Acórdão nº 00710/14.5BECBR de Tribunal Central Administrativo Norte, 03 de Julho de 2020

Magistrado ResponsávelLuís Migueis Garcia
Data da Resolução03 de Julho de 2020
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam em conferência os Juízes Desembargadores que compõem a Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: C.

e esposa M.

(…), co-autores (1os autores) na presente acção que intentaram com L. e esposa M. (1os autores; com recurso não admitido), interpõem recurso jurisdicional de decisão do TAF de Coimbra, que julgou procedente excepção de prescrição do direito de indemnização, absolvendo o réu Município de (...) dos pedidos.

Os recorrentes, sob conclusões de recurso, apontam: 1. O presente Recurso tem como objeto a reapreciação da matéria de facto dada como provada e a matéria de facto dada como não provada, ou seja, os pontos de facto que os recorrentes consideram incorretamente julgados e o enquadramento jurídico desse quadro factual dado como provado, bem como a incorreta aplicação da Lei Civil, da Lei Administrativa e da Constituição da República Portuguesa, especialmente no que concerne à decisão da procedência da Prescrição.

  1. Foi deduzido articulado superveniente, antes da última sessão de julgamento.

    O Tribunal não admitiu tal articulado. No entanto, o articulado em causa era acompanhado de documentos importantes, que não foram impugnados pelos Autores, designadamente, as certidões emitidas pela Câmara Municipal de (...) e outros documentos, que constituem os doc.s nºs 3º, 5º, 6º, 7º e 8º.

  2. Assim deveria ter sido dado como provado, a seguir ao ponto sétimo, um outro ponto 7ºA no qual se “desse como reproduzido para todos os efeitos legais o teor dos documentos juntos pelo Município Réu, sob os doc.s nºs 3, 5, 6, 7 e 8, juntos com o articulado superveniente, bem como o extrato da ata, relativo à deliberação camarária tomada em sessão da Câmara Municipal de 19 de Março de 2019, que declarou a caducidade do alvará de loteamento nº 2/1978, de C., no qual se inserem os lotes 8 e 9 dos Autores, com a consequente cassação do alvará.

  3. Daqui resulta o reconhecimento inequívoco, por parte do Município, que os Autores, ora recorrentes, são donos e legítimos possuidores dos prédios identificados nos documentos juntos sob os nºs 5 a 8, com as áreas de 608m2 e 445,5m2, respetivamente, e que a declarada caducidade do alvará de loteamento 2/1978 não beliscava a capacidade construtiva desses prédios urbanos dos ditos Autores (art.7º do aludido Articulado Superveniente).

  4. A apreciação de tais documentos e sua aceitação, só por si, alterariam completamente a decisão tomada pelo Tribunal, até porque o Réu, através destes documentos, acabou por reconhecer o direito invocado pelos Autores. Também, não obstante a oposição à junção por parte do Mandatário do Município, devia ter sido deferido, o requerimento de junção de um levantamento topográfico da implantação dos lotes dos Autores, apresentado na última sessão de julgamento, que agora se junta sob o doc. nº 1, onde por manifesto lapso de escrita se identificaram os lotes como 9 e 10, quando o que se pretendia escrever era 8 e 9.

  5. Não aceitando a junção desse documento importante, para definição da área ocupada, o Tribunal não julgou correta e adequadamente, até porque às áreas ocupadas constantes do documento são algo inferiores, às aludidas pelos Autores.

  6. Dos depoimentos prestados por todas as testemunhas em geral e de uma forma mais rigorosa pelas testemunhas, A., J. e A., as duas primeiras arroladas pelos Autores e última pelo Réu, há que concluir, que a estrada em causa nos presentes autos, em terra batida, foi construída no ano da realização da FICABEIRA LUSÓFONA, que se realizou em 1989, e não em 1988 como resulta de uma simples consulta ao Portal da Câmara Municipal de (...) ou através do Google. É a própria testemunha, A., que abriu a estrada e que o refere claramente a instâncias do mandatário do Réu, e que consta do sistema de gravação- Faixa /Ficheiro Gravação Audiências 13-05-2019 10-48-41.wma com início às 10:48:50 e conclusão às 11:29:51, minutos 03:31 a 03:52 e minutos 28:25 a 29:40, conforme depoimento transcrito a fls. 8,9,10 destas alegações.

  7. Mais se concluiu, desses três depoimentos, que a estrada em causa foi sendo alargada e melhorada ao longo do tempo, sofrendo diversas intervenções, desde o saneamento, na década de 1990 a 2000 e um primeiro alcatroamento na parte final dessa década, segundo alcatroamento, alargamento e melhoramento da estrada em 2012, e alargamentos projetados sobre os terrenos dos Autores nos últimos 5 anos, por força da queda de muros de suporte de terra, que existem na parte superior da estrada, a nascente, bem como a colocação de tampas novas do saneamento, que levou à colocação de novas cargas de alcatrão. Tais factos resultam do depoimento das testemunhas: -A.: Que consta do sistema de gravação- Faixa /Ficheiro GravacaoAudiencias 13-05-2019 10-48-41.wma com início às 10:48:50 e conclusão às 11:29:51, minutos 35:48 a 37:05 e minutos 37:54 a 38:55, conforme depoimento transcrito a fls. 11 e 12 destas alegações.

    -A.: Que consta do sistema de gravação – Faixa/Ficheiro GravacaoAudiencias 15-03-2019 – 10-19-00.wma com início às 11.37h, minutos 01:16:09 a 01:16:23, minutos 01:17:00 a 01:17:08, minutos 01:18:37 a 01:19:56, minutos 01:22:55 a 01:29:13, minutos 01:31:54 a 01:32:42, minutos 01:39:56 a 01:40:21, minutos 01:41:25 a 01:43:10 e minutos 01:47:03 a 01:47:54, conforme depoimento transcrito a fls. 13 a 20 destas alegações.

    -J.: Que consta do sistema de gravação- Faixa/Ficheiro GravacaoAudiencias 15-03-2019 – 10-19-00wma, minutos 02:17:18 a 02:18:23, minutos 02:18:44 a 02:21:09, minutos 02:21:30 a 02:23:12 , minutos 02:23:57 a 02:25:00 e minutos 02:35:23 a 02:36:46, conforme depoimento transcrito a fls. 21 a 26 destas alegações.

  8. Da análise desses depoimentos, que se encontram gravados, relativos à localização dos lotes amputados, da área de construção reconhecida pelo Município através de certidões emitidas e juntas aos autos, do potencial construtivo, referido nessas certidões, do pagamento em espécie feito aos donos do lote totalmente amputado, na base de 50 Euros por m2, concluiu-se que o Tribunal tinha elementos e prova bastante, tanto testemunhal, como documental, para aferir o valor de mercado por cada m2 dos lotes em causa, nunca inferior a 50 Euros por cada m2 amputado pela estrada.

  9. Por outro lado, ficando o lote nº9, pertencente aos Autores, C. e mulher, reduzido a cerca de metade e com uma configuração praticamente em cone, como as fotografias do local juntas aos autos revelam e inclusive o desenho de fls. 10 da Sentença e o próprio levantamento topográfico em consonância com esse desenho, dúvidas não restam que o potencial edificativo do terreno retangular sobrante é praticamente nulo, após cumpridos os afastamentos da via, exigidos por lei.

  10. Assim, face à conjugação de tais depoimentos e prova documental aludida e junta aos autos, o Tribunal de primeira instância devia ter dado como provados os factos elencados nas alíneas b), c), d) , e) e f) dos factos dados como não provados, a fls. 14 e 15 da Sentença recorrida.

  11. Basta atentar nos depoimentos das testemunhas A., constante do sistema de gravação- Faixa/Ficheiro GravacaoAudiencias 15-03-2019 10-19- 00.wma, com início às 11:37H, minutos 01:24:37 a 01:29:13, conforme depoimento transcrito a fls. 13 a 20 e 28 a 31 destas alegações, A., constante do sistema de gravação- Faixa /Ficheiro GravacaoAudiencias 13-05-2019 10-48-41.wma com início às 10:48:50 e conclusão às 11:29:51, minutos 35:48 a 37:05 e minutos 37:54 a 38:55, conforme depoimento transcrito a fls. 11 e 12 destas alegações, J. constante do sistema de gravação- Faixa/Ficheiro GravacaoAudiencias 15-03-2019 – 10-19-00wma, minutos 02:17:18 a 02:18:23, minutos 02:18:44 a 02:21:09, minutos 02:21:30 a 02:23:12 , minutos 02:23:57 a 02:25:00 e minutos 02:35:23 a 02:36:46, conforme depoimento transcrito a fls. 21 a 26 destas alegações.

  12. Os Autores, como fundamento da sua pretensão à indemnização relativa ao valor e desvalorização das faixas de terreno ocupadas pelo Município com a abertura de uma estrada e com sucessivas intervenções, ao longo dos anos, com alcatroamento, alargamento e incorporação de infraestruturas de saneamento, arrogam-se legítimos donos e possuidores, de um lote de 608 m2, o primeiro casal e 445,50 m2, o segundo casal, devidamente inscritos na matriz e registados na conservatória do registo predial, tal como é reconhecido na douta sentença, objeto do presente Recurso.

  13. Os Autores, ora recorrentes também só após o desenvolvimento e conclusão do processo judicial, que correu termos no Tribunal de Arganil, foi possível apurar as áreas invadidas e ocupadas ilicitamente pelo Município de (...) e apurar que em 2001, os titulares do lote que confinava com o dos Segundos Autores, junto à larguíssima curvatura da estrada, haviam sido indemnizados pelo Município, à razão de 50 Euros por m2, através de permuta do lote ocupado pela estrada com um outro lote numa zona residencial de Arganil.

  14. A contagem do prazo da prescrição do direito à indemnização, só pode ser iniciada a partir do momento em que todos os Autores têm consciência plena de que o Município de (...), ora recorrido, violou o seu direito de propriedade, amputando o seu terreno, com a abertura e sucessivas intervenções na estrada, sendo certo, que os Segundos Autores só tiveram conhecimento e consciência total em Fevereiro de 2013, no momento em que ficaram devidamente esclarecidos da sua falta de razão, relativamente aos limites do seu lote, ficando com a convicção que afinal a parte que estavam a ocupar não lhes pertencia e o Município é que lhes usurpara esse terreno com a abertura e sucessivas intervenções de alargamento e alcatroamento da estrada.

  15. Por outro lado, a infração praticada, pelo Município de (...), ao entrar de má-fé em terrenos que não lhe pertenciam, abrindo em 1989 uma estrada em terra batida em parte destes lotes, de um loteamento aprovado pela mesma autarquia, cujo alvará foi renovado na sua validade e prosseguindo com intervenções de saneamento e...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT