Regulamento n.º 591/79 do Conselho não atribuiu um direito subjectivo à A .

  30. Aquele regulamento limitou-se a estipular, de forma genérica e abstracta, o regime jurídico de restituição à produção.

  31. A restituição à produção foi conferida pelo IPCP à A., através de contrato administrativo de atribuição com respeito pelo regime jurídico especificamente previsto no Regulamento n.º 591/79 do Conselho.

  32. Pelo que, o IPCP não exerceu apenas um papel mediador entre a CEE e à A., exercendo verdadeiras funções de fiscalização e de “organismo pagador”, com iniciativa e ampla discricionariedade e auto-vinculação contratual.

  33. Se dúvidas houvessem na aplicação deste entendimento contratual do acordo ocorrido entre a A. e o IPCP - o que não se admite -, sempre seria necessário proceder previamente ao reenvio prejudicial para o Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias, nos termos do art. 177.º do Tratado de Roma (versão originária).

  34. Não o tendo feito, o tribunal a quo ocorreu em violação do direito comunitário.

  35. Não obstante, a A. ter cumprido com todas as obrigações contratualmente assumidas, no que respeita à importação de azeite nos meses de Dezembro de 1988 e Janeiro e Fevereiro de 1989, o IPCP não cumpriu com as suas obrigações, recusando o pagamento à A. da restituição à produção a que estava contratualmente adstrito.

  36. O incumprimento contratual deve-se única e exclusivamente ao IPCP.

  37. Desde que a A. contratou com o IPCP, no âmbito do sistema de restituição à produção (Regulamento nº 519/79/CER) que o IPCP sempre afirmou à A. que a restituição à produção vigorava para todos os azeites importados, independentemente da sua origem.

  38. Desde meados de 1988, o IPCP tinha conhecimento de que a A. importava azeite de Espanha sob o regime de aperfeiçoamento activo e solicitava, ao mesmo tempo, a restituição à produção desse mesmo azeite.

  39. No entanto, só em 16 de Março de 1989, o IPCP procedeu à suspensão - que posteriormente se tornou definitiva - do pagamento correspondente à restituição à produção relativo ao azeite importado de Espanha.

  40. Se o IPCP tivesse comunicado atempadamente que não iria pagar a restituição à produção em relação ao azeite importado de Espanha, a A. nunca teria comprado aquele azeite.

  41. O IPCP, no momento da celebração do contrato em crise, informou a A. de que a restituição à produção vigorava para todos os azeites utilizados no fabrico de conservas de peixe, independentemente do seu país de origem.

  42. Desta forma, a A. importou azeite de Espanha com o único propósito de...

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