Acórdão nº 01083/14.1BEBRG de Tribunal Central Administrativo Norte, 13 de Março de 2020

Magistrado ResponsávelHelena Ribeiro
Data da Resolução13 de Março de 2020
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam em conferência os juízes deste Tribunal Central Administrativo Norte, Secção do Contencioso Administrativo: I – RELATÓRIO 1.1.M.

, com domicílio no Caminho (…), freguesia de (...), (…) intentou a presente ação administrativa comum contra o ESTADO PORTUGUÊS, o MINISTÉRIO DA JUSTIÇA e o INSTITUTO DE GESTÃO FINANCEIRA E EQUIPAMENTOS DA JUSTIÇA (IGFEJ), pedindo a condenação dos RR. no pagamento de uma indemnização no montante de € 396.057,82 (trezentos e noventa e seis mil, cinquenta e sete euros e oitenta e dois cêntimos) em razão de responsabilidade civil extracontratual do Estado.

Alega, para tanto, em síntese, que celebrou no 1.º Cartório Notarial de (...) uma escritura pública de mútuo com hipoteca através da qual emprestou ao Sr. J. e esposa A. a quantia de 35 milhões de escudos, tendo, simultaneamente, sido constituída hipoteca sobre um imóvel sito no lugar de (...) para garantia do respetivo pagamento, acrescentando que a aludida escritura pública foi outorgada por si e pelo Sr. J., sendo que este último outorgou em nome próprio e na qualidade de procurador da sua esposa A., tendo exibido a correspondente procuração.

Mais refere que, na sequência do incumprimento do pagamento da quantia mutuada tentou reaver o dinheiro o que não conseguiu, uma vez que o Sr. J. foi declarado falido e, apesar de ter intentado uma ação executiva contra a Sra. A., a verdade é que, por acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães transitado em julgado foi decidido que a procuração que o Sr. Ribeiro utilizou no ato de escritura pública para representar a sua esposa não lhe conferia poderes para, em nome desta, confessar qualquer dívida ou acordar algum mútuo, tendo, consequentemente, sido julgada extinta a execução contra a Sra. A..

Alega ainda, que não conseguiu recuperar a quantia mutuada, impossibilidade que se deveu à negligência do Senhor Ajudante Principal do Cartório, que foi quem realizou o ato de escritura, uma vez que este não cumpriu o dever de observância dos poderes do outorgante marido J., constantes da procuração, para se confessar devedor em representação da sua esposa A..

*O IGFEJ contestou ( cfr. fls. 119 a 123 do suporte físico do processo), arguindo a exceção da ineptidão da p.i. e da sua ilegitimidade passiva, defendendo-se ainda por impugnação, requerendo a improcedência da presente ação.

*O Ministério da Justiça contestou ( cfr. fls. 126 a 132 do suporte físico do processo) arguindo as exceções da ilegitimidade passiva e da prescrição do direito invocado pelo autor, defendendo-se ainda por impugnação.

*O Estado Português, representado pelo Ministério Público, contestou, defendendo-se por exceção e por impugnação ( cfr. fls.139 a 150 do suporte físico do processo).

Na defesa por exceção invocou a ilegitimidade passiva do Ministério da Justiça e a prescrição do direito invocado pelo Autor.

No que concerne à defesa por impugnação, alegou, em síntese, que pelo Ajudante Principal do notário onde foi elaborada a escritura de mútuo com hipoteca não foi violado qualquer preceito legal; que a sua conduta não era, por si só, idónea a produzir os alegados danos; que, a haver negligência a mesma caberá ao aqui A. que não apresentou tempestivamente recurso do acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães.

Mais alegou que a hipoteca era inútil uma vez que existiam já duas hipotecas voluntárias registadas com datas anteriores, e que o A. não explicou quais as diligências adotadas tendentes à cobrança da dívida, defendendo, por conseguinte, não estarem preenchidos os pressupostos da obrigação de indemnizar.

Que constitui questão controversa na jurisprudência a suficiência ou não dos poderes para intervir na escritura de mútuo com hipoteca de pessoa munida com poderes para vender e hipotecar bens, entre os quais o imóvel que vai servir de garantia nessa mesma escritura de mútuo com hipoteca. Alude, por último, à culpa do lesado, pugnando, a final, pela improcedência da ação.

*O Autor apresentou requerimento de fls. 162 a 171 (suporte físico do processo), no qual respondeu às exceções invocadas, requereu a intervenção do IRN e alegou factos supervenientes.

Invocou ainda que o doc. n.º1 junto com a contestação apresentada pelo R. Estado português, que contém a avaliação fiscal do imóvel “hipotecado” em 17.000 000$00 está desatualizada e não é consentânea com a realidade, conforme docs. 1 e 2 que junta.

Como factos supervenientes, ocorridos após a entrada da p.i. em juízo, o que sucedeu no dia 27.05.2014, alego, em suma, que a A., que em tempos alegara que a assinatura que constava da procuração era falsa ou que, pelo menos, não se recordava de a ter feito e depois veio a defender não ter dado poderes para a realização dos negócios celebrados com a mesma, veio reconhecer a eficácia aos atos praticados com a procuração relativamente ao outro credor hipotecário, o BES; que o BES recebeu, pela cedência de seu crédito relativamente à A. a quantia de €174.486,25, que foi pago por F. e D. ( doc. que junta sob o n.º1); que a A. recebeu ainda daqueles F. e D. a quantia de €75.513,75 pela venda da sua metade indivisa do imóvel que estava hipotecado a favor do autor ( doc. que junta sob o n.º2); que pelo referido imóvel foram pagos €250.000,00 e ainda se encontra por adquirir/vender a outra metade do imóvel, propriedade do ex-marido da A.; que à data em que foi extinta a execução, o senhor agente de execução já tinha à sua guarda €50.000,00 que tinham sido penhorados, a que acrescia todos os meses cerca de €650,00 por via de uma penhora efetuada à reforma daquela; que requereu um arresto mas o mesmo foi indeferido pela 1.º instância.

*O Estado português respondeu ( cfr. fls. 195 a 196 do suporte físico do processo), alegando, em suma, nada ter a opor ao chamamento do IRN e que aceita os factos constantes dos documentos juntos com o articulado, impugnando tudo o mais alegado, designadamente, os valores recebidos quer pelo BES, quer por A., por não resultar dos referidos documentos se os valores ali referenciados derivam direta e de forma exclusiva da transação da metade indivisa do prédio ali em causa. Mais alega que a transação não resulta homologada por decisão com trânsito em julgado e que os documentos juntos não estão certificados.

*A fls. 228 a 239 do suporte físico do processo foi proferido despacho saneador, que indeferiu a requerida intervenção do IRN, julgou improcedente as exceções da ineptidão da p.i., da ilegitimidade passiva do Réu Estado português e da prescrição do direito invocado e procedentes as exceções da ilegitimidade passiva do IGFEF e do MJ, absolvendo-os da instância; fixou o objeto do litigio e os temas da prova e admitiu os meios de prova.

*Realizou-se audiência de produção de prova, tendo sido elaborada a respetiva ata (cfr. fls. 383 do sitaf).

*Em 26.11.2018, o TAF de Braga proferiu sentença, que julgou a presente ação improcedente, constando a mesma do seguinte segmento decisório: «Nestes termos, decide-se julgar a presente ação improcedente e, em consequência, absolve-se o R. do pedido.

Custas pelo A..

Registe e notifique.» Inconformado com esta decisão, o Autor interpôs o presente recurso de apelação, pedindo que a decisão recorrida seja revogada.

Concluiu as suas alegações da seguinte forma: « I. Dos documentos juntos aos autos é possível verificar que imóvel sob o qual pendia a hipoteca a favor do aqui recorrente, foi vendido, no seguimento do seu cancelamento tendo o primeiro credor hipotecário sido ressarcido na integra e a ali vendedora A. recebido a quantia de € 75.513,75.

  1. Caso a hipoteca se tivesse mantido esse montante teria revertido para o segundo credor hipotecário, o aqui recorrente.

  2. Em sede de resposta, o aqui recorrente, para além do mais veio informar, em 02-09-2014, requerimento com o nº 005074067, o tribunal à quo da existência de factos supervenientes à entrada da acção.

  3. Tendo para tanto esclarecido que em 27-05-2014, a A., que veio reconhecer eficácia aos actos praticados com a procuração relativamente ao outro credor hipotecário, o BES, isto é, com o primeiro credor hipotecário.

  4. Nessa mesma peça processual, o aqui recorrente alegou que por via de tal, o credor BES recebeu pela cedência do seu crédito relativamente à A., a quantia de € 174.486,25, o qual foi pago por F. e D..

  5. Por sua vez a A. recebeu a quantia de € 75.513,75.

  6. Do acervo de documentos juntos é possível verificar que aquela que em tempos foi executada vendeu a metade do imóvel pelo valor de € 250.000,00, isto é foi pago ao BES, por via da cedência do crédito, o montante de 174.486,25 e a A. recebeu a quantia de € 75.513,75.

  7. Caso à procuração não faltassem os poderes que o Tribunal da Relação de Guimarães veio a detectar e que determinaram a inexistência dos mútuos e das hipotecas, o aqui recorrente, enquanto segundo credor hipotecário, teria recebido a quantia de € 75.513,75, no momento em que o prédio foi vendido.

  8. Na medida em que à procuração faltavam poderes para a realização do acto e tal não foi verificado pelo ajudante de notário, o que veio a determinar mais tarde a inexistência e ineficácia dos mútuos e o consequente cancelamento das hipotecas, o aqui recorrente não se pode apresentar no momento da escritura a fim de receber a quantia que excedia o montante salvaguardado pelo primeiro credor hipotecário.

  9. O facto das hipotecas terem sido canceladas determinou que o aqui recorrente, visse frustrada a possibilidade de receber € 75.513,75, isto é, da parte do preço de venda da metade do imóvel que excedia o valor pago ao primeiro credor hipotecário.

  10. A prova de tal facto assenta nos documentos juntos em sede de resposta, sob o doc. nº 1 que supra se reproduziu e que correspondem ao termo de transacção e à escritura de compra e venda.

  11. Pelo que relativamente a este facto se verificou e foi dado como provado o nexo de causalidade e consequentemente, deveria de ter sido reconhecido a obrigação do Réu Estado, aqui recorrido, de indemnizar o aqui recorrente no montante de €...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT