Acórdão nº 00445/14.9BECBR de Tribunal Central Administrativo Norte, 19 de Junho de 2020

Magistrado ResponsávelHelena Ribeiro
Data da Resolução19 de Junho de 2020
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam os juízes desembargadores do Tribunal Central Administrativo Norte.

I-RELATÓRIO 1.1. S., m.i a fls. 2, intentou a presente ação administrativa especial contra o MUNICÍPIO DE (...), pedindo que seja anulada a ordem de demolição do muro e, consequente posse administrativa do imóvel para execução das obras, e substituída por outra que considere o muro como obra de escassa relevância, e, sem necessidade de licenciamento prévio, ou quando assim se não entenda, seja concedido à recorrente, prazo para o licenciamento do muro de vedação edificado na Rua (...), em (...), (...).

Requereu, ainda, o efeito suspensivo da ordem de demolição até à decisão da presente ação nos termos do art. 115º, nº 1, do RJUE.

Alegou, para tanto, em síntese, que a demolição deve ser a última ratio, nos termos do art.º 106º, nº 2 do RJUE; A construção do muro é uma obra de escassa relevância, segundo os artigos 31º e 19º, do Regulamento Municipal de Edificação Urbana (RMEU), pelo que está isenta de licenciamento; De qualquer forma, deveria ter-lhe sido concedido um prazo para, se assim o entendesse, proceder ao pedido de licenciamento prévio da edificação do muro; Indicou prova testemunhal e requereu a inspeção ao local.

Juntou procuração forense e protestou juntar documentos.

*1.2.

Regularmente citado, o Réu contestou, defendendo-se por exceção e por impugnação.

Na defesa por exceção, invocou a ilegitimidade ativa da Autora, para propor a presente ação, alegando, em suma, que o prédio onde está construído o muro em causa, está em regime de compropriedade entre a ora Autora e os seus três filhos; Os filhos da Autora não intentaram a presente ação, apesar de terem sido notificados do despacho que ordenou a demolição; Dada a natureza da ação, impõe-se a intervenção dos filhos da Autora.

Na defesa por impugnação, sustentou a legalidade da sua atuação, alegando que o muro ilegalmente construído deve ser demolido; Foram dados todos os prazos possíveis e admissíveis para que a A. e os demais proprietários requeressem a sua legalização, dentro das condicionantes estabelecidas, o que estes não aceitaram fazer, esgotando assim todas as prerrogativas; A ação deverá, consequentemente, improceder.

*1.3.

A DMMP interveio nos termos constantes de fls. 118-120, pugnando pela manutenção do ato impugnado, porque conforme à lei, devendo o muro ilegalmente construído, ser demolido.

*1.4.

Notificada para se pronunciar quanto à exceção de ilegitimidade ativa suscitada pelo Réu, a Autora nada disse.

*1.5.

Proferiu-se despacho saneador-sentença, em que se conheceu da exceção dilatória da ilegitimidade ativa da Autora e da inimpugnabilidade do ato, que julgou procedentes e absolveu-se o Réu MUNICÍPIO DE (...) da instância.

*1.6.

Inconformada com esta decisão, a Autora interpôs o presente recurso de apelação, em que apresenta as seguintes conclusões: «1ª) De harmonia com o disposto no artº. 55º, nº. 1 do CPTA tem legitimidade ativa para impugnar um ato administrativo, quem alegue ser titular de um interesse direto e pessoal, designadamente, por ter sido lesado pelo ato nos seus direitos ou interesses protegidos; 2ª) Como se extrai e, se comprova a A. (ora recorrente) é comproprietária do prédio urbano identificado nos mesmos autos, o qual, constitui a sua casa de morada de família, pelo que, tem um interesse direto e pessoal atendível por ter sido lesada pelo ato impugnável com a demolição do muro de vedação perimetral marcada pela recorrida equivale por dizer ter e assistir legitimidade ativa para a presente ação; 3ª) Nem o aludido normativo exige ou, consagra a necessidade de intervenção dos vários interessados na relação controvertida, nem que, a falta de qualquer deles seja motivo de ilegitimidade; 4ª) Ademais, o nº. 2 do artº. 1.405º do Código Civil prevê: - Cada consorte pode reivindicar de terceiro a coisa comum sem que a este seja licito opor-lhe que ela lhe não pertence por inteiro.

  1. ) Também, o conceito de legitimidade dado pelo nº. 1 do artº. 30º do CPC: - O Autor é parte legítima quando tem interesse direito em demandas, o réu parte legitima quando tem interesse direto em contradizer.

  2. ) O ato impugnado e enunciado pelo Presidente da Câmara Municipal de (...) não configura a mera confirmação ou execução do ato anterior praticado pela Sra. Vereadora, o qual não foi notificado sequer a todos ou contra todos os interessados. Efetivamente, 7ª) O ato da Sra. Vereadora ordenou a demolição do muro, enquanto, o ato do Senhor Presidente determinou, além da demolição do muro, também, a reposição da via pública na situação anterior à edificação do muro objeto de decisão e, além de, ordenar a posse administrativa do imóvel. De facto, 8ª) A recorrente não havia sido notificada da decisão de além da demolição do muro, da reposição da via pública tendo, apenas, anteriormente, como se afirmou comunicado a demolição parcial e, a possibilidade da legalização da extensão restante do muro, através da apresentação do competente projeto.

  3. ) O ato impugnado além do acrescimento dos custos inerentes à referida reposição da via pública não salvaguarda a parte do muro legalizável, ordenando aos serviços municipalizados a demolição do muro sem mais.

  4. ) Por outro lado, a reposição da via pública não é suportada, nem fundamenta a área, nem a sua necessidade.

  5. ) No ato impugnado não é salvaguardada a possibilidade da legalização, ainda que, parcial do muro pela recorrente.

  6. ) A decisão proferida não é a mais assertiva, nem consentânea com a mens legis e, os princípios gerais da legalidade democrática.

  7. ) Por erro de interpretação e, ou aplicação mostram-se violados os dispositivos aplicáveis, mormente, previstos no artº. 55º, nº. 1 do CPTA; artºs. 106º e 107º do RJUE e, artº. 30º, nº. 1 do CPC.

Deve o recurso merecer provimento, revogado o douto despacho saneador – sentença e, substituído por acórdão, a determinar o prosseguimento do processo.

»*1.7.

O Apelado contra-alegou, pugnando pela improcedência da apelação e concluindo as suas contra-alegações nos seguintes termos: «1. Resulta do fundamento da douta sentença as seguintes conclusões às quais se adere e que aqui se reproduzem: 2. O prédio urbano onde foi construído o muro de vedação ser pertença na proporção de 1/2 (metade) da Autora S., por o ter obtido em partilha subsequente a divórcio com o seu ex-cônjuge C. e a restante 1/2 (metade) pertencer em comum e sem determinação de parte ou direitos a A., solteiro, maior, residente na Rua (...), (...), J., casado com C., no regime de comunhão de adquiridos, ambos residentes em (...) Republica Federal da Alemanha, e G., solteiro, maior, residente na Rua (…), (…), conforme Ap. 1987 de 26/08/2011, por doação de seu pai C., como melhor resulta do doc. nº 2 junto à contestação.

  1. Na presente ação, está em causa a demolição de um muro de vedação do prédio de que são proprietários a aqui A. e os seus 3 (três) filhos – A., J. e G. - a que corresponde a perda ou oneração do aludido bem.

  2. A legitimidade é definida no artº 30º do N.C.P.Civil. No nº 1 - O autor é parte legítima quando tem interesse direto em demandar; o réu é parte legítima quando tem interesse direto em contradizer. No nº 2 - O interesse em demandar exprime-se pela utilidade derivada da procedência da ação e o interesse em contradizer pelo prejuízo que dessa procedência advenha.

  3. O artº 33º do N.C.P.Civil, diz-nos: nº 1 - Se, porém, a lei ou o negócio exigir a intervenção dos vários interessados na relação controvertida, a falta de qualquer deles é motivo de ilegitimidade. O nº 2 - É igualmente necessária a intervenção de todos os interessados quando, pela própria natureza da relação jurídica, ela seja necessária para que a decisão a obter produza o seu efeito útil normal.

  4. Por sua vez o artº 1405º do C. Civil refere que “os comproprietários exercem, em conjunto, todos os direitos que pertencem ao proprietário singular” (n.º 1) e que só é lícito a cada consorte agir de forma isolada quando se trate de reivindicar de terceiro a coisa comum (n.º 2), de a usar (art.º 1406.º) ou de exercer o direito de preferência (art.º 1409.º).

  5. O que quer dizer que, salvo contadas excepções, o exercício de direitos decorrentes da compropriedade tem de ser feito conjuntamente por todos os comproprietários. Só com essa actuação “fica plenamente preenchida a titularidade do direito de propriedade e nenhuma razão subsiste, por conseguinte, para recusar ao conjunto dos intervenientes no acto os poderes próprios do proprietário singular.” (A. Varela e P. de Lima, CC Anotado em anotação ao art.º 1405º)”.

  6. Ora, como é dito na douta sentença “No caso em apreço, a impugnação apenas da ora Autora do acto ora impugnado, criaria uma situação juridicamente incongruente, na medida em que, não tendo sido impugnada pelos demais comproprietários, aquela mantém plena validade para estes.

  7. Por conseguinte, não poderia o tribunal “destacar” a parte do muro que pertenceria à ora Autora. Até porque pelo regime de compropriedade (art. 1403º do CC) e conforme consta do registo do prédio em causa, não está determinada a parte em concreto, não tendo havido divisão da coisa comum – cfr. artigos 1412º e 1413º do CC.

  8. Donde, em conformidade com o disposto no art. 33º do CPC, nº 2- É igualmente necessária a intervenção de todos os interessados, quando, pela própria natureza da relação jurídica, ela seja necessária para que a decisão a obter produza o seu efeito útil normal. 3- A decisão produz o seu efeito útil normal sempre que, não vinculando embora os restantes interessados, possa regular definitivamente a situação concreta das partes relativamente ao pedido formulado.” 11. Até porque a ora Autora na petição inicial não suscitou qualquer vício ou irregularidade da falta de notificação dos demais proprietários, que justificasse a sua intervenção “solitária” na presente acção. Nem mesmo quando foi notificada para se pronunciar quanto à excepção suscitada pela Entidade Demandada.

  9. Esta circunstância, pela sua força e pela sua...

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