Acórdão nº 00900/15.3BEVIS de Tribunal Central Administrativo Norte, 28 de Fevereiro de 2020
Magistrado Responsável | Luís Migueis Garcia |
Data da Resolução | 28 de Fevereiro de 2020 |
Emissor | Tribunal Central Administrativo Norte |
Acordam em conferência os juízes deste Tribunal Central Administrativo Norte, Secção do Contencioso Administrativo: F. e Outra (residentes na Av.ª (…), (…)) interpõem recurso jurisdicional de decisão do TAF de Viseu, que, em acção administrativa comum intentada contra o Estado Português, julgou que “procede a exceção de impropriedade do meio processual, e, atenta, a impossibilidade de convolação do processo, absolve-se o Réu da instância”.
Concluem: A. O Tribunal recorrido interpretou as normas conjugadas do art. 81.º da Lei n.º 3/2010, de 28/04, do Despacho n.º 19070-B/2010, de 23/12 e do Despacho n.º 7711/2014, de 16/06 no sentido de que o direito de que se arrogam os autores não está suficientemente definido por aquele quadro normativo invocado, carecendo tal definição da mediação de um acto administrativo constitutivo.
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Uma tal interpretação do regime legal relevante é errada, porquanto daquele resulta definido, de forma completa, um direito a favor dos autores, sem necessidade da mediação de qualquer acto administrativo.
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Incorreu, pois, o Tribunal recorrido em erro de julgamento, errando na interpretação das normas do art. 81.º da Lei n.º 3/2010, de 28/04, do Despacho n.º 19070-B/2010, de 23/12 e do Despacho n.º 7711/2014, de 16/06 e na desaplicação da norma do art. 37º/2-e) do CPTA, que assim violou.
Contra-alegou o Estado Português, formulando seguintes conclusões: 1) A presente Ação Administrativa Comum foi instaurada pelos AA. ainda na vigência do CPTA na anterior redação (que lhe continua a ser aplicável – v. art. 15º, nº 2, do Decreto-Lei nº 214-G/2015, de 02/10)contra o Estado Português, representado pelo Ministério Público, peticionando a sua condenação no pagamento da quantia de € 56.319,89, invocando, em suma, que, ao abrigo do disposto no art. 81º da Lei nº 3-B/2010, de 28/04, e nos Despachos nºs 19070-B/2010, de 23/12, e 7711/2014, de 16/06, se qualificam como beneficiários da garantia de recuperação das aplicações de RAIIG e, por isso, têm direito à diferença entre o valor nominal das contas RAIIG, à data de 24/11/2008, e o valor nominal recebido pelos AA. dos FDG, SII e FEI, até 30/03/2014, pelo montante peticionado; 2) Porém, ao contrário do que sustentam, essa sua pretensão não se ajusta à previsão da alínea e) do nº 2 do art. 37º, do CPTA, então vigente; 3) Já que a pretendida “condenação da Administração ao cumprimento de deveres de prestar” não decorrem diretamente das invocadas normas jurídico-administrativas e envolveram a emissão de ato administrativo impugnável; 4) Efetivamente, como decorre, de forma clara inequívoca, do disposto no art. 81º da Lei nº 3-B/2010, de 28/04, e nos Despachos nºs 19070-B/2010, de 23/12, e 7711/2014, de 16/06, e da factualidade dada como provada sob os pontos G) a K), que o apoio à recuperação de até € 250 000 por titular de conta a assegurar aos titulares de contas de retorno absoluto de investimento indireto garantido do BPP, que fossem participantes do fundo especial que investimento e que reunissem os critérios de elegibilidade legalmente aplicáveis, a efetuar pelo Estado dependia da prolação de ato administrativo pela entidade administrativa competente que, verificando do preenchimento dos respetivos pressupostos, lhes reconhecesse o direito a essa garantia, validando-os como seus beneficiários, e determinasse o seu montante; 5) Em conformidade, e no caso, existiu um ato administrativo, através do qual a Administração, no exercício dos poderes de autoridade que lhe estavam conferidos na matéria, definiu autoritariamente a situação dos ora AA., não os reconhecendo como beneficiários da garantia prevista no invocado art. 81º, da Lei nº 3-B/2010, de 28/04, por falta de prova do requisito previsto na alínea a) do nº 1 Despacho nº 19070-B/2010, de 23/12; 6) O qual – como os AA. foram expressamente informados aquando da respetiva notificação – era suscetível de impugnação contenciosa; 7) Desta feita, e ao contrário do defendido pelos AA., a sua pretensão não é subsumível à previsão do art. 37º, nº 2, alínea e), do CPTA, na redação então vigente, que, ao tempo, pudessem acionar através da correspondente forma processual da ação administrativa comum; 8) Pelo contrário, tendo havido – como se impunha, nos termos do disposto no ponto 1 do Despacho nº 19070-B/2010, de 23/12 – uma definição autoritária da sua situação pela entidade administrativa, e dela discordando, caberia aos AA. deduzir contra ela a pertinente impugnação desse ato administrativo (porventura cumulada com pretensão condenatória à prática de ato devido em substituição daquele – art. 47º, nº 2, alínea a)), através da respetiva ação administrativa especial, nos termos do disposto no art. 46º e 50º, do CPTA, na redação então vigente; 9) Que, nos termos do disposto no art. 10º, nº 2, do CPTA, teria que ter sido proposta contra o Ministério das Finanças; 10) Não o tendo feito, e mais do que um erro na forma do processo, existe – tal como foi decidido – uma impropriedade do meio processual utilizado pelos AA.; 11) Que não é suscetível de sanação/convolação, constituindo uma exceção dilatória inominada, determinante da absolvição do R. Estado Português da instância; 12) Pois que, desde logo, e independentemente da sua eventual tempestividade nos termos que foram referidos na decisão recorrida (que, porém, e a nosso ver, incorre num lapso, já que o termo do prazo previsto na alínea b) do nº 2 do art. 58º do CPTA findaria antes em 24/11/2015), o certo é que, atenta a configuração da causa que emerge da petição inicial, tal contenderia inelutavelmente com o princípio da estabilidade da instância consagrado no art. 260º, do CPC; 13) Não só porque a convolação da presente administrativa comum na pertinente ação administrativa especial teria que implicar necessariamente uma alteração simultânea do pedido e da causa de pedir, só legalmente admissível nos termos do disposto no art. 265º, do CPC; 14) Mas também porque essa convolação sempre exigiria, para assegurar a legitimidade passiva, uma verdadeira substituição da parte demandada (isto é, uma substituição do R. Estado Português, representado pelo Ministério Público, pelo Ministério das Finanças), a qual não se mostra legalmente admissível, por não se enquadrar em qualquer das situações de modificação subjetiva da instância previstas na lei; 15) Assim, e como foi considerado na sentença recorrida, qualquer convolação dos presentes autos para o meio processual adequado (isto é, para a ação administrativa especial), sempre redundaria numa total inutilidade, na medida em que a entidade aqui demandada (Estado Português, representado pelo Ministério Público) sempre seria parte ilegítima quanto à pertinente pretensão impugnatória, porventura cumulada com pretensões condenatórias; 16) Para além disso, não tendo os AA. deduzido oportunamente a impugnação daquele ato administrativo e não podendo a presente ação ser nela convolada nos termos sobreditos, é também certo que, nos termos do disposto no art. 38º, nº 2, do CPTA, esta ação administrativa comum não pode assim ser utilizada para obter o efeito que resultaria da anulação daquele ato administrativo que, desta feita, se tornou inimpugnável; 17) Ora, a inidoneidade/impropriedade do meio processual utilizado pelos AA. constitui uma exceção dilatória inominada, que determina a absolvição do R. da instância; 18) Tal como foi decidido na sentença recorrida; 19) Que, assim, e ao contrário do pugnado pelos recorrentes, interpretou devidamente as normas do art. 81º da Lei nº 3-B/2010, de 28/04, do Despacho nº 19070-B/2010, de 23/12, e do Despacho nº 7711/2014, de 16/06, não incorrendo no assacado erro de julgamento.
*Dispensando vistos, vêm os autos a conferência, cumprindo decidir.
*Os factos, fixados pelo tribunal “a quo”:
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Os Autores eram, desde 2002, clientes do Banco Privado Português (cfr. documento junto com a petição inicial sob o nº 1); B) Durante o ano de 2003, os Autores contrataram com o BPP duas aplicações a prazo, no valor total de € 900.000,00 (cfr. documento juntos com a petição inicial sob os nºs 2 e 3); C) A 18/03/2010, entre os Autores, por um lado, e o BPP, BPP Cayman, PIHY 36 e SIV Único, por outro, foi celebrado um designado “Acordo de Reestruturação”, mediante o qual aqueles aderiram a um “Fundo Especial de Investimento Fechado”, e subscreveram 498.785,5693 unidades de participação relativas a este (cfr. documentos juntos com a petição inicial sob os nºs 5 a 8); D) A 15/04/2010, por deliberação do seu Conselho de Administração, o Banco de Portugal revogou a autorização para o exercício da atividade do Banco Privado Português (cfr. documento junto com a petição inicial sob o nº 9); E) Durante o ano de 2010, Fundo de Garantia de Depósitos entregou aos Autores o montante total de € 60.515,20 (cfr. documento junto com a petição inicial sob o nº 11); F) Também durante o ano de 2010, o Sistema de Indemnização aos Investidores entregou aos Autores...
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