Acórdão nº 00879/10.8BEAVR de Tribunal Central Administrativo Norte, 14 de Julho de 2020
Magistrado Responsável | Ana Patrocínio |
Data da Resolução | 14 de Julho de 2020 |
Emissor | Tribunal Central Administrativo Norte |
Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte: I. Relatório A Excelentíssima Representante da Fazenda Pública interpôs recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro, proferida em 19/01/2017, que julgou procedente a impugnação judicial deduzida pela sociedade D., SA, NIPC (...), com sede na Zona Industrial (…), (…), contra as liquidações do IVA e juros compensatórios, do ano de 2005, no valor de € 76.372,88.
A Recorrente terminou as suas alegações de recurso formulando as conclusões que se reproduzem de seguida: “I – O objecto do recurso I. Visa o presente recurso reagir contra a douta sentença proferida nos autos em epígrafe, que julgou procedente a impugnação judicial deduzida por D., S.A. relativamente às liquidações adicionais de IVA e respectivos juros compensatórios.
-
O Tribunal a quo entendeu anular a liquidação em causa por ter considerado que a “administração não logrou fazer prova, que lhe era exigida, do bem fundado da formação das suas convicções acerca da existência de facturação falsa”.
-
As questões decidendas a submeter ao julgamento do Tribunal ad quem consistem: a) em saber se a sentença padece de nulidade por falta de fundamentação, nos termos do n.º 1 do artigo 125.º do CPPT e da alínea b) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC; b) caso assim se não entenda, se o douto Tribunal recorrido laborou em incorrecta apreciação e valoração da factualidade dada como assente, em deficiente selecção da matéria de facto relevante para a decisão da causa, segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito controvertida, em errónea subsunção da matéria considerada como provada aos comandos normativos contidos no n.º 1 do artigo 74.º da LGT e no n.º 3 do artigo 19.º do CIVA e em incorrecta interpretação e aplicação daquelas mesmas normas.
II - A factualidade dada como provada IV. Por um lado, a matéria de facto firmada é insuficiente para fundamentar uma boa decisão da causa e, por outro, o Tribunal não poderia dar como provados determinados factos, atenta a prova documental e testemunhal carreada para os autos, nem poderia tirar as ilações que tirou dos mesmos.
-
O Tribunal deveria ter seleccionado e descriminado os factos constantes do RIT e não proceder à sua transcrição (pontos 4-5).
III – A nulidade da sentença por falta de fundamentação VI. O Tribunal não procedeu a um exame crítico da prova, quedando-se por uma fundamentação escassa, ainda para mais quando fundou maioritariamente a sua decisão na prova testemunhal (pontos 6-8).
-
Por conseguinte, a sentença padece de nulidade (n.º 1 do artigo 125.º do CPPT e a alínea b) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC).
IV – O entendimento do Tribunal quanto ao onus allegandi e ao onus probandi VIII. O Tribunal considerou que, apesar de poder acolher como válidos os indícios de falsidade das facturas, a impugnante produziu prova suficiente no sentido de demonstrar a sua fragilidade, o que implica que terá alegado factos concretos, precisos e objectivos (onus allegandi).
-
Assim, e não bastando à parte a mera alegação, terá o Tribunal entendido que a mesma fez prova dos factos alegados (onus probandi) – pontos 10-12.
V – Erro de julgamento quanto à prova testemunhal X. Incumbe ao Tribunal a apreciação da imparcialidade das testemunhas (ponto 14), devendo proceder a uma avaliação casuística da sua posição (ponto 15) e a uma aferição do interesse ou vantagem que poderá ter na lide (ponto 16).
-
No caso dos autos, todas as testemunhas da impugnante apresentam uma forte ligação à mesma ou às duas outras empresas do grupo económico (ponto 17).
-
Incumbe também ao Tribunal, ao valorar o depoimento das testemunhas, atentar à existência de declarações contraditórias e discriminar os segmentos de um determinado depoimento que são corroborados ou infirmados pelos demais meios probatórios e explicitar fundamentadamente por que motivo, num certo depoimento, apenas toma em consideração uma parte do discurso testemunhal e despreza a restante (ponto 19).
-
O Tribunal, ao recorrer às máximas da experiência, deve atender à sua função e às suas limitações (pontos 20-21).
-
Assim, incorreu o Tribunal em erro de julgamento por errónea apreciação e valoração da prova testemunhal, na medida em que: a) valorou positivamente, de forma incorrecta, excessiva e desajustada, o depoimento das testemunhas arroladas pela impugnante, sem que tivesse o cuidado de avaliar a imparcialidade de cada uma dessas testemunhas, sem que ponderasse a existência de uma relação com aquela, sem que tivesse procedido a uma avaliação casuística da posição de cada uma das testemunhas face a esta mesma impugnante e sem que tivesse aferido do interesse ou da vantagem que cada testemunha poderia ter no desfecho da lide; b) com base na prova testemunhal (e, nalguns casos, apenas em segmentos do depoimento de uma testemunha, sem que explicitasse por que motivo não deu relevância probatória a outros desse mesmo depoimento) deu como provados factos que: i) apenas o poderiam ter sido por meio de prova documental; ii) são infirmados pela prova documental; iii) são meramente genéricos, sendo aplicáveis a todas as relações comerciais entre a impugnante e os seus fornecedores, mas que não têm relevância concretamente quanto às facturas em causa; iv) são contrariados e/ou descredibilizados pelos depoimentos de outras testemunhas.
VI – As facturas falsas – breve conceptualização XV. A AT não pôs em causa todas as facturas emitidas pelo M., mas apenas um conjunto de facturas que, pelas suas características comuns, permitem a sua qualificação como falsas, deparando-se-nos um caso de simulação absoluta.
-
Compete à AT demonstrar a existência de indícios sérios de que as operações referidas nas facturas foram simuladas e, feita essa prova, cabe ao contribuinte o ónus de provar que as operações económicas que estiveram subjacentes aos custos declarados e reflectidos na matéria tributável se realizaram efectivamente (ponto 24).
-
A AT não tem de realizar uma prova directa da simulação e pode socorrer-se de elementos obtidos com recurso à denominada fiscalização cruzada (ponto 25).
VII – O erro de julgamento por análise parcelar dos indícios XVIII. A IT reuniu um conjunto de indícios que permitiam qualificar como falsas algumas das facturas emitidas pelo fornecedor M., os quais terão de ser analisados de forma global e integrada (ponto 26).
-
O Tribunal incorreu em erro de julgamento por ter procedido a uma análise compartimentada, segmentada e atomizada dos indícios de falsidade e da prova sobre os mesmos produzida e por errónea apreciação e valoração da prova documental, não tendo apreendido a exacta coincidência de facturas e/ou valores de vários mapas apreendidos na impugnante e as facturas que a AT considerou como falsas (ponto 27).
VIII – O erro de julgamento por extrapolação de factos genéricos XX. Os factos 7 a 27 e 29 a 34 dados como provados referem-se à organização em geral e modo de funcionamento da impugnante (relações comerciais com a “Base” do Grupo, com os fornecedores [incluindo M.] e logística de recepção, armazenamento e inventariação de mercadorias).
-
Trata-se de factos genéricos, aplicáveis a toda e qualquer relação comercial estabelecida entre a impugnante e o M. ou, nalguns casos, com todos os demais fornecedores, quando importaria que tivessem sido levados à matéria assente factos concretamente relacionados com as facturas que a AT considerou como falsas.
-
O Tribunal incorreu em erro de julgamento ao ter extrapolado de factos genéricos (os procedimentos adoptados pela impugnante para a maioria das suas relações comerciais, nomeadamente com o M.) factos concretos (os procedimentos adoptados quanto às facturas falsas).
IX – Os indícios de falsidade das facturas XXIII. O Tribunal entendeu que a impugnante atacou “cada um dos indícios invocados” e que “logrou produzir prova suficiente no sentido de demonstrar a [sua] fragilidade”.
-
O Tribunal incorreu em erro de julgamento, por deficiente aplicação das regras do ónus da prova, (n.º 1 do artigo 74.º da LGT) e por violação do princípio do dispositivo (n.º 1 do artigo 3.º e n.º 1 do artigo 5.º, ambos do CPC), visto que: a) a AT fez prova da verificação dos pressupostos legais que legitimaram a sua actuação, demonstrando a existência de indícios sérios de que as operações constantes nas facturas em causa são simuladas; b) a impugnante não atacou todos os indícios, apesar de o Tribunal os ter apreciado e valorado na sua decisão; c) a prova que a impugnante produziu jamais poderá ser apodada de suficiente, tanto mais que não lhe basta criar dúvida, ainda que fundada, sobre os factos tributários, por não ser de aplicar o n.º 1 do artigo 100.º do CPPT; d) o Tribunal não apreciou a totalidade dos indícios trazidos pela AT; e) o Tribunal considerou como inidóneos e valorou na sua decisão determinados indícios a que a AT nem sequer recorreu para fundar as suas correcções.
IX.1 – A (des)ordenação dos artigos XXV. Os SIT detectaram que, num conjunto de facturas do M., os artigos se encontravam desordenados ao longo de cada factura (pontos 34-35) e não estavam concretamente identificados (ponto 38).
-
O Tribunal incorreu em erro de julgamento por não ter levado ao probatório factos que, atenta a prova carreada para os autos, o deveriam ter sido (pontos 36, 37 e 38), realizando uma deficiente apreciação e valoração da factualidade, por não ter extraído daqueles as conclusões devidas, desprezando por completo o teor dos documentos em causa e os indícios constantes dos mesmos (ponto 41).
-
A recorrida não impugnou este indício, pelo que o Tribunal laborou em erro de julgamento, por violação do princípio do dispositivo (n.º 1 do artigo 3.º e no n.º 1 do artigo 5.º, ambos do CPC), por ter tomado em consideração factos que a impugnante não alegou e dos quais não podia tomar conhecimento oficiosamente (ponto 40).
IX.2 – Os prazos de pagamento anómalos...
Para continuar a ler
PEÇA SUA AVALIAÇÃO