Acórdão nº 02005/18.6BEPRT de Tribunal Central Administrativo Norte, 22 de Outubro de 2020

Magistrado ResponsávelRosário Pais
Data da Resolução22 de Outubro de 2020
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam em conferência os Juízes da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte: 1. RELATÓRIO 1.1.

A Fazenda Pública vem recorrer da sentença do TAF do Porto, proferida em 28.05.2020, pela qual foi julgada procedente a reclamação deduzida pela executada T., S. A.

contra o despacho da Exma. Senhora Diretora de Finanças Adjunta da Direção de Finanças do Porto que indeferiu o pedido de constituição de garantia prestada através do registo de hipotecas voluntárias de prédios pertencentes à Sociedade S., Lda, no âmbito dos processos de execução fiscal n.º 3468201701020579, 3468101601274554 e 3468201601296060.

1.2. A Recorrente Fazenda Pública terminou as respetivas alegações formulando as seguintes conclusões: «A. Nos autos em referência, a douta sentença julgou a presente reclamação procedente, e, em consequência, “anulando o ato reclamado, com as inerentes consequências.” B. Para fundamentar as conclusões alcançadas, estriba-se a douta sentença recorrida (alicerçada apenas no acórdão proferido pelo STA em 17/12/2014 no processo 01315/14 e no pleno do STA em 16/03/2016 no mesmo processo) na seguinte argumentação, que aqui se sintetiza: “(...) impondo-se à AT o dever de proceder à audição da reclamante em ordem a esta poder instruir o procedimento de apreciação das garantias oferecidas em ordem à sua idoneidade designadamente com os elementos documentais tidos por necessários para comprovar o justificado interesse próprio da sociedade garante na prestação da garantia através de hipotecas constituídas sobre bens de sua propriedade”; “E não se verificava qualquer situação de urgência determinante de dispensa de audição enquanto corolário do princípio da participação consagrado no artigo 60º da LGT.” C. Entende a Fazenda Pública que a douta sentença, salvo o devido respeito, deverá ser declarada nula, porquanto, no caso concreto, incorreu em erro de julgamento de facto e de direito, pelas razões que passa a elencar.

D. O pedido de prestação de garantia nos termos do artigo 199.º do CPPT destina-se a disciplinar os termos em que a execução pode ficar suspensa ou prosseguir, integrando o quadro normativo que regula o seu andamento, não dando origem a qualquer procedimento de natureza tributária, e, consequentemente, a decisão de tal pedido fica a cargo da administração tributária enquanto órgão da execução fiscal (e não enquanto exequente ou credora), ou seja, no exercício das funções de auxiliar ou de colaborador operacional do processo de execução fiscal.

E.

Ou seja, os actos praticados pela administração tributária no processo de execução fiscal (como auxiliar ou colaborador no processo de execução), nomeadamente a decisão sobre o pedido de prestação de garantia, estão subordinados às regras processuais aplicáveis aos actos de natureza não jurisdicional praticados nos demais processos judiciais tributários e não às regras dos actos administrativos tributários ou do procedimento tributário (onde se insere o artigo 60º da LGT - Título III, Capítulo I da LGT).

F.

A jurisprudência é unânime neste sentido. Veja-se, a título de exemplo, o acórdão do STA no processo n.º 0803/12, de 08.08.2012: “IV – Pelos efeitos produzidos, o acto de indeferimento do pedido de prestação de garantia é um acto predominantemente processual: impede o efeito suspensivo da execução, procedendo-se de imediato à penhora ou à compensação de dívidas (cfr. nº 2 do art. 169º nº 1 do art. 89º do CPPT).

V – Por isso, à formação desse acto processual não se aplicam as regras do procedimento tributário designadamente a do artigo 60º da LGT.” G. Por outro lado, o direito de audição não é um direito absoluto no sentido de que sempre e em qualquer circunstância o interessado, in casu, o contribuinte, tenha que ser ouvido no âmbito do procedimento, por não assumir a audiência prévia, de acordo com a doutrina e jurisprudência dominantes, natureza de direito fundamental.

H.

De facto, o direito de participação não decorre directamente do artigo 267º nº 5 da CRP, o qual não estipula que a não realização da audição prévia determine sempre a invalidade do acto ou decisão tomada com omissão de tal formalidade.

I.

O que decorre deste preceito constitucional é apenas que a obrigação de o legislador disciplinar todo o procedimento administrativo de modo a que esta exigência de participação dos cidadãos na formação das decisões que lhes respeitem seja sempre assegurada.

J.

Ora, no caso dos autos não se pode minimamente afirmar que a função garantística de defesa do contribuinte (ora reclamante) tenha sido lesada com a omissão da audição prévia, a qual mostra-se justificada, sendo mesmo imposta por lei que proíbe a prática de actos inúteis, uma vez que embora a decisão tenha sido desfavorável à ora reclamante, o certo é que tal decisão tem como base factual apenas os elementos por si apresentados, tendo sido oportunamente assegurado à ora reclamante toda a possibilidade de intervir e apresentar as suas razões (vide facto provado “J” na sentença ora recorrida).

K.

Por outro lado ainda, embora o artigo 60.º da LGT não preveja expressamente situações de dispensa do dever de audição prévia no procedimento tributário para os procedimentos em que há, de forma objectiva e revelada pela lei, urgência na prolação da decisão, cremos que deve apelar-se ao regime contido no Código de Procedimento Administrativo, cujo artigo 103º, n.º 1 alínea a) estabelece que não há lugar a audiência dos interessados «Quando a decisão seja urgente», por força da aplicação subsidiária desta norma em conformidade com o disposto no artigo 2º, alínea c) da LGT».

L.

Neste sentido, entre outros, o acórdão do STA no processo 0864/12, de 12.09.2012: “I - O processo de execução fiscal é, por sua natureza, um processo célere destinado à cobrança dos créditos do Estado e de outras entidades públicas. III - Em processo de execução fiscal, o único caso em que é admissível o exercício do direito de audição prévia é o da reversão da execução, mas, neste caso, por disposição expressa da lei (artº 23º, nº 4 do CPPT).” M. E, ainda mais elucidativo para o caso concreto, veja-se o Acórdão do STA de 29.07.2015 no proc. n.º 0875/15: “I - Não constitui preterição de formalidade violadora dos artigos 267 da CRP e 60 da LGT a não audição do executado antes da decisão de indeferimento do pedido de prestação de garantia com vista a sustação da execução fiscal em curso.

II - Neste caso a urgência da decisão consagrada no artigo 170/4 do CPPT e o disposto no artigo 103 do CPA justificam entre outras razões a dispensa desta audição prévia.” N. Destarte, decidindo da forma como decidiu, a douta sentença ora recorrida enferma de ERRO DE JULGAMENTO DE FACTO E DE DIREITO, pelo que deverá ser revogada.

Termos em que, Deve ser concedido provimento ao presente recurso jurisdicional e, em consequência, ser revogada a douta sentença recorrida, com as legais consequências.

» 1.3. A Recorrida T., S. A.

não apresentou contra-alegações.

1.4. O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu o parecer, em 14.08.2020, com o seguinte teor: «A Fazenda Pública vem interpor recurso da sentença do Mmº Juiz do TAF do Porto que que, no âmbito de reclamação de acto do órgão de execução fiscal, nos termos do artigo 276º e segs., do CPPT, a julgou improcedente.

T., S.A. reclamou do despacho proferido pela Directora de Finanças Ajunta da Direcção de Finanças do Porto, de 11/7/2016, que indeferiu o pedido que indeferiu o pedido de constituição de garantia prestada através do registo de hipotecas voluntárias sobre os imóveis melhor id. nos autos.

Invocou, entre outros fundamentos, a preterição de formalidade legal, por não ter sido notificada para o direito de audição prévia, relacionado com a prestação de garantia, pelo que, foi violado o disposto no artigo 60º nº1 da LGT.

*É jurisprudência pacífica que o âmbito do recurso é definido pelas conclusões extraídas pelo recorrente das respectivas concussões.

*Alega a Fazenda Pública, em resumo, que a sentença enferma de erro de julgamento, ao entender que não foi concedida à reclamante o direito de audição previamente ao indeferimento do pedido de dispensa de garantia, anulando o acto reclamado.

Cremos que lhe assiste razão.

É jurisprudência consolidada do STA que independentemente do entendimento que se subscreva relativamente à natureza jurídica do acto de indeferimento do pedido de dispensa de prestação de garantia para obter a suspensão do processo de execução fiscal - como acto materialmente administrativo praticado no processo executivo e ou como acto predominantemente processual - não há, nesse caso, lugar ao direito de audiência previsto no artigo 60.º da Lei Geral Tributária. V. entre outros os Acs de 20/6/2012; 26/9/2012; 8/4/2015; 29/7/2015 e 7/10/2015, respectivamente nos processos nºs 0625/12; 0708712; 0334/15; 0875/15 e 1075/15, todos in www.dgsi.pt.

Igualmente, como se escreveu no processo 0489/12 de 23/5/2012, in www.dgsi.pt: “...o próprio requerimento em que o interessado expõe a sua pretensão, indicando todas as razões que, em seu entender, a justificam, e ao qual é obrigado ajuntar logo todos os elementos de prova, desempenha já a função de audiência prévia, não havendo que chamá-lo novamente a participar na formação da decisão dada a regra geral contida no n.º 3 do art. 60.º da LGT quando aplicada a todos os procedimentos tributários que culminem com um acto final lesivo, seja ele ou não um acto de liquidação." Face ao exposto, o recurso merece provimento.

» Dispensados os vistos legais, nos termos do artigo 657.º, n.º 4, do CPC, cumpre apreciar e decidir, pois que a tanto nada obsta.

  1. DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR Uma vez que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações da Recorrente, cumpre apreciar e decidir se a sentença enferma de nulidade por erro de facto e de direito, ao entender que foi preterida a participação da Recorrida na decisão de indeferimento do requerimento de prestação de garantia...

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