Acórdão nº 00060/14.7BUPRT de Tribunal Central Administrativo Norte, 22 de Outubro de 2020

Magistrado ResponsávelAna Patrocínio
Data da Resolução22 de Outubro de 2020
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte: I. Relatório A Excelentíssima Representante da Fazenda Pública interpôs recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro, proferida em 30/04/2014, que julgou procedente a impugnação judicial deduzida por B., Lda., NIPC (…), com sede em (...), contra a liquidação de IRC, com o n.º 8310004972, relativa ao ano de 1999, no valor de € 18.238,49.

A Recorrente terminou as suas alegações de recurso formulando as conclusões que se reproduzem de seguida: “A. É com detalhe que o relatório final da ação inspetiva evidencia no ponto IV. as anomalias e incorreções que colocaram em crise a veracidade dos elementos declarados pela ora recorrida, fundamentadoras do recurso à avaliação da matéria tributável por métodos indiretos.

B. Assim, foi apurada em sede de inspeção a existência de divergência entre os valores declarados nas vendas e os valores consumidos, indiciando tal facto a omissão de vendas de quadros.

C. Identicamente, verificou-se no âmbito inspetivo haver falta de credibilidade na valorização dos inventários, resultando também daí indícios de omissão de vendas de quadros.

D. A factualidade constante do ponto IV. do relatório elaborado pelos Serviços de Inspeção Tributária da Direção de Finanças de (...), para que se remete, integra os pressupostos para aplicação dos métodos indiretos, e demonstra de forma cabal e sustentada os motivos e a fundamentação do recurso à aplicação de métodos indiretos, destacando-se em particular os pontos IV.2.1.1 e IV.3.1, parcialmente transcritos supra, donde decorre que, na matéria de facto provada, ao invés do que sucedeu na sentença recorrida, devia também constar expressamente o inserto nos pontos IV.1, IV.2, IV.2.1, IV.2.1.1, IV.2.2.1, IV.2.3 (incluindo IV.2.3.1. IV.2.3.2 e IV.2.3.3), IV.3 (incluindo IV.3.1) e IV.4 (incluindo IV.4.1) do relatório de inspeção tributária, designadamente que «Deste modo o Sujeito Passivo não valorizou as existências de acordo com os critérios de valorimetria definidos no POC, pois que segundo os esclarecimentos prestados, as existências vinham sendo valorizadas para efeitos de inventário ao preço provável de realização.

Por outro lado a valorimetria dos mesmos foi alterada anualmente, sem que tivessem sido feitas novas aquisições de material.

Donde as Demonstrações Financeiras da empresa não apresentam as características qualitativas definidas no ponto 3.2 do POC (Relevância, Fiabilidade e Comparabilidade), ferindo também alguns dos princípios contabilísticos geralmente aceites (p.c.g.a), nomeadamente o da "consistência" e o do "custo histórico".

Em nossa opinião, esta valorização dos stocks apenas serviu para "compor a margem bruta das vendas e fazer face à possível omissão de vendas.».

E. E ainda que «Como se verifica no mapa atrás descriminado, o consumo de centros pedaleiros é superior ao n.º de quadros vendidos anualmente pela empresa.

Como referido no ponto IV.2.1, deste Relatório não verificamos divergências entre as quantidades constantes do inventário de 1998 e quantidades vendidas nos anos de 1999 e 2000 relativamente às matérias-primas vendidas nos anos anteriores.

Já no que respeita à valorimetria destes bens verificamos incorreções conforme relatado no ponto IV.2.1.1.

Também pela amostragem efetuada a outros bens e relatada no ponto IV 2.3. se confirma que a valorimetria dos inventários não está correta.

Deste modo na sequência dos testes efetuados, os inventários serão credíveis a nível de quantidades, não o sendo porém a nível de valorimetria.

Donde, considerando corretas as quantidades existentes nos inventários finais dos anos em análise, verificamos indícios de omissão de vendas de quadros, já que, os consumos obtidos de centros pedaleiros são superiores ao número de vendas de quadros declarados anualmente.».

F. Por conseguinte, relativamente à matéria de facto tendo o juiz o dever de consignar na sentença a matéria provada e não provada (cfr. artigo 123.°, n.º 2 do CPPT), face ao exposto verifica-se ter ocorrido no caso vertente erro de julgamento na seleção da matéria de facto.

G. Paralelamente e em conjugação com o consagrado na decisão recorrida nos pontos F), G) e H) dos factos provados, resulta que, ao ter sido decidido na sentença em apreço que ocorreu uma preterição de formalidade essencial por preterição da notificação prevista na alínea a) do artigo 88.° da LGT, afigura-se-nos que, salvo sempre o devido respeito, a Meritíssima Juíza do Tribunal a quo fez um incorreto julgamento da matéria em causa, violando o disposto na alínea b) do artigo 87.° e, assim, também na alínea a) do artigo 88.° da LGT (na versão vigente à data dos factos), bem como, o artigo 52.°, n.º 2 do CIRC (na versão então aplicável).

H. No caso concreto, verificou-se uma impossibilidade de controlar as operações registadas na contabilidade da ora recorrida desde logo pela falta de credibilidade dos inventários e pela divergência entre os valores declarados nas vendas e os valores consumidos o que determinava que a contabilidade da impugnante não merece fiabilidade e que, também diretamente através dessa contabilidade não era possível apurar o efetivo montante do volume de negócios decorrente do exercício da sua atividade.

I. Por isso, no caso dos autos a passagem aos métodos indiretos não está dependente da prévia notificação do sujeito passivo para regularizar a sua escrita ou para proceder à apresentação da mesma, pois que, a dita notificação só constitui pressuposto para a passagem aos métodos indiretos quando se trate de simples falta de escrituração dos livros e registos contabilísticos ou da sua exibição imediata, mas já não nos casos em que a contabilidade se encontre eivada de erros substanciais, não sendo possível através dela apurar os reais custos e os reais proveitos.

J. Neste conspecto, impõe-se trazer à colação o disposto no então vigente artigo 52.° do CIRC (na redação aplicável à data dos factos), sendo manifesto que as anomalias detetadas e elencadas no ponto IV. do relatório final de inspeção não são enquadráveis no artigo 52.°, n.º 2 do CIRC e com o qual o estatuído na alínea a) do artigo 88.° da LGT tem que ser necessariamente articulado.

K. Daí resultando que a notificação em equação não tem lugar quando se está perante situações de vícios substanciais da contabilidade.

L. Sem embargo da natureza dos vícios detetados, de todo o modo, sempre se diga, que não era possível no presente caso suprir as incorreções detetadas, porquanto, estava em causa todo o inventário contabilístico da impugnante e a omissão de vendas aos registos contabilísticos.

M. A este propósito veja-se o Acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo Sul, de 13/12/2005, processo n.º 00706/05, onde se decidiu que a notificação para se proceder à regularização não constitui pressuposto para a aplicação de métodos indiretos, quando a contabilidade se encontre eivada de erros substanciais, não sendo possível através dela apurar os reais custos e os reais proveitos.

N. Neste âmbito, e no mesmo sentido, veja-se, ainda, o Acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo Sul, de 07/06/2011, proferido no processo n.º 04346/10.

O. Assim, a contabilidade do sujeito passivo (ora recorrida) apresentava incorreções que comprometiam o apuramento da matéria tributável diretamente através dos seus registos e lançamentos, desta forma não refletindo a totalidade das operações efetuadas nos exercícios a que se reportava a ação inspetiva, não sendo por isso merecedora de confiança para através dela apurar o real volume de operações efetuadas pela impugnante, ora recorrida, desde logo pela falta de credibilidade dos inventários, das compras e das vendas contabilizadas, cujos lançamentos entre si se contradiziam, não tendo que ser (nem tão-pouco podendo ser) a ora recorrida notificada para suprir tais incorreções da contabilidade, as quais traduzem erros substanciais que deturpam a situação real da empresa e que não permitem controlar as operações registadas na contabilidade e, bem assim, apurar o efetivo montante de vendas da recorrida.

P. Pelo que, a douta sentença sob recurso fez um incorreto julgamento da matéria em causa, tendo feito uma incorreta valoração e apreciação da prova, do mesmo modo que não fez a melhor interpretação e aplicação da lei, violando, pois, o disposto na alínea b) do artigo 87.° e, assim, também na alínea a) do artigo 88.° da LGT (na versão vigente à data dos factos), bem como, o artigo 52.°, n.º 2 do CIRC (na versão então aplicável).

TERMOS EM QUE, deve ser concedido provimento ao presente recurso e, em consequência, deve ser revogada a sentença recorrida, como é de inteira JUSTIÇA.”****Não houve contra-alegações.

****O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido de dever ser negado provimento ao recurso.

****Tendo por base o recurso interposto pela Fazenda Pública, afigurou-se-nos que poderia este tribunal vir a conceder provimento ao mesmo.

Ora, na eventualidade de assim ser, haverá que fazer apelo ao disposto no artigo 665.º do CPC, devendo o Tribunal Central Administrativo proceder à apreciação das questões que o tribunal recorrido considerou prejudicadas pela solução que encontrou para o litígio, se dispuser dos elementos necessários para tal.

Nesta conformidade, tendo em vista conhecer em substituição ao tribunal recorrido, notificou-se cada uma das partes, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 665.º, n.º 3 do CPC.

Somente a Fazenda Pública se pronunciou, conforme teor constante da peça processual ínsita a fls. 161 a 166 do processo físico.

****Com dispensa dos vistos legais, tendo-se obtido a concordância dos Meritíssimos Juízes-adjuntos, nos termos do artigo 657.º, n.º 4 do CPC; cumpre apreciar e decidir.

****II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela...

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