Acórdão nº 00002/20.0BEMDL de Tribunal Central Administrativo Norte, 28 de Julho de 2020

Data28 Julho 2020
Órgãohttp://vlex.com/desc1/1998_01

Acordam os Juízes Desembargadores do Tribunal Central Administrativo Norte: I.RELATÓRIO 1.1.O Magistrado do Ministério Público junto do Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela, intentou ação de PERDA DE MANDATO contra M.

, residente na Rua (…), (…), (…), formulando o seguinte pedido: “Nestes termos e nos demais de direito, deve a presente ação ser julgada provada e procedente, e, em consequência, ser declarada a perda do atual mandato do R., M., como Presidente da Junta de Freguesia de (...), (…).” Alegou, para o efeito, em síntese, que o R. era dono de 1/3 indiviso do prédio urbano composto por casa de habitação de dois andares (com 89m2 de área de implantação), sito no Largo do (...), lugar de (...), (…), inscrito na matriz predial respetiva sob o artigo 160º, com o VPT de 15.204.70€, descrito e inscrito, em seu nome e dos restantes dois comproprietários – seus irmãos –, na Conservatória do Registo Predial respetiva sob o n.º 714; Que na reunião de 23.05.2019 da Junta de Freguesia de (...), estando presentes o ora Réu, M., na qualidade de Presidente, e os dois Vogais, o primeiro apresentou a proposta de deliberação de compra, pela Freguesia, do imóvel em causa, pelo preço de 7.500.00€, devendo, no ato, a Junta ser representada pelo Secretário, o que foi aprovado por unanimidade; Na sessão ordinária de 22.06.2019, sob proposta do ora Réu, Presidente da Junta, a deliberação em questão foi discutida e aprovada por unanimidade em Assembleia de Freguesia; Por escritura-pública de 03.07.2019, a Junta de Freguesia de (...), legalmente representada pelo Secretário, adquiriu, por contrato de compra-e-venda, pelo preço declarado de 7.500.00€, o imóvel em causa ao ora Réu e restantes comproprietários; Mais alegou que o R. sabia que não podia tomar parte no procedimento em causa, pois que nele era parte interessada, com os seus irmãos e que ao deliberar e votar favoravelmente, na reunião da Junta de Freguesia, a proposta de compra do imóvel em questão, o R. agiu deliberada e conscientemente, com o propósito de conseguir um benefício de cariz patrimonial para si e para os seus irmãos; Tal comportamento do R – a intervenção, no exercício das funções ou por causa delas, em procedimento administrativo relativamente ao qual se verificava impedimento legal, com vista ao seu benefício e de terceiros com laços de parentesco relevantes – constitui motivo bastante para a declaração judicial da perda de mandato (cfr, arts. 266º/2 da Constituição da República, 31º/3 e 69º/1-a) e b) do CPA, 4º-b-iv) da L-29/87, de 30/06, e 8º/2 da referida L-27/96);*1.2.

Citado, o Réu contestou, defendendo-se por impugnação, sustentando em síntese que, apesar de ter estado presente na reunião de 23.05.2019 da Junta de Freguesia de (...), na qualidade de seu Presidente, juntamente com os dois vogais, M. (secretário) e A. (tesoureira), não foi quem apresentou a proposta de deliberação e compra pela referida Freguesia do imóvel em causa; Refere que a referida aquisição foi precedida de negociações prévias que envolveram diretamente os seus irmãos, sendo que participou também em tais negociações por ser parte interessada, mas despido da função de Presidente da Junta de Freguesia; Mais alega que não participou nem votou em tal deliberação, a qual apenas foi votada pelos vogais (dois) que aí estavam presentes e que da ata não constam, mas deviam constar, tais circunstâncias, tendo assinado a ata sem disso se aperceber; Refere ainda que foi deliberado pela Junta de Freguesia delegar no seu secretário, M., a representação desta no ato de aquisição do imóvel e que do ato de aquisição em causa não resultou qualquer prejuízo para a Junta de Freguesia de (...) e que o R. nenhum enriquecimento obteve diretamente da venda do imóvel; Alegou também que Junta de Freguesia de (...), por necessidade de espaço, para balneários públicos, salão de eventos, recolha de alfaias agrícolas e armazenamento de produtos e equipamentos, os quais habitualmente se encontram dispersos, em casas privadas, nomeadamente, dos membros do executivo atuais e anteriores, entendeu resolver uma necessidade de longa data, pela população em geral ansiada, adquirindo assim um espaço para construir um edifício e suprir tais necessidades; Que para o efeito, avaliou as hipóteses existentes e percebendo que não existiam propostas alternativas viáveis entendeu que o espaço que reunia melhores condições, apesar de em parte estar em ruinas, estava dotado de infraestruturas, saneamento, água e luz e consequentemente, propôs a sua aquisição; E que, levou ainda em consideração, o fator preço, porquanto, tal edifício estava avaliado fiscalmente pelo valor de € 15.204,70 e foi proposta a sua aquisição por, cerca de metade do preço, ou seja €7.500,00; Termina, pugnando pela improcedência da presente ação.

*1.3.

O Ministério Público replicou, invocando que a força probatória da ata só pode ser ilidida com base na sua falsidade, o que o R. não fez, pugnando pela improcedência da argumentação do R.

*1.4. Em 07.02.2020, o TAF de Mirandela proferiu despacho saneador-sentença, no qual dispensou a realização de audiência prévia, fixou o valor da ação em EUR 30.000,01 (trinta mil euros e um cêntimo), dispensou a realização da produção da prova testemunhal requerida pelo A. e pelo R., e proferiu decisão que julgou a presente ação procedente, constando a mesma do seguinte segmento decisório: «Em face de tudo quanto antecede, julgo procedente a presente ação e, em consequência, determino a perda de mandato do R. M. como Presidente da Junta de Freguesia de (...).

Custas pelo R..

Registe e notifique»**1.5. Interposto recurso para o Tribunal Central Administrativo Norte pelo R., da antedita decisão, foi proferido Acórdão em 03.04.2020 [fls. 129 do SITAF] que, julgando parcialmente procedente o recurso, determinou o seguinte: «a) julgam improcedente a apelação quanto ao julgamento de facto dos pontos 1 e 2 (estes não impugnados), 7 e 8 da sentença sob sindicância; b) ordenam o aditamento ao elenco dos factos provados na sentença da seguinte facticidade, que julgam provada: -«O R. sabia que não podia tomar parte no procedimento em causa, pois que nele era parte interessada, com os seus irmãos.» c) anulam o julgamento de facto que recaiu na sentença sob os pontos 3, 4, 5 e 6 da facticidade nela julgada como provada; d) anulam a sentença recorrida; e) determinam que se realize novo julgamento quanto à matéria: -dos pontos 3, 4, 5 e 6 da sentença e pontos 2 a 11 da contestação; - dos pontos 1, 2 e 3 do “A- Ponto Prévio” da contestação; O novo julgamento não abrange a parte da decisão referentes à facticidade não viciada, sem prejuízo do disposto no art.º 662.º, nº3, al.c) do CPC.

f) declaram prejudicado o conhecimento dos demais fundamentos de recurso aduzidos pelo Apelante.» *1.6.

Tendo os autos baixado à primeira instância, por despacho de 13.05.2020 foi determinada a realização de diligências de prova [fls. 156 do SITAF], as quais tiveram lugar no dia 26.05.2020, seguindo-se alegações orais de ambas as partes [cf. acta e documento de fls. 164 e 168 do SITAF].

*1.7.

Em 04 de junho de 2020, o TAF de Mirandela proferiu sentença que julgou procedente a ação movida contra o Réu, constando da mesma o seguinte segmento decisório: «Em face de tudo quanto antecede, julgo procedente a presente acção e, em consequência, determino a perda de mandato do R. M. como presidente da Junta de Freguesia de (...).

Custas pelo R..

Registe e notifique.» 1.8.

Inconformado com essa sentença, o Réu interpôs recurso da mesma pugnado pela sua revogação, para o que formulou as seguintes conclusões: « Quanto à matéria de Facto: 1- A sentença, ora, recorrida padece de erro na apreciação da matéria de facto; 2- Ao ter desconsiderado e interpretado indevidamente, os factos dados como provados e constantes em 6 e 7 da petição inicial, e os factos de 3 a 14 da douta decisão e por não provado o facto supra-referido em A: 3- Que da leitura das atas que constituem os documentos juntos aos autos, não constam os factos materiais com relevância para a boa decisão da causa 4-Que não faz qualquer sentido o Réu, ora recorrente admitir e afirmar, que não participou das negociações e que não era parte interessada, quando na verdade, sendo comproprietário do bem em questão, qualquer decisão que sobre mesmo possa incidir, dir-lhe-á direta ou indiretamente respeito, incorreto seria sim afirmar o contrário.

5- Efetivamente apesar de demonstrado o interesse do réu, ora recorrente, na deliberação da aquisição da casa de habitação em questão por parte da Junta de Freguesia, entende-se, não ter ficado comprovado que tal aquisição lhe traria uma qualquer vantagem patrimonial a si e aos seus familiares.

6- Tal como não ficou provado, quem poderia ter ficado prejudicado com esta transação em particular, ou seja, se existiam mais pessoas disponíveis a negociar imóveis de idêntica natureza e nas mesmas condições com a Junta de Freguesia, quem são? E porque preço propuseram vender as suas casas de habitação? 7- Bem pelo contrário ficou provado em 11, 13 e 14 dos factos dados como provados, a necessidade de aquisição de tal espaço para a freguesia, a relevância do preço e das infraestruturas existentes, assim como a avaliação prévia de outras hipóteses existentes, iniciada já em mandatos anteriores, tal como foi dito e comprovado pela testemunha, A., anterior Presidente da Junta de Freguesia em questão; 8- Foi unânime a referência às necessidades da Freguesia em dispor de uma infra-estrutura destinada a arrumação, balneários públicos e salão de eventos, circunstância que vinha já de mandatos anteriores e cujo investimento foi concretizado no mandato do actual executivo, presidido pelo R..

9- E não se diga que a oportunidade do negócio surge aqui como a mais importante vantagem, porquanto, prova alguma foi feita quanto a esta questão, quer documental, quer testemunhal; 10- Tratando-se de um imóvel em ruínas no interior de uma aldeia, sem logradouro nem área de...

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