Acórdão nº 02054/19.7BEBRG de Tribunal Central Administrativo Norte, 02 de Outubro de 2020

Magistrado ResponsávelHelena Ribeiro
Data da Resolução02 de Outubro de 2020
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam os Juízes Desembargadores do Tribunal Central Administrativo do Norte.

I - RELATÓRIO.

1.1.

A.

, residente na Rua (…), em (…), intentou a presente ação administrativa contra a CAIXA GERAL DE APOSENTAÇÕES (CGA), pedindo a anulação do «despacho de 16 de Julho de 2019 (e do qual o A. apenas tomou conhecimento em 26 de Julho de 2019, por via de correio simples) da Direcção da Caixa Geral de Aposentações» e a condenação da «Ré à prolação de novo despacho nos termos melhor descritos nos artigos 72º a 75º da presente petição inicial» Alegou, para tanto, que cumpriu uma comissão militar na Ex-Província Ultramarina de Moçambique, no período compreendido entre 10 de junho de 1970 a 11 de junho de 1972, integrando a Companhia de Caçadores n.º 2708 do Batalhão de Caçadores n.º 2915, com a especialidade de atirador; Que no dia 02 de dezembro de 1970, no decurso de uma operação militar, a viatura em que seguia acionou uma mina anticarro, projetando os seus ocupantes, entre os quais, o próprio, provocando-lhe graves ferimentos no braço esquerdo; Que à data do acidente inexistia legislação que permitisse o abono de uma pensão por invalidez aos militares do quadro de complemento; Desde então que não deixou de apresentar queixas de dores e rigidez no ombro e braço esquerdos; Em setembro de 2010 solicitou que fosse instruído processo para ser qualificado como deficiente das forças armadas, que veio a ser indeferido, não obstante o reconhecimento de uma incapacidade de 5%, com nexo de causalidade como serviço militar; Nessa sequência, apresentou requerimento junto da Ré, que indeferiu o seu pedido de pensão de invalidez, por entender que já havia decorrido o prazo de 10 anos previsto no artigo 24º do Decreto-lei 503/99; A referido despacho viola o artigo 56.º, n.ºs 1 e 2 do DL 503/99, de 20 de novembro, os artigos 127.º ( ex vi artigos 38.º, 54.º,n.º4 e 119.º) a 131.º do EAP na redação anterior ao DL 503/99.

*1.2 Citada, a Ré contestou, invocando, em suma, que o regime legal cuja aplicação vem peticionada pelo Autor encontra-se revogado desde 01 de maio de 2000, pelo n.º 2, do artigo 57.º do Decreto-Lei n.º 503/99, de 20 de novembro; Sustenta que o processo do Autor tem de seguir o regime atualmente vigente no Decreto-Lei n.º 503/99, de 20 de novembro, do qual decorre o prazo de 10 anos para requerer a reabertura de processo de acidente com fundamento em recidiva, agravamento ou recaída, o qual já se encontra ultrapassado.

Pede que a ação seja julgada improcedente.

*1.3. Proferiu-se despacho em que se dispensou a realização de mais diligências instrutórias e ordenou-se a notificação das partes para apresentarem alegações escritas (art.º 91.º-A do CPTA), o que ambas fizeram.

*1.4.

O TAF de Braga proferiu sentença que julgou a ação procedente, constando da mesma o seguinte segmento dispositivo: «Nestes termos, anulo o ato impugnado e condeno a Ré a praticar novo ato, considerando o regime legal aplicável (artigos 112.º, 118.º, n.º 2, e 127.º a 131.º, do Estatuto da Aposentação – aprovado pelo Decreto-Lei n.º 498/72, de 09 de dezembro).

Condeno a Ré no pagamento da totalidade das custas.

Registe e notifique.»*1.5.

Inconformada com o decidido, a Caixa Geral de Aposentações interpôs recurso jurisdicional da sentença pedindo a sua revogação, para o que formulou as seguintes conclusões: «A- Embora o regime transitório constante no n.º 2 do artigo 56.º do Decreto-Lei n.º 503/99 preveja que “As disposições do Estatuto da Aposentação revogadas ou alteradas mantêm-se em vigor em relação às pensões extraordinárias de aposentação ou reforma, bem como às pensões de invalidez atribuídas ou referentes a factos ocorridos antes da entrada em vigor do presente diploma.” a verdade é que a jurisprudência tem definido consistentemente a existência um prazo de caducidade que importa respeitar.

B- Como tem vindo a ser considerado na jurisprudência, o n.º 1 do artigo 24.º do Decreto-Lei n.º 503/99 estabelece um prazo de caducidade a contar da data da alta para o sinistrado requerer a reabertura do processo de acidente, com fundamento em recidiva, agravamento ou recaída – prazo que não existia no domínio da anterior legislação de reparação de acidentes de trabalho e doenças profissionais, pelo que os sinistrados de acidentes de trabalho cuja alta tenha sido atribuída em data anterior à entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 503/99, dispunham do prazo de 10 anos contados desde 2000-05-01 para proceder à eventual reabertura do processo de acidente de trabalho ou doença profissional.

C- E como exemplos dessa jurisprudência podemos citar os acórdãos do STA n.º 920/12, de 19 de dezembro, n.º 01232/09 de 2010-04-14 e n.º 0837/09, de 2010-11-18 (disponíveis em www.dgsi.pt).

D- Pelo que, a aplicação do regime transitório – de reparação dos acidentes de acordo com as disposições do Estatuto da Aposentação referentes aos factos ocorridos antes da entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 503/99, de 20 de novembro -, cinge-se aos processos cuja revisão ou reabertura tenha sido requerida na entidade empregadora pública até 2010-04-30.

E- Nessa medida, o direito reclamado pelo Autor já caducou, uma vez que na data em que requereu no Exército a abertura de um processo por acidente – somente em setembro de 2010 – tinha já sido ultrapassado o prazo de caducidade previsto no n.º 1 do artigo 24.º do Decreto-Lei n.º 503/99, de 20 de novembro.

F- Dada esta realidade jurídica deveria ter sido a CGA absolvida da instância.

G- Pelo que ao decidir de modo diferente, violou a sentença Recorrida o disposto no n.º 1 do artigo 24.º do Decreto-Lei n.º 503/99, de 20 de novembro.

Nestes termos e com o douto suprimento de V. Ex.

as deve a Sentença recorrida ser revogada, com as legais consequências».

*1.6.

O apelado contra-alegou, apresentando as seguintes conclusões: « 1ª A douta sentença recorrida não merece qualquer reparo ou censura, fazendo correta interpretação e aplicação da Lei.

2ª Estamos perante um acidente ocorrido antes da entrada em vigor do Decreto-Lei nº 503/99 de 20 de novembro, 3ª Ao qual se aplicam as disposições transitórias do artigo 56º do referido diploma, as quais visam acautelar os factos ocorridos no passado, isto é, antes de 01 de maio de 2000 (data da entrada em vigor do diploma, conforme dispõe o seu artigo 58º), 4ª Fazendo prevalecer o Estatuto da Aposentação Pública (EAP) em detrimento do Decreto-Lei nº 503/99.

Assim, 5ª Ao caso do A. aplicam-se as normas especiais sobre “pensão de invalidez de militares”, previstas nos artigos 127º e seguintes ex vi artigos 112º, 118º, nº2 e 38º do Estatuto da Aposentação Pública, na redação anterior ao Decreto-Lei nº 503/99.

Nesse sentido, 6ª O Acórdão do Pleno do Supremo Tribunal Administrativo, datado de 19-06-2014, proferido no Processo nº 01738 - a propósito da aplicação do regime transitório do Decreto-Lei nº 503/99 de 20 de Novembro aos acidentes ocorridos em serviço - já se pronunciou no sentido de “...

quanto aos acidentes em serviço, as disposições da lei, pela clareza do seu texto e pelo modo coerente como se articulam, revelam, como diz o acórdão recorrido, a intenção de incluir no novo regime as novas situações e manter o velho regime para as velhas situações”, 7ª Também o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, datado de 15 de março de 2019, proferido no âmbito do Processo nº 2243/15.3BEPRT, seguiu de perto o acórdão do Pleno do STA., 8ª Inexistindo, por via da aplicação do EAP, qualquer limite temporal para o referido efeito.

9ª A admitir-se a figura da recidiva a que alude o artigo 24º do DL 503/99 de 20 de novembro, teria a Ré que demonstrar que a lesão identificada é posterior à alta, Sendo que, 10ª Na ausência de tal indicação técnica pela junta médica militar, jamais se poderia concluir nesse sentido.

Sem prescindir, 11ª As decisões judiciais invocadas pela recorrente reportam-se a casos de servidores civis do Estado subscritores da Ré - o que não é o caso do A., oriundo do serviço militar obrigatório - que foram vítimas de acidentes em serviço regulados pelo Decreto-Lei nº 38523, de 23/11, Sendo que, 12ª Tal diploma foi revogado pelo Estatuto da Aposentação Pública (artigo 141º, nº1, a) do EAP), Pelo que, 13ª Aos militares oriundos do serviço militar obrigatório, aplica-se o regime especial previsto no artigo 127º a 131º do Estatuto da Aposentação Pública! Por outro lado, a verdade é que, 14ª A recorrente não se pronunciou sobre a existência ou não de nexo de causalidade entre as lesões do A. e a prestação do serviço militar obrigatório, ou atribuiu qualquer grau de desvalorização às mesmas, 15ª Por se demitir de o convocar para junta médica, Sendo que, 16ª É a junta médica da Caixa Geral de Aposentações a entidade competente para verificar e confirmar o grau de incapacidade geral de ganho, reconhecer o nexo causal entre as sequelas do acidente e a prestação do serviço militar, fixando a final, a pensão de invalidez ao Autor.

(Cfr. Acórdão do Pleno da Seção do Contencioso Administrativo do STA, proferido no Recurso 021321, datado de 18 de dezembro de 1990).

Por todo o exposto, 17ª A sentença recorrida fez a correta subsunção dos factos (provados) ao Direito, fazendo dessa forma JUS à letra e ao espírito da Lei, bem como ao entendimento da mais alta...

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