Acórdão nº 00884/12.0BEBRG de Tribunal Central Administrativo Norte, 30 de Outubro de 2020

Magistrado ResponsávelAlexandra Alendouro
Data da Resolução30 de Outubro de 2020
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam, em Conferência, os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:*I – RELATÓRIO: T.

, com os sinais dos autos, propôs no Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) de Braga, acção administrativa comum contra o CENTRO HOSPITALAR DO (...), E.P.E, e E.

, Médico Assistente Graduado de Cirurgia Geral, também com os sinais dos autos, com vista à efectivação da responsabilidade civil extracontratual, pedindo a condenação solidária dos Réus no pagamento da quantia de € 85.175,00, a título de danos morais e patrimoniais.

Para tanto, alegou que a intervenção cirúrgica a que foi submetida em 20/05/2004 constituiu uma violação do seu direito à integridade física e moral e, por conseguinte, geradora de responsabilidade civil a) por falta de consentimento livre, consciente e esclarecido a tal intervenção e b) por erro médico concretizado na desnecessidade da intervenção cirúrgica realizada para tratamento da doente e/ ou má execução da arte técnica cirúrgica, a apreciar de harmonia com a leges artis.

Em sede de saneamento, no que ora releva, considerou-se o médico demandado parte legítima apenas quanto à alegada “falta de consentimento livre, consciente e esclarecido do lesado”.

Foi admitida a intervenção da Seguradora A. – COMPANHIA DE SEGUROS, S.A., requerida pelo Réu E..

O TAF de Braga julgou parcialmente procedente a presente acção, condenando o Hospital da (...), E.P.E, no pagamento de uma indemnização no valor de € 1000,00, por ter realizado intervenção cirúrgica em 20/05/2004, sem prestar informação com vista a obter um consentimento livre, consciente e esclarecido da Autora, e absolvendo o Réu E. do pedido.

*Desta decisão vem a AUTORA interpor o presente RECURSO JURISDICIONAL.

[A entidade demandada também interpôs recurso jurisdicional, o qual não admitido por despacho proferido pelo TAF a quo, com fundamento no facto da decisão impugnada não ser desfavorável para o recorrente em valor superior a metade da alçada do tribunal que proferiu a decisão (sucumbência). Desta decisão não foi interposta reclamação.]*Em alegações de recurso, a Recorrente formulou as seguintes conclusões: “(…) I) o Tribunal "a quo" considerou factos que entendeu traduzirem alguma culpa da lesada, por não ter feito prova de que se tivesse recebido mais informação teria recusado o consentimento necessário para a intervenção cirúrgica e porque entre o diagnóstico e a realização da cirurgia decorreram três meses, a Autora prestou dois consentimentos para internamento/intervenção cirúrgica, com o teor constante do ponto X) da matéria de facto julgada provada, ou seja, um consentimento genérico e inespecífico; no entanto não refletiu sobre se devia recorrer a uma segunda opinião sobre a terapêutica adequada ao seu estado de saúde e respetivos riscos.

II) A Autora entende, salvo o devido respeito por douto entendimento contrário, ter sido produzida prova no sentido que se tivesse recebido mais informação, teria recusado o consentimento para a intervenção em causa, o que resulta do depoimento de parte prestado em sede de audiência de julgamento: Mandatária da Autora (31m20s): "...se a Senhora tivesse a noção, se tivesse a consciência e conhecimento dos riscos que podiam ocorrer, a Senhora tinha a possibilidade de consentir ou não consentir livre? Autora: Sim e não tinha consentido na altura, teria continuado na minha ideia era vigiar porque atualmente já tenho outro (nódulo) na outra metade (da tiróide) e está em vigilância. (32m10s).

III) Acresce que resulta da matéria de facto provada, sob os pontos JJ), NN), UU),VV), XX), ZZ), DDD), que se transcrevem infra, os danos resultantes da cirurgia em causa, com reflexos na vida pessoal, profissional e nos atos da vida diária da Autora: JJ. )Nessas consultas, a Autora queixou-se ao Segundo Réu dos sintomas que passou a padecer após intervenção cirúrgica, tais como: _ dificuldade em comer alimentos sólidos e secos como arroz, bolachas, maçãs ou pão, entre outros, por engasgamento fácil; _ dificuldade em dosear o ar que inspira e expira, principalmente enquanto fala, carrega pesos, realiza esforços; _ dificuldade em controlar o refluxo faringolaríngeo; _ crises frequentes de falta de ar, tosse e sensação de engasgamento – cf. declarações por parte da Autora e do Réu E..

NN.) Desde a cirurgia que a Autora apresentava queixas de dispneia de esforço (médios e grandes esforços), engasgamento fácil e episódios de laringoespasmo paroxístico – cf. declarações de parte da Autora e do Réu E., Relatório Médico da Dra. M..

UU.) Contudo, as queixas de refluxo faringo-laringeo são exacerbadas por uma laringe paralítica, tornando-se francamente mais sintomático do que o previsível numa laringe funcionante, podendo ser agravado por situações de stress – cf. Relatório Pericial de fls. 402 e ss. dos autos.

VV.) Com referência a uma escala de 1 a 10 pontos, a aspiração recorrente e/ou incompetência laríngea atinge 10 pontos – cf. de fls. 404 e ss. dos autos (relatório pericial) XX. )Após intervenção cirúrgica, a Autora deixou de poder realizar esforços, limitando a sua acção a nível pessoal, profissional e lúdico.

ZZ.) A autora vive angustiada e ansiosa com receio de ter crises de falta de ar(dispneia) graves ou de se engasgar de um momento para o outro.

DDD.) A Autora trabalha no escritório de uma empresa, com necessidade de percorrer distâncias entre o armazém e o seu posto de trabalho durante o horário laboral, de subir e descer escadas, o que muito lhe custa após a intervenção cirúrgica em causa nos autos e já lhe causou vários episódios de falta de ar, graves, com necessidade de ser assistida pelos seus colegas de trabalho.

Ora, decorre nomeadamente do senso comum, que se a Autora tivesse conhecimento do risco de lesão do nervo laríngeo, com consequente paralisia da corda vocal direita em abdução e paralisia da hemilaringe direita, com as limitações à sua vida profissional, pessoal e lúdica não teria dado o seu consentimento para a intervenção.

IV) Pelo que, deve ser julgado provado que se "a Autora tivesse recebido informação sobre o risco de lesão do nervo laríngeo, de paralisação da hemilaringe direita e paralisação da corda vocal direita, teria recusado o consentimento para a intervenção cirúrgica".

  1. Por outro lado, resulta da matéria provada sob ponto Q) que "A Autora confiou na opinião médica do Dr. E.", por ter confiado na opinião médica do segundo Réu, a Autora não procurou obter uma segunda opinião sobre a terapêutica adequada ou sobre os riscos decorrentes da cirurgia em causa.

    VI) Ainda que a Autora tivesse procurado uma segunda opinião, incumbia e era obrigação do segundo Réu prestar à Autora toda a informação e esclarecimentos sobre o diagnóstico, terapêutica e riscos decorrentes da cirurgia, necessários a um consentimento informado, esclarecido e livre.

    VII) O Tribunal "a quo" considerou que a Autora adoptou uma conduta passiva, concorrente para a falta de menção integral dos riscos em geral e do risco de lesão do nervo laríngeo em especial, em causa.

    VIII) Em consequência, entendeu o Tribunal "a quo" que a conduta da Autora devia ditar a redução da responsabilidade dos Réus nos termos do disposto no artigo 570º do Código Civil e consequentemente da indemnização a atribuir.

    IX) A Autora entende, salvo o devido respeito por douto entendimento contrário que no caso em apreço não praticou qualquer facto culposo para a produção ou agravamento dos danos, pelo que foi violado o artigo 570º do Código Civil.

  2. Deste modo, a Autora entende ter ocorrido erro na determinação da norma aplicável, salvo o devido respeito por douto entendimento contrário, por entender que não contribuiu nem concorreu para a falta do consentimento informado livre e esclarecido, não concorreu para a falta de menção integral dos riscos em geral e do risco em especial de lesão do nervo laríngeo em causa.

    XI) Acresce que, não estamos perante uma situação em que ocorra falha de adesão à terapêutica aconselhada pelo médico ou incumprimento de indicações ou conselhos médicos de tratamento ou terapêutica por parte da lesada, pelo que a Autora entende que não deve ser aplicada no caso em apreço a norma prevista no artigo 570º do Código Civil.

    XII) Pelo exposto, a Autora entende que ocorreu erro na determinação da norma aplicável, salvo o devido respeito por douto entendimento diverso, ao julgar o Tribunal "a quo" a existência de facto culposo praticados pela lesada concorrentes para a produção do dano, na fixação do montante da indemnização.

    XIII) Por se tratarem de danos não patrimoniais que pela sua gravidade merecem a tutela do Direito, a Recorrente entende ser aplicável a norma estabelecida no artigo 496, n.º1 e nº4 do Código Civil, devendo o pedido de indemnização ser fixado com recurso à equidade.

    XIV) Resulta da análise da douta Sentença recorrida, salvo o devido respeito por douto entendimento contrário, a ausência de fundamentação da fixação do valor indemnizatório atribuído pelo Tribunal "a quo" à Autora, apenas é referido no terceiro parágrafo da página 26 o seguinte: "Passando ao cálculo da indemnização assente em juízos de equidade tendo em conta o acima exposto, temos - após ponderação casuística da individualidade do caso concreto «sub iudicio» - que a indemnização deverá corresponder ao valor de 1000,00€".

    XV) O Tribunal "a quo" refere ter realizado uma "ponderação casuística da individualidade do caso concreto", no entanto não esclarece os critérios utilizados para tal ponderação, nem o modo como chegou ao valor da indemnização.

    XVI) Resultou provado que após a cirurgia realizada pelo segundo Réu em 20/05/2004 a Autora ficou com os seguintes danos: a Autora deixou de poder realizar esforços, limitando a sua ação a nível pessoal, profissional e lúdico; a Autora vive angustiada e ansiosa com receio de ter crises de falta de ar (dispneia) graves ou de se engasgar de um momento para o outro; no local de trabalho a Autora necessita de percorrer distâncias entre o armazém e...

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