Acórdão nº 00317/20.8BECBR de Tribunal Central Administrativo Norte, 08 de Outubro de 2020

Magistrado ResponsávelCarlos de Castro Fernandes
Data da Resolução08 de Outubro de 2020
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam em conferência os Juízes Desembargadores que compõem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte: I – S.

(Recorrente), com residência indicada na Rua (…), (…) veio interpor recurso contra a sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, pela qual se indeferiu liminarmente o presente processo cautelar por si intentado.

A Recorrente, no presente recurso, formula as seguintes conclusões: A- Vem o presente Recurso interposto da douta Sentença de rejeição Liminar da providência cautelar interposta, proferida em 24-2-2020 (Refª.006112283), que julgou não verificados os pressupostos para o decretamento da mesma, mormente o disposto nos art. 116º nº 1 al. d) do CPTA ex vi art. 2º al. e) do CPPT e art. 147º nº 6 do mesmo CPPT, por se ter entendido que “Além disso, tratando-se de um meio de utilização subsidiária, deve dar prevalência a outros mecanismos específicos previstos pelo CPPT para a defesa de direitos dos contribuintes em virtude de estarmos perante um meio processual residual que entra em funcionamento quando mais nenhum outro existe que permita lograr este objectivo de coacção ao cumprimento de um dever de prestação jurídica por banda da administração tributária. Assim sendo, atenta a apontada subsidiariedade e carácter residual do art. 146º nº 7 do CPPT, podendo a Recorrente utilizar a impugnação judicial contra as “outras” liquidações e opor-se à execução que possa ser instaurada, não pode, também por esta razão, admitir-se a presente intimação para o pretendido comportamento de abstenção por parte da AT. Face ao exposto, decido rejeitar liminarmente a tutela cautelar pretendida de intimação para um comportamento. Condeno a Requerente em custas, sem prejuízo do apoio judiciário concedido.” B - O presente Recurso merece – com o devido respeito – inteiro provimento, pois que a decisão da Mmª. Juíza a quo, ao indeferir liminarmente a providência cautelar interposta, não foi a mais acertada, segundo a perspetiva da Recorrente, o que expressa de igual modo, com todo o respeito, e não o foi, desde logo, porque a decisão da Mmª. Juíza a quo, contida na douta decisão recorrida, teve (na ótica da Recorrente) por base uma errada interpretação e aplicação dos preceitos legais aplicáveis em face dos factos alegados na petição inicial, bem como, dos pedidos aí formulados, os quais, merecem a tutela suscitada pela Recorrente.

C - Analisando em concreto a decisão proferida, decorrem assentes, os seguintes factos: “1. A requerente é herdeira na herança aberta por óbito da sua mãe, auferindo rendimentos – Cf. Doc. 1 e 2 juntos com a PI.

  1. O Serviço de Finanças de (...) liquidou oficiosamente IRS respeitante ao ano 2014, 2015, 2016 e 2018 (referentes a rendimentos provenientes da herança referida em 1) – Cf. Docs. 6, 7, 8, e 5, respetivamente.

  2. A requerente impugnou a liquidação do IRS de 2014 por entender, nomeadamente, que não era devido imposto uma vez que alega que os rendimentos não lhe foram entregues na totalidade pela Cabeça de Casal – Cf. doc. 6 junto com a PI.

  3. A impugnação referida em 3) deu origem ao processo 1139/18.1BEBRG deste Tribunal.

  4. A requerente impugnou a liquidação do IRS de 2015 por entender, nomeadamente, que não era devido imposto uma vez que alega que os rendimentos não lhe foram entregues na totalidade pela Cabeça de Casal – proc. 2112/18.5BEBRG.

  5. A impugnação referida em 5. deu origem ao processo 2112/18.5BEBRG deste Tribunal.

  6. O Serviço de Finanças de (...) instaurou um processo de execução fiscal contra a requerente respeitante ao IRS de 2015, tendo a requerente pago a quantia exequenda – Cf. Doc. 3 junto com a PI.

  7. A requerente reclamou graciosamente da liquidação de IRS de 2016 e recorreu hierarquicamente – Cf. Docs. 10 e 11 da PI.

  8. O Serviço de Finanças de (...) instaurou um processo de execução fiscal contra a requerente respeitante ao IRS de 2016, tendo a requerente prestado garantia/caução – Cf. Doc. 4 junto com a PI.

  9. A requerente solicitou ao Serviço de Finanças de (...) instruções para preencher a declaração de rendimentos para 2017 – Cf. Doc. Junto com a PI.” D- Tendo a Recorrente requerido no caso sub judice junto do TAF de Braga, o decretamento de uma providência cautelar de Intimação para um Comportamento, contra a A.T., para abstenção de uma conduta a que alude o artigo 112º, nº2, al. i) do CPTA e art.º 147º, nº 6 CPPT.

    E- Através desse pedido, a Recorrente demonstrou estarem preenchidos os pressupostos de que a lei a faz depender enunciados no artigo 120º, nº1 e nº2 do CPTA.

    F- Com efeito, estando em causa uma Providência requerida pelo obrigado fiscal no âmbito Tributário, haveria o Tribunal recorrido que ter atentado sobretudo aos pressupostos vertidos no artigo 147º nº 6 do CPPT.

    G- Ora, em sede de apreciação liminar da providência cautelar interposta, o Tribunal recorrido entendeu que não existe na esfera jurídica da Recorrente nenhum direito que possa contrapor à A.T. de modo a impedi-la de emitir liquidações e instaurar execuções fiscais, na medida em que esta já se encontrava acautelada com meios processuais ao seu dispor (impugnar administrativamente ou judicialmente, deduzir oposição, pedir suspensão da execução e prestar garantia ou pedir dispensa), para, em local próprio (como vem fazendo) se defender reclamando o seu direito à tutela jurisdicional efetiva.

    H- Concluindo, que não poderia impedir a AT de emitir liquidações quando, no entender daquela, existem rendimentos na esfera da Recorrente que ela auferiu e são tributáveis em IRS, embora tenha referido e dado como facto assente que a mesma houvera afirmado que não tinha recebido a totalidade dos mesmos, e que a Recorrente tinha à sua disposição meios para deduzir reclamações, impugnações e oposições judiciais e outros ainda que entendesse adequados para fazer valer os direitos que se arrogava, terminando, com a fundamentação de que sendo a intimação para um comportamento, um meio processual de utilização subsidiária, deveria dar-se prevalência a outros mecanismos específicos previstos pelo CPPT para a defesa de direitos dos contribuintes, e ainda, poderia a Recorrente utilizar a impugnação judicial contra as “outras” liquidações e opor-se à execução que pudesse vir a ser instaurada, não se justificando assim a instauração de uma Providência Cautelar, atenta a sua subsidiariedade e carácter residual previsto no art.º 146º nº 7 do CPPT, razão pela qual não poderia o Tribunal admitir a providência cautelar de intimação para o pretendido comportamento de abstenção por parte da AT.

    I - Ora, tal entendimento merece, com o devido respeito, reparo, porquanto em primeiro lugar considerou a Exma. Senhora Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, como um dos motivos para indeferir liminarmente o requerimento inicial, que a providência cautelar tinha carácter residual e que, no caso, a pretensão de tutela deduzida pela Requerente podia ser satisfeita por outro meio processual.

    J- Ora, ao contrário da fundamentação vertida pelo Tribunal recorrido, acontece, que nem sempre as Providências Cautelares são instrumentos residuais, como o comprova precisamente este caso que se trouxe a juízo, pois casos há, como o dos autos, em que revelando-se os meios processuais claramente insuficientes e improfícuos para a proteção do contribuinte, K- Só por meio de uma Providência do tipo da interposta o contribuinte pode, como é o caso, externalizar-se da malha onde caiu, desembaraçando-se de processos de execução fiscal ilegais, que são instaurados sem que se aguardem decisões judiciais referentes às impugnações em curso, pelas quais foram demonstradas previamente ilegalidades por violação das leis tributárias e até de violação de direitos constitucionalmente protegidos.

    L- E, a comprovar tais lesões (provocadas com violação da lei constitucional e tributária) foram juntos aos autos os comprovativos dos pagamentos que a Recorrente foi obrigada a concretizar.

    M- O que claramente comprovou que as formas pelas quais a lei lhe concede proteção contra atos tributários ilegais, não a protegeram, no passado, podendo revelar-se muitíssimo mais lesivas no futuro, como o comprova a nova Nota de Liquidação oficiosa referente ao ano de 2018 que lhe veio cobrar 22.404,57€, a título de imposto a pagar ao Estado, por tributação oficiosa de rendimentos que não auferiu.

    N- Valor pecuniário este, que já pesará demasiado no orçamento de quem a tem sustentado integramente desde o ano de 2017, não sendo sequer seguro e concretizável que o possa garantir em sede de execução fiscal, através de caução.

    O- Donde resulta a verificação incontestável que o legislador apesar de ter conferido particular eficácia à máquina fiscal - dotando-a com o legítimo intuito de arrecadar receita -, descurou o estabelecimento de meios de tutela que permitissem a defesa do Contribuinte, de modo efetivo, P- O que representa um deficit legislativo assinalável, principalmente quando, como é o caso, se indicia que o Estado pode não ter a razão do seu lado na arrecadação das receitas fiscais, ou mesmo em situações onde se verifica que o direito do contribuinte é desproporcionalmente afetado.

    Q- In casu, para mais, assiste-se a uma violação de normas constitucionais que se prendem com os Princípios da Igualdade e da Capacidade Contributiva, consagrados nos art.º s 13º, 103º e 104º da CRP, princípios estes que apesar de obviamente não poderem ser ultrapassados, têm encontrado resistência a ponto de serem instaurados sucessivos processos de execução fiscal para cobrança coerciva de impostos que previamente foram reclamados e impugnados pela Recorrente, e de se verificar um tempo assinalável para que as decisões judiciais sejam proferidas.

    R- E, enquanto a Recorrente aguarda a prolação dessas decisões, novas Notas de Liquidação são oficiosamente emitidas pela A.T., sem apelo nem agravo, sem que a Recorrente tenha alguma possibilidade de delas se defender, pelos meios normalmente instituídos, e...

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