Acórdão nº 02292/10.8BEPRT de Tribunal Central Administrativo Norte, 02 de Julho de 2020

Magistrado ResponsávelPaula Moura Teixeira
Data da Resolução02 de Julho de 2020
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte: 1. RELATÓRIO A Recorrente, Autoridade Tributária e Aduaneira interpôs recurso da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, nos embargos de terceiro intentados por L.

contra o ato de penhora, efetuada no âmbito da execução fiscal nº 1783200801071521 e apensos que o Serviço de Finanças de (...) 1 move contra a sociedade A., Lda., que incidiu sobre a fração autónoma, tipo T3, designada pela letra “R”.

A Recorrente interpôs recurso jurisdicional da sentença que julgou procedente os embargos de terceiro, pelo que formulou nas respetivas alegações as seguintes conclusões que se reproduzem: “(…) A. Vem o presente recurso interposto da douta sentença que julgou procedentes os embargos deduzidos contra a penhora, requerida e registada em 31.03.2010, da fração do prédio urbano em regime de propriedade horizontal destinado a habitação sito em (...), (...), correspondente a uma habitação de tipologia T3 no bloco 2, segundo andar esquerdo, e sua afetação aos fins do processo de execução fiscal onde foi ordenada, que corre termos no Serviço de Finanças de (...)-1.

B. Decidiu a final o Tribunal a quo pela procedência dos embargos declarando, sustentado nos factos que deu como provados, designadamente o pagamento do preço e que, com a celebração do contrato-promessa de 17.07.2002, a embargante teria entrado na posse pública, pacífica e contínua do imóvel em questão, na medida em que dele teria passado a ser proprietária, aí mantendo o seu domicílio e vivendo com a sua família, pagando as despesas de condomínio, gás, luz e água, aguardando que estivessem reunidas condições para a celebração da escritura pública do contrato prometido, que tais atos corresponderiam ao exercício do direito de propriedade por parte da embargante e que a posição jurídica da promitente-compradora preencheria todos os requisitos de uma verdadeira posse.

C. Com a ressalva do sempre devido respeito, não pode a Fazenda Pública conformar-se com o assim doutamente decidido, por entender estar afetado de erro de julgamento de facto e de direito, já que a douta sentença selecionou de modo erróneo e insuficiente a factualidade da prova produzida, da qual cumpria fazer a adequada qualificação jurídica, erro que a Fazenda Pública, em cumprimento do disposto no art. 640° do CPC, aplicável por via da al. e) do art. 2° do CPPT, identificou, nos pontos 10. a 13. do desenvolvimento destas alegações.

D. A Fazenda Pública propugnou, naqueles pontos, que deve ser dado como provado o registo predial, em 05.11.2010, do reconhecimento, por decisão judicial, da existência e da titularidade do direito de propriedade desse imóvel em nome da embargante, o acréscimo à matéria de facto provada do segundo o qual o promitente-vendedor, por sua vez, tinha celebrado, em 08.07.1995, contrato-promessa de compra e venda no qual ficou estipulado que este receberia em pagamento da venda de um seu terreno rústico, entretanto convertido em urbano, entre outras, a fração penhorada, e eliminando da matéria de facto provada o ponto em que se considera provado que com a assinatura do contrato promessa de compra e venda supra descrito o promitente vendedor tenha recebido da embargante, na íntegra, a quantia relativa ao preço global da fração prometida no valor de € 75.000,00.

E. Desde logo a sentença recorrida evidencia a inapropriada valoração do contrato-promessa celebrado em 17.07.2002, porquanto este documento, por si só, não prova o pagamento da totalidade do preço aquando da sua celebração.

F. Sucede que tal contrato-promessa é um escrito particular, que, não tendo as assinaturas dos contratantes reconhecidas, não é mais do que um documento em que intervieram os próprios interessados, o qual não basta para que se declare que “se mostra alegado e provado o pagamento da totalidade do preço” (sublinhado da própria sentença).

G. Tal como assinala o acórdão proferido em 16.10.2014 no processo n° 06785/14, pelo TCA Sul, “o documento particular não prova plenamente os factos que nele sejam narrados como praticados pelos seus autores ou como objeto da sua perceção direta (art.°s 376º, nºs 1 e 2, do Código Civil – CC), e “não resulta, necessariamente, que os factos compreendidos nas declarações dele constantes se hajam de considerar provadas” louvando-se esse acórdão, especialmente, em acórdão do STJ de 09.12.2008, proc. 08A3665.

H. Para a prova desse pagamento exigiam-se meios de prova fiáveis do correspondente fluxo financeiro, como, por exemplo, os documentos relativos aos meios de pagamento utilizados, mormente se se tiver em conta que a quitação dada do pretenso pagamento integral respeita a uma quantia de € 75.000,00 que supostamente se encontraria paga (de uma vez ou parceladamente) em 17.07.2002.

I. Por outro lado, do exercício do poder de facto sobre variados modos, nos termos em que a sentença estritamente os enuncia, no ponto J) dos “Factos Provados”, e do facto de o promitente-vendedor não ser o proprietário da fração prometida vender na data de 17.07.2002, J. só se retira que a promitente compradora aqui embargante não possuía em nome próprio mas mediante tolerância do proprietário da fração, com quem nem sequer chegou a estabelecer uma obrigação mútua de contratar a compra e venda da aludida fração.

K. Constata-se, afinal, que a sentença não dá como provado qualquer facto de que, objetivamente, se possa inferir que a embargante tenha atuado como se fosse já proprietária da fração penhorada, que tenha exercido sobre variados modos os poderes de facto inerentes ao exercício de um direito de propriedade sobre a coisa de que era detentora, na convicção de que titulava esse direito.

L. E, se cotejados com os factos que a Fazenda Pública propugna que sejam alterados e aditados à factualidade que resulta provada nestes embargos, o que resulta demonstrado é que a embargante exerceu a detenção ou fruição em nome do verdadeiro possuidor, porquanto indicam que a embargante nunca teve a convicção da titularidade do direito de propriedade a adquirir pela celebração do contrato definitivo com um promitente-vendedor que também não era, à data do contrato-promessa, proprietário da fração prometida vender, e que só esteve segura desse direito quando obteve o registo da propriedade na Conservatória competente, em consequência do vencimento da ação cível onde esse direito foi reconhecido.

M. A promitente-compradora ora embargante não podia atuar, na situação em apreço, uti dominus, porque também o promitente-vendedor não o podia fazer, na medida em que, à data da promessa de compra e venda de 17.07.2002, os autos só permitem afirmar que o promitente-vendedor tinha uma mera expectativa de aquisição da fração, que lhe fora prometida vender através de um contrato promessa anterior, de 08.07.1995.

N. E revelador de que a embargante, sabendo como ninguém que a fração só lhe pertenceria (e só então agiria convicta de ser proprietária) depois de realizado o contrato translativo prometido, é a circunstância de que pendia ação cível declarativa onde se discutia a transmissão do direito de propriedade, como se constata do registo predial da fração – circunstância que se afigura incompatível com a inversão do título de posse.

O. Só a partir do registo em 05.11.2010 da decisão judicial do reconhecimento da existência e da titularidade do direito de propriedade desse imóvel em nome da embargante é que se pode fundadamente afirmar que a embargante pôde, desde então, agir com a intenção de um titular da propriedade ou de outro qualquer direito real sobre a coisa.

P. A este propósito, cabe salientar que o facto de a embargante ter passado a ocupar a fração penhorada desde 2002, ininterruptamente, com a sua família, aí mantido o seu domicílio, tomando as suas refeições, pernoitando e recebendo amigos, pagando o condomínio e contas do fornecimento de água, eletricidade e gás, só por si, é manifestamente insuficiente para provar um comportamento de possuidor causal, sustentado numa atuação “animus sibi habendi”, Q. porque a tradição do imóvel negociada no âmbito de um contrato-promessa de compra e venda, com o subsequente gozo e fruição das suas utilidades, acarreta os usuais encargos inerentes ao exercício desses poderes de facto sobre a coisa, em regra por tolerância do proprietário, mas como atos materiais nada revelam da intenção com que foram praticados, designadamente da intenção de agir como proprietária.

R. Diante das considerações supra expendidas, entende a Fazenda Pública que a sentença recorrida, no que toca à matéria de facto, não se apresenta como razoável, por que as conclusões que retira, da estreita factualidade fixada, não resultam de uma apreciação submetida a uma convicção prudente (art. 607º, nº5, do CPC), objetivada em raciocínios formulados de acordo com as regras da ciência, da lógica ou da experiência comum que nela tenham sido exteriorizados.

S. Em suma, por se concluir, da confrontação entre os meios de prova produzidos e os factos dados por provados ou não provados, segundo a configuração da matéria de facto dada como provada que...

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