Acórdão nº 00597/14.8BEPNF de Tribunal Central Administrativo Norte, 19 de Junho de 2020

Magistrado ResponsávelRicardo de Oliveira e Sousa
Data da Resolução19 de Junho de 2020
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam, em conferência, os Juízes Desembargadores da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:* *I – RELATÓRIO A., S. A., com os sinais dos autos, vem intentar o presente RECURSO JURISDICIONAL da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel promanada no âmbito da Ação Administrativa Comum intentada por A.

, também com os sinais dos autos, que, em 15.11.2018, julgou a presente ação parcialmente procedente, e, em consequência, condenou a Ré, aqui Recorrente, no pagamento à Autora, aqui Recorrida, da quantia global de € 5,548,00, acrescida de juros de mora desde a citação até integral pagamento, mais condenando, solidariamente, a interveniente S., S.A.

a suportar a quantia que exceda o montante de franquia.

Alegando, a Recorrente formulou as seguintes conclusões: “I. É extremamente surpreendente (pela negativa, entenda-se) a circunstância de o tribunal a quo ter ignorado olimpicamente a confissão expressa da A. e especificadamente aceite pela R. que o veículo transitava no momento do sinistro a uma velocidade “não superior a 90 km horários”, num local onde a velocidade máxima instantânea permitida era tão-só de 40 kms/h (e desde que com bom tempo, coisa que não acontecia na altura), bem como o facto de ter avançado com a não menos surpreendente conclusão de que essa “expressão” não conflitua com a declaração de parte produzida na audiência final (e esta, convenhamos, não deixa de ser interessada num desfecho favorável da ação, como p. ex. se pode concluir da leitura do ac. da RP de 20.06.2016, relatado por Manuel Domingos Fernandes, respeitante ao proc. n° 2050/14.0T8PRT.P1 e consultável em www.dgsi.pt - e isto já nem sequer falando no depoimento de A-. que, de forma muito esclarecedora, o Ilustre mandatário da A. classificou como “mais ou menos credível”) de que alegadamente afinal o veículo rodava a “menos de 40 Kms/h”; II. Na verdade, é evidente que a sentença - de forma incompreensível, aliás - não atentou devidamente em tudo aquilo o que de relevante nos oferece o processo (este e o anterior onde ocorreram as citadas confissão e aceitação da confissão de que não se pode fugir) para este fim, muito em especial a atividade processual das partes, e particularmente aquela da A., que p. ex. “esqueceu-se” de lançar mão do disposto no artigo 99° n° 2 do C. P. C. para, face a uma declaração de incompetência em razão da matéria por parte da jurisdição comum, aproveitar os articulados produzidos pelas partes, aproveitando antes para deixar “cair” essa alegação e “trocá-la” antes por uma outra onde apenas se limita a “mexer” no quantitativo (40 km/h), mas, curiosamente, mantendo intacta aquela “expressão” “a uma velocidade não superior a ... “ que no fim de contas acabou por servir à sentença para “conformar” a primeira e confessada alegação de velocidade a uma declaração de parte agora produzida que retira àquela alegação inicial “somente” mais de metade do seu quantitativo em termos de velocidade; III. Ora, e ademais da violação evidente do disposto nos artigos 46°, 279° n° 3, 421° n° 1 e 465°, estes do Cód. Proc. Civil, mas também nos artigos 335° n° 3 e 358° n° 2 do Cód. Civil por parte da sentença, ou seja, da “negação” de uma confissão extrajudicial com força probatória plena, isto não é minimamente correto, não só no que à interpretação do direito se refere, mas ainda no que à boa interpretação da língua portuguesa concerne, na medida em que é indiscutível (e, de resto, até para a A. foi, dado que mudou a sua alegação, recorde-se) que aquela “expressão” - “a uma velocidade não superior a 90 km horários” - significa que o veículo não excedia no momento do acidente a velocidade de 90 Km/h, mas também quer dizer que circulava àquela velocidade de 90 Kms/h nessa altura; IV. Por todas essas razões, sobretudo as legais (confissão e aceitação dessa confissão), mas também as de interpretação da língua portuguesa, e com base ainda na experiência comum, na normalidade do acontecer (mesmo no que se refere à impossibilidade de verificação de qualquer razão plausível que justifique a produção de danos com um valor de “cerca de 5000,00” (?!!!) para um veículo que alegadamente rodava “a uma velocidade não superior a 40 km horários”), defende a R. que deve ser expurgado do rol dos factos não provados os n°s. 1 e 2 e em contrapartida ser dado como provado o que segue (aproveitando a redação da sentença): - 3) E circulava na respetiva faixa de rodagem, e seguia a uma velocidade de 90 km/h, e pela única via ali existente, atento o sentido de marcha; - 3 a) A autora tripulava o veículo completamente desatenta e imprimia velocidade que claramente excedia a velocidade de 40 kms/h; V. Também errou a sentença ao considerar não provado que chovia intensamente no momento do acidente (e isto quer no que se refere ao n° 3 dos factos não provados, quer no que respeita ao n° 8 dos factos provados), pois que é nítido que é isso que resulta inequivocamente da participação de acidente de viação que foi junta à p. i. como doc. n° 1, sendo ainda de acrescentar - e, aliás, não se esperava que fosse de outra forma - que se pode concluir do depoimento transcrito do militar da GNR, S., autor dessa participação, que a dita informação de “Chuva intensa” teve por base aqueloutra prestada pela motorista nesse mesmo sentido e que, obviamente, se reportava ao momento do acidente a que o militar (obviamente também) não assistiu. Vale isto por dizer que o n° 3 deve ser retirado dos factos não provados e acrescentado que chovia intensamente ao n° 8 dos factos provados; VI. Menos compreensível é ainda aquilo a que se decidiu responder positivamente (provado) no ponto 15 do elenco dos factos provados e muito menos que a R. tenha sido condenada em quantia certa (€ 5.000,00) na parte que se refere à reparação do veículo; VII. Efetivamente, não se vislumbra como é/foi possível, seja qual for o ângulo por que olhemos esta questão, dar como provado que a A. despendeu (?!!!) com a reparação “(...) a quantia global de cerca de € 5000,00”, atendendo, desde logo, a que é indiscutível que não se trata de quantia líquida, liquidada e muito menos certa, depois que o único documento existente (um orçamento) nos autos e, de resto, impugnado, até menciona um valor superior a esse, com o acréscimo de I. V. A. (que, como é evidente, não foi pago e/ou liquidado), mas também que não há (e esta também foi uma declaração da parte que, mesmo que desfavorável, não foi valorizada pela sentença, como se vê), não foi emitida fatura e/ou recibo do pagamento (já para não falar sequer, e também quanto a este ponto, no depoimento “mais ou menos credível” de A-. em que - percebe-se - a sentença também se apoiou para decidir esta matéria de facto desta maneira); VIII. De modo que não é/era possível decidir, como claramente aconteceu, a “olhómetro”, o que vale por dizer que ou bem que há prova do dano e da respetiva quantidade e então condena-se (sendo o caso que aqui nem sequer é) em quantia certa e líquida e nunca portanto em algo deste género (“cerca de € 5000,00”) ou bem que há apenas prova do dano, mas já não da quantidade, e nesse caso a única solução (legal, sublinhe-se, sob pena de clara violação, como sucedeu, do disposto no artigo 661° n° 2 do C. P. C.) é remeter para incidente de liquidação essa parte com o limite do peticionado a esse título (no caso, € 5.373,34); IX. Por isso, e quanto a este ponto 15, de acordo com a prova (não) produzida e de acordo também com a lei que o tribunal a quo manifestamente esqueceu, a única solução era/é dar como provado apenas o seguinte: - 15) O veículo foi reparado, tendo a autora despendido com a reparação quantia não apurada.

Segue-se que X. É indiscutível que sempre que o lesado contribui culposamente para a produção ou agravamento dos danos o tribunal, com base na gravidade das culpas de ambas as partes, nomeadamente, deve decidir se a indemnização deve ser concedida na totalidade, reduzida ou até excluída (cfr. Cód. Civil, artigo 570 n° 1); XI. Porém, já assim não sucede quando a responsabilidade se basear (como é o caso - e a sentença do Tribunal a quo di-lo de forma absolutamente indiscutível) numa presunção de culpa/incumprimento, pois então a culpa do lesado exclui muito claramente o dever de indemnizar (vide Cód. Civil, artigo 570° n° 2 e igualmente o disposto no artigo 4° do RRCEEP); XII. Ora, neste caso, e lembrando o sempre atual Antunes Varela - (in Das Obrigações em Geral, Vol. II, 4a edição, Almedina, Coimbra, 1990, pág. 92: “Agir com culpa significa atuar, por forma a que, a conduta do agente, seja pessoalmente censurável ou responsável e o juízo de censura ou de reprovação dessa conduta só se pode apoiar no reconhecimento, perante as circunstâncias concretas do caso, de que o obrigado não só devia, como podia ter agido de outro modo.” (itálico nosso) -, é absolutamente indiscutível que existe culpa da A. na produção do sinistro dos autos, seja porque rodava em excesso de velocidade e também (o que é diferente, realce-se) em velocidade excessiva, designadamente para as condições meteorológicas que se verificavam (chuva intensa); XIII. De sorte que, verificando-se, por um lado, a culpa efetiva da condutora do veículo da A. na produção do sinistro (com base na regra geral presente no artigo 487° do mesmo Cód. Civil) como acontece neste caso, e, por outro, ocorrendo a responsabilização da R./recorrente apoiada numa presunção de culpa (o que a sentença defende inequivocamente), dúvidas não restam que a única solução possível é exatamente a exclusão de qualquer dever de indemnizar por parte da R.; XIV. Pelo que, e salvo o devido respeito, ocorre também violação da lei, porquanto a douta sentença não respeitou e nem observou o disposto nos artigos 487° n° 2 (particularmente o critério do bonus pater familiae) e 570 n° 2, ambos do Cód. Civil, mas também o artigo 4° da Lei n° 67/2007, de 31 de dezembro; XV. Para além de que uma semelhante decisão é perigosa, uma vez que dá...

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