Acórdão nº 00477/20.8BEPRT de Tribunal Central Administrativo Norte, 28 de Julho de 2020
Magistrado Responsável | Lu |
Data da Resolução | 28 de Julho de 2020 |
Emissor | Tribunal Central Administrativo Norte |
Acordam em conferência os juízes deste Tribunal Central Administrativo Norte:*M.
, id. nos autos, interpõe recurso jurisdicional de decisão do TAF do Porto, em processo cautelar intentado contra o Município de (...), e no qual viu recusada a adopção de providência cautelar de suspensão da eficácia do despacho de 11/11/2019 do Vereador da Câmara Municipal do Porto com os Pelouros da Habitação, Coesão Social e Educação, que decidiu a resolução do arrendamento apoiado que a ora recorrente beneficiava em habitação sita na Alameda (…), (…).
A recorrente conclui: A. A Recorrente requereu a suspensão da eficácia do seguinte acto administrativo: «Despacho de decisão de resolução do arrendamento apoiado correspondente à habitação sita na Alameda (…), (…), proferido em 11.11.2019, pelo Senhor Vereador com os Pelouros da Habitação, Coesão Social e Educação da Câmara Municipal do Porto - Dr. F.».
B. O tribunal recorrido só não suspendeu o acto impugnado por não considerar verificado o requisito do “fumus boni iuris”; C. O Recorrido procedeu à resolução do contrato de arrendamento por mera comunicação ao arrendatário.
D. O art. 25º/2 da lei 81/2014 de 19.12 (com a redacção dada pela lei 32/2016, de 24.08) diz o seguinte: «Nos casos das alíneas do número anterior e do n.º 2 do artigo 1084.º do Código Civil, a resolução do contrato de arrendamento pelo senhorio opera por comunicação deste ao arrendatário, onde fundamentadamente invoque a respetiva causa, após audição do interessado, cabendo sempre direito de recurso desta decisão pelo arrendatário.» E. Não sendo o motivo invocado pelo senhorio (Município de (...)) subsumível nas hipóteses consagradas no referido artigo (25º/2 da lei 81/2014), nem no n.º 2 do art. 1084º do código civil, a resolução não podia, nem pode, ser efectuada por mera comunicação ao arrendatário.
F. O art. 1084º/1 do código civil, “ex vi” 17º lei 81/2014, é explícito ao prever que a resolução pelos motivos constantes do n.º 2 do art. 1083º não opera por mera comunicação, antes nos termos da lei do processo (acção judicial).
G. A comunicação de resolução efectuada pelo Requerido é inválida, ou melhor, inexistente, pelo que não produz qualquer efeito.
Subsidiariamente, H. Ainda que fosse formalmente bem realizada a resolução – e não foi – sempre se diria que o motivo invocado não é verdadeiro e, a sê-lo, não é suficiente para justificar a resolução do arrendamento apoiado; I. A Recorrente não foi arguida, acusada, julgada ou condenada por qualquer crime de tráfico de estupefacientes.
J. Por ter sido condenado pelo crime de tráfico de estupefaciente o filho da Recorrente, de 17 anos, tal não equivale a dizer que a Recorrente fez uma utilização do prédio contrária à lei, aos bons costumes ou K. Não era exigível, nem é, que a Recorrente procedesse à revista pessoal dos seus filhos cada vez que estes entrassem em casa.
L. A reduzida gravidade não torna inexigível a manutenção do contrato de arrendamento.
M. Não basta verificar-se qualquer uma das circunstâncias enumeradas nas diversas alíneas do referido n.º 2 do art. 1083º do CC para, sem mais, assistir o direito ao senhorio de resolver o contrato, sendo, ainda, necessário que esse facto, pela gravidade, torne inexigível a manutenção do arrendamento.
N. A resolução é inválida (até inexistente) porque o Requerido não pode resolver o contrato de arrendamento, com base no fundamento previsto no art. 1083º/2/b do cc, por mera comunicação ao arrendatário e, ainda que assim não fosse, não são verdadeiros ou suficientemente graves os factos invocados na decisão de resolução do arrendamento.
O. A decisão recorrida viola o artigo da 25º/2 da lei 81/2014 de 19.12 (com a redacção dada pela lei 32/2016, de 24.08) e os artigos 1083º e 1084º do código civil.
P. O tribunal recorrido não podia fundamentar a decisão na falta de informação prestada pela Recorrente ao Recorrido, quanto à composição do agregado familiar, se não deu esse facto como provado.
Q. O n.º 2 do art. 25º da lei 81/2014, de 19.12, é inconstitucional, por violação dos n.º 1 e 3 do art. 65º da CRP, quando interpretado no sentido de permitir que o senhorio resolva o contrato de arrendamento por mera comunicação ao arrendatário, sendo o motivo invocado previsto no art. 1083º, n.º 2 do código civil.
Contra-alegou o réu, pugnando pela manutenção da decisão recorrida, em decalque da sua fundamentação.
*O Exmº Procurador-Geral Adjunto, notificado nos termos do art.º 146º, nº 1, do CTA, emitiu parecer no qual opinou pela verificação de uma omissão de pronúncia geradora de nulidade, pois: «(…) Em causa, por um lado, está o direito fundamental de habitação. Que a requerente aflora na petição inicial e que não pode deixar de ser considerado.
E em causa, por outro lado, está a pena de prisão, suspensa na sua execução, em processo-crime n.º 2/14.0SFPRT, condenação pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, na pena de 1 ano e 6 meses de prisão, suspensa por idêntico período ao da sua duração, cujo acórdão condenatório transitou, relativamente ao identificado filho da Requerente, em 29/07/2016.
Ora, a resolução do arrendamento por força da utilização do prédio contrária à lei, aos bons costumes ou à ordem pública não pode bastar-se, em forma automática, com tal sentença condenatória de um dos membros do agregado familiar. Porque, antes, há um exercício que a sentença recorrida não poderia deixar de ter efectuado. Que é o de saber se, tendo em conta aquela data do trânsito e o tempo de suspensão da execução da pena, tal pena já se mostra, ou não extinta.
É que o ano e seis meses da suspensão terá terminado em 29/01/2018. E se a pena foi declarada extinta mister é não a considerar. E, não a considerando, já se verificará fumus boni juris, uma vez que não pode considera-se para resolução do arrendamento uma pena que está extinta.
De outra banda, cremos que a sentença deveria, além do exame dos pressupostos do periculum in mora e do fumus boni juris, ter sopesado o terceiro pressuposto de decretamento da providência cautelar, a ponderação dos interesses públicos e privados em presença, ut art. 120, nº 2, do CPTA.
E, aqui, nessa ponderação, óbvio é que, estando-se na presença de uma pena de suspensão da execução da pena, onde está ínsito um benefício da dúvida ao arguido condenado, uma vez que a pena fica suspensa na expectativa e confiança de um bom comportamento, pena fadada para os casos recuperáveis, sendo que findo o prazo de suspensão e verificado o bom comportamento nesse prazo a pena extingue-se, e estando em perigo a perda de um direito fundamental de habitação, somos de parecer que este direito sempre sobrelevaria o interesse da empresa municipal de resolução de arrendamento.
A sentença recorrida deveria, pois, ter apurado se sim ou não aquela pena se mostrava extinta e deveria outrossim ter efectivado a ponderação dos interesses públicos e privados em presença.
Não o tendo feito cremos que omitiu pronúncia devida o que a torna nula (cfr art. 615 do CPC).
(…)».
Sem resposta.
*Com legal dispensa de vistos, cumpre decidir.
*Os factos, fixados pelo tribunal “a quo”: 1.º - A ora Requerente foi notificada do seguinte despacho: [imagem que aqui se dá por reproduzida]- (cf. doc. 1 junto com o requerimento inicial); 2.º - Os serviços do Requerido remeteram à ora Requerente a seguinte comunicação: [imagem que aqui se dá por reproduzida] - (cf. doc. 3 junto com o requerimento inicial); 3.º - A Requerente é viúva (cf. assento de nascimento n.º 1382/2013 da CRC de Matosinhos – cf. processo físico); 4.º - A Requerente aufere uma pensão de sobrevivência no valor mensal atual de €214,16 (cf. informação do ISS, I.P. no processo físico); 5.º - O filho da Requerente, D., por factos praticados na habitação ocupada pela mesma Requerente, foi constituído arguido no processo crime sob o n.º 2/14.0SFPRT e condenado pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, na pena de 1 ano e 6 meses de prisão, suspensa por idêntico período ao da sua duração, cujo acórdão condenatório transitou, relativamente ao identificado filho da Requerente, em 29/07/2016 (cf. certidão junta ao processo físico, emitida pelo Tribunal Judicial da Comarca do Porto, Juízo Central Criminal do Porto – Juiz 10).
*A apelação.
A requerente/recorrente pediu a suspensão de eficácia do despacho de 11 de Novembro de 2019, supra reproduzido em 1.º.
O tribunal “a quo” acabou por julgar “o presente processo cautelar improcedente, e, consequentemente, recuso a adopção da providência requerida”.
Na análise de fundamentos entendeu que, ao invés do sustentado pela requerente e à luz do disposto no art.º 1085º, n.º 1, do CC, o direito à resolução não estaria caduco.
Sem que sobre este ponto recaia agora alguma censura do recurso.
Mais enquadrou que: “O art.º 120.º, n.º 1, do CPTA, permite que o Tribunal decrete a providência cautelar requerida, que neste caso é de natureza conservatória, quando haja fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que o requerente visa assegurar no processo principal e seja provável que a pretensão formulada ou a formular nesse processo venha a ser julgada procedente.
Decorre do invocado preceito legal que, para o decretamento de uma providência cautelar no contencioso administrativo, terão de verificar-se dois requisitos cumulativos: (i) a existência de um fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado ou de prejuízos de difícil reparação, requisito comummente designado por “periculum in mora”; e (ii) a probabilidade de procedência da pretensão formulada ou a formular na respectiva acção principal, requisito comummente designado por “fumus boni juris”.
”.
Desenvolvendo, entendeu como «preenchido o requisito do “periculum in mora”» e falho o «fumus boni juris», que...
Para continuar a ler
PEÇA SUA AVALIAÇÃO