Acórdão nº 03051/11.6BEPRT de Tribunal Central Administrativo Norte, 30 de Outubro de 2020

Magistrado ResponsávelMaria Fernanda Antunes Aparício Duarte Brandão
Data da Resolução30 de Outubro de 2020
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam, em conferência, na secção de contencioso administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: RELATÓRIO A., residente em (…), propôs acção administrativa comum, com processo ordinário, contra o Município de (...), pedindo a sua condenação no pagamento de uma indemnização no valor de €95.351,91, acrescido de juros de mora à taxa legal, a contar da citação e até integral pagamento, a título de responsabilidade civil extracontratual.

Por decisão proferida pelo TAF do Porto foi julgada parcialmente procedente a acção e condenado o Réu a pagar à Autora uma indemnização no valor de €1.291,75 (mil duzentos e noventa e um euros e setenta e cinco cêntimos), acrescida de juros de mora à taxa legal, a contar da citação e até efectivo e integral pagamento.

Desta vem interposto recurso.

Alegando, a Autora formulou as seguintes conclusões: 1. Decerto que por mero lapso de escrita, a p. 28 da sentença se refere a quantia de 25.000,00 €, em vez da de 35.000,00 € que surge nas demais passagens do texto da decisão, e que de facto resulta da fundamentação e das operações aritméticas realizadas. Assim sendo, devem fixar-se os danos em 15.167,00 € e a indemnização final em 15.167,00 € * 25% = 3.791,75 €, rectificando-se a condenação em conformidade – art. 614.º, n.º 2 CPC.

  1. Quanto a fixação da indemnização, não devia ter-se reduzido equitativamente o valor fixado no contrato-promessa para o apartamento, antes devia ter-se partido desse mesmo valor.

  2. Na falta de elementos para fixar a indemnização, e com vista a um melhor esclarecimento, para que o recurso à equidade não se transformasse numa mera arbitrariedade, de acordo com o disposto no art. 566.º, n.º 3 do Código Civil, o tribunal a quo devia ter ordenado a produção de diligências de prova adicionais, nos termos do art. 90.º, n.º 3 CPTA.

  3. Ou subsidiariamente podia ainda ter-se limitado a proferir uma condenação genérica.

  4. Resulta dos documentos ora juntos que, ao contrário do decidido, era perfeitamente credível o valor de 100.000,00, e a fixação da indemnização devia ter sido realizada em consideração a esse montante.

  5. Quanto aos danos sofridos pela Recorrente com o pagamento do IMI, devia ter-se tido em conta que, na economia do contrato, afirma-se uma vontade hipotética dos outorgantes no sentido de que a propriedade do apartamento seria transmitida para a Recorrente após a conclusão da obra, em 30 de Maio de 2007.

  6. Significa isto que, o mais tardar nesse momento, a Recorrente poderia exigir o cumprimento do contrato-promessa. Na falta de acordo requereria ao tribunal a fixação de prazo. Violando-se esse prazo lançaria mão dos expedientes previstos na lei, maxime a execução específica.

  7. Se o licenciamento tivesse sido obtido dentro do prazo, a Recorrente iria exigir o cumprimento do contrato-promessa, a que tinha direito, e ficaria absolvida do pagamento do imposto mencionado.

  8. Por outro lado, diz-se na sentença recorrida que «sempre teria de descontar-se aos danos sofridos pela A. com o pagamento de IMI, o valor de IMI que ela teria que pagar pela propriedade do apartamento que iria receber.» Porém, não se pode comparar o IMI devido pela propriedade de um apartamento T2 com o IMI que a Recorrente foi suportando relativamente a um terreno de quase três km2, fiscalmente avaliado em 400 mil euros.

  9. Há um prejuízo relativamente ao qual a Recorrente tem direito a ser ressarcida, e cuja liquidação pode bem fazer-se, com razoabilidade e ponderada prudência, conforme peticionado e através das circunstâncias supra referidas.

  10. Quanto à inibição de gozar as vantagens correspondentes à propriedade de um imóvel, o tribunal a quo devia ter considerado que pelo contrato-promessa a Autora obteve um direito tendente à constituição do direito de propriedade. Se o negócio se malogrou, e a Autora nunca se tornou proprietária, isso decorreu por causa imputável ao Réu.

  11. Estamos aqui perante lucros cessantes – art. 564.º, n.º 1 do Código Civil. Há um claro benefício, que é o de fruir das vantagens correspondentes a um apartamento T2, que a Recorrente deixou de obter em consequência da lesão.

  12. Sendo impossível averiguar-se o valor exacto desse benefício, deverá o tribunal julgar equitativamente, nos termos gerais, sendo que se afigura perfeitamente razoável o montante peticionado, pelos motivos invocados na petição inicial, e que por economia nos escusamos a repetir aqui.

  13. Quanto à questão da culpa do lesado: tendo como partida os factos provados, como não pode deixar de ser, não se vê quando é que a Autora deixou de dar cumprimento aos despachos da Câmara Municipal, antes manteve sempre uma atitude activa face à Administração.

  14. Quanto ao despacho de 13 de Abril de 2007, ele foi declaro nulo por sentença do TAF do Porto, confirmada por esse TCAN (facto 18), o que produz caso julgado e impede que esse despacho possa ser agora invocado em desfavor da Recorrente, como sucede (p. 30 e 31 da sentença). Não pode a Recorrente ser censurada por, de alguma forma, não ter dado cumprimento a um despacho nulo! 16. Por outro lado, as condições do acto de deferimento condicionado não são as mesmas que vinham sendo impostas em despachos anteriores.

  15. Mas, mais importante, não é a Recorrente que hipoteticamente poderia ser censurada por não ter dado cumprimento voluntário a alterações que posteriormente transitaram para o diferimento condicionado, sem que então tenham sido questionadas.

    A Câmara Municipal é que podia ter logo proferido o despacho de licenciamento condicionado! 18. Relativamente à possibilidade de a Recorrente ter dado execução imediata às obras, nos termos dos arts. 112.º, n.º 9 e 113.º, n.º 1 RJUE, desde logo se diga que o prazo fixado no acórdão desse TCAN era para que fosse proferido o despacho final do processo de licenciamento, mas que nesse momento o conteúdo desse despacho tanto podia ser o deferimento como o indeferimento.

  16. Enquanto existisse o risco abstracto de indeferimento, nunca o empreiteiro iria prosseguir a obra.

  17. De acordo com os termos do art. 4.º RRCEE, a Recorrente utilizou precisamente a via processual adequada: requerer a execução da sentença. A eventualidade prevista nos arts. 112.º, n.º 9 e 113.º, n.º 1 RJUE não é um meio processual, mas sim o direito a uma actuação material por parte do particular.

  18. O art. 4.º RRCEE é inconstitucional, numa interpretação que obrigue o lesado, para que não perca o direito integral à indemnização, a recorrer a todos os meios, processuais ou não, previstos na lei, por violação do princípio da plenitude da garantia jurisdicional administrativa – art. 268.º, n.º 4 da Constituição. Em particular, é inconstitucional na interpretação do tribunal a quo, segundo a qual, no caso dos autos, a Recorrente deveria ter-se prevalecido da possibilidade prevista nos arts. 112.º, n.º 9 e 113.º, n.º 1 RJUE.

  19. O referido art. 4.º, tal como o art. 570.º do Código Civil, exige um facto do lesado, que esse facto seja culposo, e que haja um nexo de causalidade entre esse facto e a produção ou agravamento dos danos. O Réu não cumpriu o ónus da prova desses requisitos.

  20. A actuação da Recorrente não é censurável, muito menos a título de culpa.

  21. Foi o Réu exclusivamente responsável pela produção dos danos, ao não cumprir o prazo que a lei impõe. Não deferiu nem indeferiu o licenciamento. Depois de condenado desrespeitou ostensivamente as decisões judiciais, e em sede de execução interpôs recurso, bem sabendo que a sua posição era manifestamente infundada, e que com a demora estaria a causar prejuízos à Autora.

  22. Não se pode aceitar que o montante indemnizatório seja reduzido para 25% – concluindo-se dessa forma que a culpa foi principalmente da Recorrente! Termos em que deve ser dado integral provimento ao presente recurso, e em consequência revogar-se a sentença recorrida, que deve ser substituída por outra que julgue integralmente procedente a acção.

    O Réu juntou contra-alegações, sem conclusões, finalizando assim: Termos em que deve negar-se provimento ao recurso e confirmar-se integralmente a decisão recorrida.

    A Senhora Procuradora Geral Adjunta, notificada ao abrigo do disposto no artigo 146º/1 do CPTA, emitiu parecer no sentido do não provimento do recurso.

    Cumpre apreciar e decidir.

    FUNDAMENTOS DE FACTO Na sentença foi fixada a seguinte factualidade: 1. A A. é legítima proprietária de um prédio misto, sito na freguesia de (...), inscrito na Conservatória do Registo Comercial de (...) sob o n.º 00034/110886 (cfr. certidão de registo predial a fls. 5 e ss. do p.a.); 2. Em 03.03.2004, a A. apresentou junto da Câmara Municipal do R. um pedido de licenciamento para a construção de um edifício multifamiliar na Rua (…), freguesia de (...), concelho de (...), que deu origem ao procedimento administrativo n.º 261/04 (cfr. requerimento a fls. 1 do p.a.); 3. Em 05.05.2004, foi aprovado o projecto de arquitetura apresentado pela A. no âmbito do procedimento administrativo referido em 2 (cfr. despacho a fls. 43 e 44 do p.a.); 4. Em 18.06.2004, a Câmara Municipal do R. emitiu certidão da existência de projecto aprovado, para efeitos de destaque de parcela (cfr. certidão a fls. 65 do p.a.); 5. Em 30.05.2005, foi celebrado um contrato designado por “Contrato Promessa de Permuta”, entre a A., em tal acto representada pelo seu pai, J. da Silva, na qualidade de primeira outorgante, e a sociedade “C., Lda.

    ”, na qualidade de segunda outorgante; 6. Do contrato referido em 5, constam, entre outras, as seguintes cláusulas: “(…) O PRIMEIRO OUTORGANTE DECLARA: (…) II Pelo presente contrato o PRIMEIRO OUTORGANTE promete dar ou ceder à SEGUNDA OUTROGANTE, o prédio dele supra referido e a SEGUNDA OUTORGANTE, promete dar em permuta ao PRIMEIRO OUTORGANTE, na 1ª Fase, um Apartamento tipo T2 no Rés-do-chão com garagem a Norte, na cave, no mesmo alinhamento vertical do referido apartamento, e em espécie a quantia de 125.000,00 € (cento e vinte cinco mil euros), subordinando o contrato as referidas clausulas que ambos os OUTORGANTES...

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