Acórdão nº 02027/12.0BEPRT de Tribunal Central Administrativo Norte, 30 de Outubro de 2020

Magistrado ResponsávelHelena Ribeiro
Data da Resolução30 de Outubro de 2020
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam, em conferência, os juízes desembargadores da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: I.RELATÓRIO 1.

I.

, residente no Bairro (…), intentou a presente ação administrativa comum, com processo na forma ordinária contra a UNIDADE LOCAL DE SAÚDE DE (...), E.P.E, pedindo a condenação da Ré no pagamento de “uma indemnização pelos prejuízos e danos físicos e morais .... de montante global não inferior a 100.0000,00€ (cem mil euros), acrescido das custas e procuradoria condigna a seu cargo”, com fundamento em responsabilidade civil extracontratual decorrente de erro médico.

Para tanto, alegou, em síntese, que tem oitenta anos e que no passado dia 03 de março de 2011, na sequência de dores de barriga e mal-estar intestinal, que lhe provocou inchaço abdominal e diarreia, dirigiu-se às urgências do Hospital (...), entre as 13h00 e as 14h00, tendo sido enviada, pelas 20h00 para a parte de imagiologia para ser submetida a tomografia axial computorizada (TAC); Mal a enfermeira estava a introduzir o contraste, sentiu dor aguda mas aquela não cessou a punção nem a profusão do líquido no seu braço esquerdo, tendo de imediato a sua mão começado a inchar, o que logo foi dito à enfermeira, mas desvalorizado pela mesma; A zona de introdução do cateter foi ligada com ligadura médica cobrindo todo o pulso e parte da mão esquerda, tendo recolhido à enfermaria, sentindo um enorme formigueiro, calor, inchaço e dor por todo o braço esquerdo o que referiu constantemente aos enfermeiros; No início da madrugada do dia 04, chamou de urgência um enfermeiro e retiradas as ligaduras, verificou-se que estava a sofrer uma grave queimadura química devido ao extravasamento do contraste; Foi enviada para o Hospital de (...), onde desabafaram que tinha a mão de um monstro, tendo-a reencaminhado para o HPH com indicações precisas e concretas do tipo de cirurgia a realizar; No HPH foi sujeita a sete cirurgias, com o propósito de lhe salvar o braço esquerdo da amputação; Ficou sem força no braço, tem dores permanentes e perdeu quase toda a autonomia que tinha; As lesões sofridas decorreram da atuação dos profissionais de saúde ao serviço do Hospital Réu, decorrente do derramamento do líquido de contraste na mão esquerda que lhe causou queimaduras graves, bem como da atuação subsequente do pessoal médico e de enfermagem que desvalorizaram as dores e mal-estar de que estava a padecer, e que levaram a que tivesse que ser submetida a diversas cirurgias.

*1.2. Citado, o Réu contestou, defendendo-se por impugnação, invocando, em suma, que todos os procedimentos e regras de arte foram integralmente cumpridos — não foram violadas as leges artis; Na verdade, a A. foi devidamente informada dos riscos inerentes à realização do exame, nomeadamente do risco de extravasamento do produto, risco esse que ocorre com alguma frequência e que a mesma prestou “consentimento informado” para a realização do exame; Os profissionais de saúde assistiram a Autora de imediato, tendo esta sido internada para cuidados no braço esquerdo e estudo etiológico do quadro clínico, incluindo os resultados da TAC; Os danos reclamados pela Autora não foram provocados por qualquer ato ou omissão dos profissionais de saúde da R., os quais atuaram em conformidade com as leges artis aplicáveis ao caso em apreço; Assim, não é responsável pelo pagamento de qualquer indemnização à Autora.

*1.3. Proferiu-se despacho saneador, no qual se fixou os factos assentes e elaborou-se a base instrutória.

1.4. Realizou-se a audiência de julgamento com observância do legal formalismo, após o que se respondeu à matéria de facto controvertida, nos termos que constam de fls. 289 e ss. ( processo físico).

*1.5. Cumprido o disposto no art.º 657º do CPC, não foram apresentadas alegações de direito.

*1.6. Em 05 de dezembro de 2013, o TAF do Porto proferiu sentença, constando da mesma o seguinte segmento dispositivo: «Em face do exposto julgo a presente ação parcialmente procedente e, consequentemente, condeno o Hospital Réu, a pagar à A. Indemnização por danos não patrimoniais no montante de €15.000,00, acrescido de juros desde a notificação desta sentença.

Custas pelo Hospital Réu, na proporção do decaimento, dado que a A. beneficia de apoio judiciário.»*1.7. Inconformado com a sentença proferida pelo TAF que julgou a ação parcialmente procedente, o Réu interpôs recurso jurisdicional, formulando as seguintes conclusões: «1. Vem o presente recurso da douta sentença de fls..., que julgou a presente acção parcialmente procedente, por provada, condenando em consequência a Ré, ora Recorrente a pagar à Autora um indemnização por danos não patrimoniais, no montante de 15.000 €, acrescido de juros contados desde a notificação da sentença. Salvo o devido respeito, discordamos em absoluto da decisão proferida.

  1. Em termos sumários, as questões que se colocavam nos presentes autos eram, resumidamente, três: a) Saber se foi prestado consentimento informado, livre e esclarecido, para a execução da TAC; b) Saber se a TAC foi executada em conformidade com as leges artis; c) Saber se a Autora sofreu danos, patrimoniais ou não patrimoniais, na sequência dos factos ocorridos 3. O domínio em apreço é, assim, o da responsabilidade extracontratual por factos ilícitos. Deste modo, incumbia à Autora alegar e provar os requisitos do instituto da responsabilidade civil extracontratual: facto ilícito e culposo imputável aos profissionais da Ré e a existência de danos ocorridos como consequência directa e necessária daquela actuação ilícita 4. Realizada a audiência de julgamento, produzida e analisada a prova nos autos, o Tribunal Recorrido deu como provados os factos constantes do ponto III da sentença ora em apreço, considerando como não provados os factos descritos nesse mesmo ponto III.

  2. E produzida prova documental e testemunhal, entendeu o Tribunal considerar a presente acção parcialmente procedente - não podemos concordar com tal decisão, a qual - aliás - viola a Lei.

  3. No que respeita à apreciação da conduta dos profissionais de saúde da Ré na execução da TAC e procedimentos levados a cabo após a constatação da ocorrência de extravasamento de contraste, face à prova produzida, bem como, aos factos que o Tribunal considerou como provados, não se vislumbra em lado algum que os ditos profissionais tenham actuado de forma ilícita, nem culposa (seja com dolo ou negligência).

  4. Sobre esta matéria, não ficou provado, pois, que quer na execução da TAC, quer nos posteriores cuidados de saúde prestados à Autora, os médicos, técnicos ou os enfermeiros da Ré tenham violado as leis da arte: o exame foi bem executado e o extravasamento do contraste não ocorreu por qualquer falha, omissão ou falta de cuidado dos ditos profissionais, os quais, uma vez verificado o evento, fizeram tudo o que estava ao seu alcance e que lhes era imposto, para tentar debelar a lesão e minorar os efeitos danosos daquele episódio.

  5. Tal como resultou dos factos provados e da prova produzida em sede de audiência de julgamento, o extravasamento do contraste na execução da TAC constitui um risco inerente ao próprio exame, e que pode ocorrer, mesmo quando os profissionais que o executam e que acompanham a paciente, tenham observado todas as regras da boa execução do mesmo.

  6. Mais resulta dos ditos factos tido como provados e da prova efectivamente produzida em sede de audiência de julgamento, que após terem constatado o extravasamento do líquido, os profissionais de saúde da Ré executaram todas as acções que, segundo as leges artis, são as indicadas para situações de extravasamento de contraste e lesões provocadas por um evento deste género - fizeram tudo o que estava ao seu alcance e de acordo com as melhores práticas médicas para tentar debelar o problema e as lesões resultantes.

  7. Não consta dos factos tido como provados, que nesta matéria os profissionais da ré tenham violado - por acção ou por omissão - as regras da arte, quer na execução da TAC, quer na prestação de cuidados de saúde à Autora, antes e após o extravasamento do contraste.

  8. Se atentarmos, neste âmbito, aos factos tido como provados nas alíneas 6 a 36, 39 a 51, 54 a 58 e 104 e 105, verificamos com evidência, que a actuação dos profissionais da ré não é merecedora de qualquer censura: actuaram em conformidade com as leges artis.

  9. Ora, como bem constatou o Tribunal Recorrido - no que, sublinhe-se, está em conformidade com o que vem sendo defendido pela generalidade da Jurisprudência e Doutrina - a responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais entidades colectivas públicas, incluindo a Ré (entidade pública empresarial) por actos ilícitos e culposos, pressupõe a existência de um facto ilícito, imputável a um órgão ou agente e a existência de danos que tenham resultado como consequência directa e necessária daquele. (cfr. Acórdão do STA, de 24/05/2012, in www.dgsi.pt), 13. Não estão provados todos os requisitos e pressupostos da responsabilidade civil extracontratual - sobretudo, não está provado nos autos que os profissionais da Ré tenham actuado de forma ilícita, ou seja, que tenham violado a Lei e as Leges Artis: quer na execução do exame, quer nos cuidados prestados posteriormente, foram observados todos os procedimentos tido como adequados pela boa prática médica, de modo que não poderia ser exigido àqueles profissionais outro comportamento.

  10. Não obstante os factos tido como provados, o Tribunal Recorrido fez deles uma apreciação e concretização jurídica totalmente ilegal e ilegítima: considerou que os danos reclamados pela Autora foram causados pelo extravasamento do líquido de contraste, mas como não se apurou a verdadeira causa desse extravasamento o Tribunal Recorrido aplicou a regra constante do art 493º n.º 2 do CC, entendendo assim que competia à Ré alegar e provar que aplicou a aptidão e diligência possível, mas que., por razões que não podia prever ou controlar verificou-se o facto danoso.

  11. Dito de outra forma, entendeu...

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