Acórdão nº 00257/15.2BEMDL de Tribunal Central Administrativo Norte, 13 de Março de 2020

Magistrado ResponsávelHelena Ribeiro
Data da Resolução13 de Março de 2020
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam em conferência os juízes deste Tribunal Central Administrativo Norte, Secção do Contencioso Administrativo: I. RELATÓRIO 1.1. D., intentou ação administrativa especial contra o MINISTÉRIO DA ADMINISTRAÇÃO INTERNA, tendo por objeto a impugnação do ato praticado pela Ministra da Administração Interna que o condenou na pena disciplinar de suspensão, pedindo a declaração de nulidade ou anulação do ato.

Alegou, em síntese, para o efeito: a) a violação do Direito Fundamental ao uso da liberdade de expressão e reivindicação de forma pública; b) a inexistência de factos suscetíveis de integrarem qualquer tipo de ilícito disciplinar, ocorrendo manifesto erro na apreciação dos pressupostos de facto e sua integração jurídica; c) a caducidade do procedimento disciplinar, por incumprimento de diversos prazos procedimentais e, d) a nulidade da prova produzida, por não resultar do processo disciplinar de que modo se procedeu à identificação mediante registos fotográficos, por não ter prestado consentimento para o uso da sua imagem e por a utilização de filmagens e fotografias constituírem meios de prova proibidos.

*Regularmente citado, o Réu contestou, defendendo-se por impugnação, pugnando pela improcedência da ação, e alegou, em suma que, os prazos procedimentais são meramente ordenadores, pelo que, da sua inobservância, não deriva a ilegalidade do ato; que consta do processo disciplinar o modo como o Autor foi identificado nas imagens e a utilização destas não carece de consentimento do Autor e constitui um meio admissível de prova, pois houve uma justa causa para a sua obtenção; que as imagens colhidas são elucidativas da participação do Autor nas palavras de ordem proferidas e da violação de deveres funcionais, que se impõem aos militares da GNR em todas as situações, estejam ou não ao serviço.

*Em 17.01.2017, foi proferido despacho, que fixou o valor da causa e julgou desnecessária a produção de prova adicional.

*O TAF de Mirandela proferiu sentença, que julgou a presente ação improcedente, constando a mesma do seguinte segmento decisório: «Nos termos e com os fundamentos expostos, julga-se a presente ação totalmente improcedente e, consequentemente, absolve-se o Réu do pedido.

Custas pelo Autor.

Registe e Notifique.

»*Inconformado com esta decisão, o autor interpôs o presente recurso de apelação, pedindo que a decisão recorrida seja revogada.

Concluiu as suas alegações da seguinte forma: «1. Violou o Tribunal a quo ao dar provado no ponto 16 que o recorrente proferiu a expressão “Gatuno, Gatuno” dirigida ao Ministro da Administração Interna, errou na apreciação dos elementos probatórios, pois, de toda a prova, em especial, das gravações vídeo, não resulta com a mínima certeza, que tenha proferido esta ou aquela expressão.

  1. Violou o Tribunal o Principio fundamental da Presunção da Inocência e de Nulla Pena Sine Culpa, que tem como corolário a absolvição do reu pela aplicação da regra/principio in dúbio pro reu.

  2. Violou, pois, o previsto nos artigos, 18, n.º 2; art.º 26, 1 (direito à palavra); art.º 32, n.º2; art.º 37, n.º1 (direito de se exprimir livremente o seu pensamento pela palavra, pela imagem ou por qualquer outro meio) e n.º2, todos da Constituição da República Portuguesa.

  3. Violou-se o princípio fundamental da culpa, pois, a mesma não pode ser presumida, excepto nos casos legalmente previstos, sendo que no direito sancionatório não pode ser presumida em circunstância alguma, tem de ser individual, directa, e é intransmissível.

  4. Violou o Tribunal a quo tal principio, pois imputa ao recorrente uma conduta voluntária, ilícita e culposa, por “osmose”, ou seja, por que inserido num grupo não identificável, indeterminado donde ouviu-se a expressão Gatuno, Gatuno, sendo que o mesmo, por associação, também a proferiu.

  5. Esta conclusão do Tribunal a quo, é, salvo o devido respeito, a negação da culpa, e dos mais elementares direitos de um Estado de Direito.

  6. Mais ainda, mesmo que tivesse o recorrente proferido tal expressão, a mesma não violou o previsto no artigo 37, n.º 3 da CRP, pois ao considerar que tal preceito foi violado pelo recorrente o Tribunal a quo errou, tanto mais, que não contextualizou o porque e a origem de tal expressão nem o sentido da mesma.

  7. Violou-se, igualmente, o previsto nos artigos 11, nº 1 e 2 alínea a) do RDGNR, artigo 14, nº1 e 2 alíneas a), d), h) e i) do RDGNR, nem o previsto no artigo 8º do RDGNR, já que a conduta do recorrente não violou o dever de proficiência, nem violou o dever de correção, nem o dever geral que sobre si recai.

Nestes termos alegados, e nos melhores de Direito que V. exas. Certamente suprirão, deve ser procedente o presente recurso, conforme conclusões formuladas e assim revogada a decisão proferida pelo Tribunal a quo, por acórdão que condene a R. conforme peticionado, ou seja, existência de erro nos pressupostos de facto e na apreciação da prova, inexistindo quaisquer factos suscetíveis de integrarem qualquer ilícito disciplinar; e pela violação do Direito Fundamental ao uso da liberdade de expressão, manifestação e reivindicação de forma pública.»*O Réu contra-alegou, formulando as seguintes conclusões: ««1.ª - Pede o Recorrente que seja julgado procedente o recurso apresentado, "(...) e assim revogada a decisão proferida pelo Tribunal a quo, por acórdão que condene a R. conforme peticionado, ou seja, existência de erro nos pressupostos de facto e na apreciação da prova, inexistindo quaisquer factos suscetíveis de integrarem qualquer ilícito disciplinar; e pela violação do Direito Fundamental ao uso da liberdade de expressão, manifestação e reivindicação de forma pública." 2.ª - A Entidade Demandada não pode sufragar as suas conclusões, antes aderindo integralmente à douta sentença recorrida.

  1. - Efetivamente, não se verifica o alegado erro nos pressupostos de facto e na apreciação da prova, porquanto as diligências instrutórias levadas a cabo no processo disciplinar - registos fotográficos e excertos de programas de televisão de vários canais que revelam a presença do Recorrente nas primeiras linhas da manifestação e ainda relatórios das reuniões efetuadas nos comandos para identificação dos militares visionados nos programas televisivos - revelam que o Recorrente se encontrava na primeira linha dos manifestantes que gritavam a palavra de ordem "Gatuno, Gatuno", defronte às instalações do Ministério da Administração Interna.

  2. - A factualidade dada como provada é claramente subsumível aos artigos 8.°, n.° 1 e artigos 11.° e 14.° do RDGNR, uma vez que está em causa a violação dos deveres gerais da conduta dos militares da GNR e dos deveres especiais de proficiência e correção.

  3. - Com efeito, a sua conduta traduz-se em comportamento lesivo do prestígio da instituição, além de falta de respeito pelos superiores hierárquicos.

  4. - Relativamente à invocada violação do direito fundamental de liberdade de expressão, bem andou a douta sentença recorrida ao recordar que os direitos constitucionalmente consagrados estão sujeitos a várias limitações, previstas na própria Constituição, decorrentes do direito criminal, contraordenacional ou disciplinar.

  5. - In casu, a conduta do Recorrente foi apreciada à luz do Regulamento de Disciplina aplicável aos militares da GNR, constituindo os factos dados como provados ilícito disciplinar, não configurando violação do direito constitucional à liberdade de expressão.

TERMOS EM QUE, NOS MELHORES DE DIREITO E COM MUI DOUTO SUPRIMENTO DE VOSSA EXCELÊNCIA, DEVE: - SER NEGADO PROVIMENTO AO RECURSO APRESENTADO, MANTENDO-SE A SENTENÇA RECORRIDA.»*O Ministério Público junto deste TCA Norte, notificado nos termos e para efeitos do disposto no artigo 146.º, n. º1 do CPTA, não emitiu parecer.

*Prescindindo-se dos vistos legais mas com envio prévio do projeto de acórdão aos juízes desembargadores adjuntos, foi o processo submetido à conferência para julgamento.

**II.DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO.

2.1.

Conforme jurisprudência firmada, o objeto de recurso é delimitado em função do teor das conclusões do Recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso –cfr. artigos 144.º, n.º 2 e 146.º, n.º4 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA) e artigos 608.º, n.º2, 635.º, nºs 4 e 5 e 639.º, nºs 1 e 2, do NCPC ex vi artigos 1.º e 140.º do CPTA – e, por força do regime do artigo 149.º do CPTA, o tribunal ad quem no âmbito dos recursos de apelação não se queda por cassar a sentença recorrida, conquanto ainda que declare nula a sentença decide “sempre o objeto da causa, conhecendo de facto e de direito”.

2.2. Nos presentes autos, as questões que a este tribunal cumpre ajuizar, cifram-se em saber se a decisão recorrida violou o princípio da presunção de inocência do arguido em processo disciplinar e se violou o direito fundamental de liberdade de expressão previsto no artigo 37.º da Constituição.

**III. FUNDAMENTAÇÃO III.A DE FACTO 3.1.

O Tribunal de 1.ª instância considerou provados os seguintes factos: « 1.

O Autor é militar da Guarda Nacional Republicana; 2.

Em 01.03.2012, o Autor participou numa manifestação, em Lisboa, promovida pela Associação dos Profissionais da Guarda; 3.

Em 02.03.2012, por despacho do Ministro da Administração Interna, foi determinado que, face aos relatos de que teria sido forçado o perímetro de segurança montado pela Polícia de Segurança Policial defronte do Ministério da Administração Interna, tendo sido utilizadas palavras de ordem apelando à ¯invasão, devia a Inspeção-Geral da Administração Interna ¯(…) proceder à averiguação dos factos, em consequência, apurar todas as responsabilidades legais e disciplinares – cfr. documento, que se dá por integralmente reproduzido, a fls. 1 do processo administrativo apenso aos autos físicos; 4.

Por despacho de 05.03.2012, a Inspetora-Geral da Administração Interna determinou a instauração do procedimento de inquérito n.º 10/2012 – cfr. documento, que se dá...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT