Acórdão nº 00910/19.1BEPRT de Tribunal Central Administrativo Norte, 31 de Janeiro de 2020

Magistrado ResponsávelNuno Coutinho
Data da Resolução31 de Janeiro de 2020
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam em Conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: I Relatório S., S.A.

requereu contra a C., E.M.

, providência cautelar, na qual peticionou fosse intimada a requerida a abster-se de executar a garantia bancária prestada em 24 de Maio de 2016, prorrogada em 29 de Março de 2019, tendo igualmente peticionado fosse intimada a entidade requerida, se tivesse feito alguma comunicação de accionamento da referida garantia junto da entidade garante a adoptar os comportamentos necessários a impedir o mesmo accionamento ou o respectivo pagamento.

Por sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto foi indeferida a pretensão formulada.

Inconformada com o decidido, a Req. recorreu para este TCA, tendo formulado as seguintes conclusões: “A. O presente recurso incide sobre a decisão proferida pelo Tribunal a quo, que veio indeferir a providência cautelar requerida pela S., S.A., decisão que é objecto de impugnação em matéria de facto e em matéria de direito.

  1. Subjacente à presente providência cautelar está a pretensão de inibir a Águas do (...) de executar uma garantia bancária prestada pela S., S.A., no valor de € 574.998,90 (quinhentos e setenta e quatro mil novecentos e noventa e oito euros e noventa cêntimos), na medida em que essa execução está a ser promovida com o intuito exclusivo de forçar a S., S.A. a praticar um ato a que não está obrigada e que a Águas do (...) não pode exigir: o reforço dessa garantia bancária além do limite legalmente estabelecido.

  2. Mesmo que assim não fosse e se olhasse à decisão de aplicação de penalidades a que o Tribunal a quo atendeu, a mesma decisão é manifesta e profundamente ilegal, pelo que sempre permitia a verificação dos requisitos necessários para que a presente providência cautelar seja decretada.

  3. A pretensão da Águas do (...) de executar tal garantia bancária é, por isso e de forma clara, abusiva e deve ser prevenida pelo Tribunal ad quem.

  4. Quando à decisão do Tribunal a quo sobre a matéria de facto, o facto assente n.º 19 deve ser alterado e, tendo como fundamento nos Docs. 12 e 15 juntos com o requerimento inicial, deve ter o seguinte conteúdo: Em 17.08.2018, foi emitido ofício pela AMBI(...) 2 dirigido à Águas do (...) propondo a outorga de um acordo para a realização de uma perícia, nos termos previstos nessa comunicação.

  5. O facto assente n.º 20 deve ser alterado e, com fundamento nos Docs. 12 e 15 juntos com o requerimento inicial, deve ter o seguinte conteúdo: Em 13.09.2018, a Águas do (...), através de ofício, comunicou ao ACE que discordava do âmbito proposto para a mencionada perícia, propondo o seu alargamento a um conjunto de matérias referidas nesse ofício. G. O facto assente n.º 29 não pode ser dado como provado, tendo em consideração a alegação constante do artigo 68.º do requerimento inicial, pelo que decidiu mal o Tribunal a quo ao considerar essa matéria como assente.

  6. O facto assente n.º 42 deve ser alterado e, com fundamento nos Docs. 27, 28 e 34 juntos com o requerimento inicial, deve ter o seguinte conteúdo: Em 27.03.2019, a Requerida exigiu o reforço do valor da garantia em 20%, indicando que, não sendo tal reforço feito, executaria as garantias bancárias prestadas pela S., S.A. e AGS.

    I. O Tribunal a quo decidiu mal ao não ter considerado relevante para a decisão da presente providência cautelar a matéria de facto constante dos artigos 15.º, 17.º, 29.º a 34.º, 40.º a 42.º, 44.º, 46.º, 47.º, 49.º, 58.º, 62.º, 63.º, 66.º, 68.º, 72.º, 74.º, 75.º, 76.º, 82.º, 83.º, 84.º, 106.º, 107.º, 119.º a 124.º, 127.º, 131.º a 143.º e 200.º a 208.º do requerimento inicial, pelo que, sem prejuízo do disposto nas conclusões seguintes que, de per si, já permitem o decretamento imediato da providência cautelar requerida pela S., S.A., deve ser admitida a produção de prova a esse respeito, com a correspondente alteração da decisão sobre a matéria de facto.

  7. Em função do disposto na conclusão anterior, a decisão do Tribunal a quo no sentido de recusar a produção de prova testemunhal mostra-se inválida, o que se invoca para todos os efeitos legais.

  8. O Tribunal a quo considerou que a execução da garantia bancária em causa teria na sua base uma situação de incumprimento contratual e, em função disso, uma decisão de aplicação de penalidades no montante de, cerca de, € 15.000.000,00 (quinze milhões de euros). Porém, esse montante correspondente a cerca de 63% do valor do contrato de prestação de serviços celebrado entre a Águas do (...) e a AMBI(...) 2, que aquela garantia bancária pretende caucionar, ou a cerca de 200% do valor total de execução financeira desse mesmo contrato, pelo que, em qualquer cenário, viola manifestamente os limites legalmente aplicáveis para o efeito e previstos no artigo 329.º, n.os 2 e 3, do Código dos Contratos Públicos e nas Cláusulas 8.7.2. e 8.7.3. do Caderno de Encargos.

    L. Qualquer pretensão de cobrança, designadamente por via de execução de uma garantia bancária (e da prestada pela S., S.A.), daquela mesma importância é manifestamente ilegal e abusiva, pelo que decidiu mal o Tribunal a quo ao recusar o decretamento da presente providência cautelar.

  9. A pretensão da Águas do (...), designadamente por via da execução da garantia bancária referida e por outras vias, de obter o pagamento da referida importância de cerca de € 15.000.000,00 (quinze milhões de euros) significaria, na prática, que a AMBI(...) 2 teria de prestar gratuitamente os serviços que prestou, ao longo pouco menos de 3 anos, à Águas do (...), e, por cima disso, ainda teria de pagar à Águas do (...) um valor equivalente a € 6.000.000,00 (seis milhões de euros).

    Nenhuma disposição legal admite tal actuação, o que torna a postura da Águas do (...), incluindo no que respeita à execução da garantia bancária, manifestamente ilegal. Também por esta razão decidiu mal o Tribunal a quo.

  10. Entrando em maior detalhe, as penalidades referidas incluem um valor próximo de € 1.000.000,00 (um milhão de euros) apenas por referência à falta de entrega de documentação, sendo que alguma da documentação foi entregue à Águas do (...). Assim, a execução da garantia bancária prestada pela S., S.A. com vista à cobrança desta importância é abusiva, pelo que o Tribunal a quo decidiu mal ao ter indeferido a presente providência cautelar.

  11. As penalidades referidas incluem ainda um valor próximo de € 5.000.000,00 (cinco milhões de euros) apenas por referência à suposta violação pela AMBI(...) 2 de determinados valores paramétricos, sendo que não existe qualquer nexo entre o valor dessas penalidades e o conteúdo da obrigação supostamente incumprida, além de esta penalidade exceder manifestamente o enquadramento sancionatório previsto, nesses casos, na legislação aplicável.

  12. A execução de uma garantia bancária para cobrança destas importâncias seria sempre abusiva, pelo que decidiu mal o Tribunal a quo.

  13. As penalidades referidas incluem também um valor próximo de € 7.000.000,00 (sete milhões de euros) apenas por referência ao suposto atraso na reparação de determinados equipamentos, sendo certo que alguns dos equipamentos em causa foram reparados, outros não tinham qualquer reparação e em relação a outros o prazo de reparação considerado pela Águas do (...) é tecnicamente incompatível com o próprio esvaziamento desses equipamentos, enquanto condição para a sua reparação. A execução de uma garantia bancária para cobrança desta importância seria sempre abusiva, em função desse desfasamento que torna ilegal a decisão de aplicação de penalidades, pelo que decidiu mal o Tribunal a quo.

  14. Em relação a qualquer uma das penalidades referidas e aos demais parciais a que se alude na correspondente decisão de aplicação, não existe qualquer ligação ou qualquer nexo entre o montante pretendido pela Águas do (...) a esse título e o conteúdo e efeitos decorrentes do suposto incumprimento da mesma obrigação, o que torna as penalidades totalmente arbitrárias e, consequentemente, ilegais.

  15. A execução de uma garantia bancária para a cobrança dessas importâncias seria sempre abusiva, em função desse absoluto e inequívoco desfasamento, pelo que decidiu mal o Tribunal a quo.

  16. As penalidades aplicadas pela Águas do (...) têm uma natureza compulsória, sendo disso manifestação a circunstância de serem calculadas em função de cada dia de atraso. Nesse sentido, pretendem compelir o adjudicatário no cumprimento da obrigação. Ora, a Águas do (...) reservou para o último dia e o último minuto de execução e de vigência contratual a aplicação de tais penalidades, numa altura em que as obrigações contratuais a cujo cumprimento as mesmas penalidades pretenderiam compelir já não seriam passíveis de cumprimento pela AMBI(...) 2, em função da revogação, por acordo (e com o acordo da Águas do (...)), do contrato subjacente.

  17. Neste contexto, a aplicação dessas penalidades revela-se manifestamente ilegal, por óbvio e insustentável desfasamento entre a realidade e a natureza daquelas, pelo que qualquer tentativa de obtenção de pagamento desses mesmos valores, designadamente através da garantia bancária prestada pela S., S.A., é abusiva.

    Também por isso decidiu mal o Tribunal a quo.

    V. As penalidades em causa foram, de resto, aplicadas sem qualquer ponderação no momento da decisão: foram aplicadas numa reunião tida fora da sede social da Águas do (...), no intervalo de uma conferência em que participava, como orador, o Presidente do seu Conselho de Administração, apenas com dois dos membros desse Conselho, sendo a matéria das penalidades o seu ponto 10 da ordem de trabalhos e tendo a reunião durado menos de uma hora, adoptando-se, no final da deliberação, uma formulação dubitativa incompatível com a decisão proferida e o seu impacto junto dos seus destinatários.

  18. O deficit de ponderação é evidente, pelo que tentativa de obtenção de pagamento desses valores, designadamente através da garantia bancária, revela-se abusiva.

    Também por isso decidiu mal o...

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