Acórdão nº 00497/19.5BEMDL de Tribunal Central Administrativo Norte, 18 de Junho de 2020

Magistrado ResponsávelAna Patrocínio
Data da Resolução18 de Junho de 2020
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte: I. Relatório G., NIF (…), com domicílio na Avenida (…), (…), interpôs recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela, proferida em 24/03/2020, que julgou improcedente o recurso da decisão de avaliação da matéria tributável por métodos indirectos, nos termos do artigo 89.º-A da LGT, que lhe fixou o rendimento líquido para efeitos de IRS, no ano de 2009, no valor de €208.246,56.

O Recorrente terminou as suas alegações de recurso com as conclusões que se reproduzem de seguida: “01.

O acto objecto dos presentes autos está assente unicamente no relatório da Policia Judiciária, Sector de Perícia Financeira e Contabilística do Norte, datado de 28 de Setembro de 2015 e produzido no inquérito crime com NUIPC 959/11.2IDBGC, do DCIAP – Secção Única, constatando-se que a AT nem sequer porfiou pela obtenção, junto de qualquer instituição de crédito, dos documentos bancários que estarão na base dessa informação a fim de formar a sua convicção e de confrontar o Recorrente com tais indícios e / ou provas.

  1. Tal omissão e displicência da AT faz enfermar o acto de diversas ilegalidades que deveriam ter determinado a invalidade do acto sob recurso – o que a Sentença recorrida não sancionou e que, por isso, são questões que se colocam à superior sindicância de V. Exas..

  2. As questões que se submetem à superior sindicância do Tribunal de recurso podem, de forma sintética, assinalar-se do seguinte modo: i) nulidade da Sentença, por omissão de pronúncia quanto à violação do n.º 11 do artigo 89.ºA da LGT por parte da AT; ii) erro de julgamento da matéria de facto, por falta de suporte probatório nos autos que determinasse que fosse dado como provado o que se acha alinhado nos pontos nº 2 e 10 do probatório; iii) erro de julgamento por não julgar verificada a violação dos princípios do inquisitório e do ónus da prova por parte da AT no procedimento – em síntese por não ter o Tribunal recorrido censurado a AT por não ter obtido nem ter procurado obter, muito menos compilar e interpretar os elementos de prova legalmente exigíveis (documentos bancários e respectivo descritivo de movimentos) que sustentassem os sérios indícios que legitimassem a sua actuação [que a Sentença recorrida cataloga como “preterição de formalidade essencial” nas págs. 10 e 11]; iv) errada aplicação do n.º 3 do artigo 89.ºA da LGT, por não sancionar a violação por parte AT dos princípios da participação e audição no procedimento – em síntese porque a AT não possibilitou que o Recorrente cumprisse com o ónus de demonstração de não sujeição à tributação dos supostos “incrementos patrimoniais” [tema tratado pelo Tribunal a quo como “violação do princípio da participação e audição” na págs. 11 e 12]; v) erro de julgamento por não ter sancionado a violação do dever de fundamentação da AT – mormente por esta não ter, no procedimento, dado a conhecer ao Recorrente quais os concretos movimentos bancários que careceriam de “justificação” [a que a Sentença se debruça nas pag. 12 e 13 como “vício da falta de fundamentação]; 04.

    A causa de nulidade da Sentença por omissão de pronúncia radica na questão invocada (essencialmente) nos artigos 64º a 66º da p.i: saber se o modus operandi da AT foi conforme o nº 11 do artigo 89º-A, porquanto se entende que não foi observada a injunção de que o procedimento “inclua a investigação das contas bancárias” e, bem assim, que não foi, nos termos da mesmo norma, facultada ao Recorrente oportunidade de “regularizar a situação tributária, identificando e justificando a natureza dos rendimentos omitidos e corrigindo as declarações dos respectivos períodos”.

  3. A Sentença recorrida é absolutamente omissa quanto a essa questão, que por isso se invoca como causa de nulidade.

  4. O erro de julgamento da matéria de facto atém-se com os pontos que, sob os n.ºs 2 e 10 do probatório, foram dados como provados.

  5. A crítica que é assacada ao Tribunal recorrido centra-se na referência expressa, à existência de “informação bancária” como fonte das correcções perpetradas pela AT, quando dos autos não consta qualquer informação bancária.

  6. Com efeito, a única informação de que a AT se louva é a informação policial plasmada no extracto do relatório da Polícia Judiciária referida na conclusão 1., sendo que tal relatório não é mais do que um documento de inferência de dados aparentemente suportados em documentos bancários que os autos desconhecem quais seja e que a AT não tratou nem validou.

  7. Por outras palavras, a suposta informação bancária não é mais do que um documento produzido pela Polícia Judiciária onde se fazem menção a dados bancários que esse órgão de polícia criminal analisou, sendo ademais evidente desse documento que a “investigação policial” apenas visou os movimentos registados a crédito não tendo procedido a uma análise holística dos mesmos, mormente de movimentos a débito que anulassem ou de alguma forma explicassem os supostos “incrementos” patrimoniais.

  8. Tarefa que – à luz dos princípios da boa fé, da descoberta material e para cumprimento do seu respectivo probatório – caberia à AT no âmbito de uma investigação que visasse imputar verdadeiros “incrementos” patrimoniais ao Recorrente, e não meros registos bancários a crédito.

  9. Daí que seja se imponha que os pontos 2 e 10 probatório sejam dados como não provados, ou, pelo menos, que a respectiva redacção seja alterada de forma a que não se cristalize na ordem jurídica o facto (errado) de que a actuação da AT teve por base “informações bancárias”.

  10. Imputa-se erro de julgamento ao Tribunal a quo por não ter julgado verificada a violação dos princípios do inquisitório e do ónus da prova por parte da AT no procedimento como decorrência da circunstância de AT, para proferir o acto objecto dos autos, não ter obtido, nem procurado obter, muito menos compilar e interpretar os elementos de prova legalmente exigíveis (documentos bancários e respectivo descritivo de movimentos) que sustentassem os sérios indícios que legitimassem a sua actuação.

  11. De acordo como o próprio RIT as informações provenientes do identificado inquérito crime seriam “susceptíveis” de se enquadrar no regime do 89º-A da LGT – razão pela qual se impunha que, para lá do que consta nesse relatório da Polícia Judiciária, a AT tivesse investigado os concretos movimentos bancários cuja soma constituirá os valores a crédito assinalados pelo processo criminal, tratando-os analisado e tratado (em colaboração com o contribuinte) do ponto de vista fiscal de forma a apurar se tal “susceptibilidade” se verificava, se não se verificava, ou se verificava só parcialmente e em que medida.

  12. Todavia, a AT não o fez, e, perante tais informações colhidas do inquérito crime – rectius: apenas com tais informações – a AT veio a considerar os movimentos bancários referidos nesse processo correspondiam a rendimento da ora Recorrente nos referidos exercícios fiscais e que esta subtraiu à tributação, na lógica dos incrementos patrimoniais injustificados.

  13. Isto é, apenas tendo por base a investigação criminal de onde emerge a notícia da existência de um valor global correspondente a movimentos a crédito em contas bancárias tituladas pelo Recorrente nos anos em apreço a AT considerou que tal soma consubstanciavam “incrementos patrimoniais” dos respectivos exercícios e, bem assim, que os mesmos haviam de ser tidos como “injustificados” – decidindo-se pelo acto de fixação em causa nos autos.

  14. Ao contrário do que parece decorrer da Sentença a quo não está em causa saber se a AT lançou mãos do artigo 63.º-B da LGT – nem alguma vez o Recorrente afirmou que tivesse existido qualquer violação do sigilo bancário – mas sim a circunstância de se a AT ter servido da derrogação do sigilo bancário para fim e com objectivo diverso do legalmente previsto nesse inciso legal e do estatuído no n.º 11 do artigo 89.ºA da mesma Lei, porquanto se demitiu de obter e investigar os movimentos bancários em concreto.

  15. Com efeito, a AT viu no regime do art.º 63-B um mero expediente para contornar a proibição de utilização de dados obtidos, tendo-se limitado a importar, de forma acrítica, os dados comunicados do processo de inquérito através da sua mera reprodução, eximindo-se de solicitar às instituições bancárias os elementos que lhe permitiriam confirmar – ou infirmar – as suspeitas que a informação do inquérito crime suscitaram.

  16. Tal actuação está, inclusivamente em contradição a própria motivação que determinou o pedido de quebra do sigilo bancário (doc. 1 junto com a p.i.) de onde resultava que tal levantamento visava – e bem – o “acesso direto a todas as informações e documentos bancários (…) na prossecução do princípio norteador inspetivo da descoberta da verdade material plasmado no artigo”.

  17. Ou seja, e ao contrário do que afirma a Sentença a quo o Recorrente não afirma em jeito de formalidade essencial que a AT tivesse de ter na sua posse “os suportes de papel”, antes afirmou e reitera que a AT estava vinculativamente obrigada a investigar os mesmos (ou a investigar “a informação que mesmos contém”, seguindo o preciosismo terminológico do Tribunal a quo).

  18. Ponto é que o mero decalque da súmula da informação importada do processo crime não pode servir para cumprir a obrigação investigatória que imposta à AT, nem o cumprimento do ónus de prova bastante para confirmar ou infirmar o juízo de “susceptibilidade” da existência de rendimentos subtraídos à tributação.

  19. Desta sorte temos que nem a AT, nem o Recorrente, nem os autos conhecem quais os documentos que foram perscrutados em sede de inquérito crime, desconhecendo-se, por inerência, se os valores globais aqui em causa têm efectiva correspondência com os documentos bancários, se são verdadeiros ou se estão bem calculados.

  20. Na verdade, a AT – e o Recorrente e o processo também – desconhecem quantos movimentos a crédito existiram nas contas...

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