Acórdão nº 00520/15.2BEBRG-A de Tribunal Central Administrativo Norte, 15 de Maio de 2020

Magistrado ResponsávelHelena Ribeiro
Data da Resolução15 de Maio de 2020
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam os Juízes Desembargadores do Tribunal Central Administrativo do Norte: I. RELATÓRIO 1.1.M., Associação cívica de direito privado sem fins lucrativos, e A.

, Eleito Local na Assembleia Municipal de (...), moveram ação administrativa contra o MUNICÍPIO DE (...), pedindo a declaração de nulidade ou a anulação: i) da deliberação da Câmara Municipal de (...) de 10.11.2014 de propor e submeter à Assembleia Municipal o reconhecimento do interesse público do novo edifício dos Paços do Concelho; ii) da deliberação da Assembleia Municipal de (...) de 13.12.2014 que reconheceu como sendo de interesse público o novo edifício dos Paços do Concelho; iii) da deliberação da mesma Assembleia Municipal que aprovou o plano de atividades e orçamento de 2015 incluindo a construção do edifício dos Paços do Concelho e, bem assim, iv) das deliberações de 2.2.2015 da Câmara Municipal de (...) de abertura dos procedimentos de ajuste direto para as prestações de serviços relativos à construção dos novos Paços do Concelho.

Alegam, para o efeito, em síntese, que o Réu é proprietário de um prédio rústico sito na Freguesia de (...), do Concelho de (...), que se situa em zona de reserva agrícola nacional, com cursos de água e fonte de água, em zona próxima das margens do Rio (...).

Sobre esse prédio o Réu pretende edificar o Edifício dos Paços do concelho, tendo a Câmara Municipal deliberado propor e submeter à apreciação da Assembleia Municipal, o reconhecimento do Interesse Público Municipal do novo Edifício dos Paços do Concelho, o que foi aprovado.

O referido prédio rústico, não urbanizável, situado fora de zona de construção permitida pela Lei, ou seja, em zona de reserva agrícola nacional, com cursos de água e fonte de água, será assim afeto a zona de construção, invocando-se para o efeito o interesse público ao abrigo do artigo 12º do Plano de Urbanização.

Mais alega que a Câmara Municipal já deliberou a abertura de procedimento por ajuste direto e aprovou o caderno de encargos e convite para a construção do referido edifício, que constituirá um edificado em grande escala para o prédio rústico em causa, não tendo qualquer enquadramento no local em questão, ainda mais sendo um local de reserva agrícola nacional.

As referidas deliberações são ilegais devendo ser declaradas nulas ou anuladas.

*1.2.

O Réu contestou defendendo-se por exceção e por impugnação.

Em sede de defesa por exceção invocou a ilegitimidade ativa dos autores e a inimpugnabilidade das deliberações questionadas.

Defendeu-se ainda por impugnação, alegando não assistir qualquer razão aos AA., tratando-se de trazer para a barra dos tribunais uma questão que é de índole politica, pugnado pela improcedência da ação.

*1.3.

Os AA. replicaram, pugnando pela improcedência das exceções invocadas pelo Réu e requereram o chamamento à lide da CCDR-N – Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Norte a título de intervenção principal provocada ou como contrainteressada.

*1.4.

Em 07 de junho de 2016 o TAF de Braga julgou improcedente o pedido de intervenção principal provocada da CCRD-N e proferiu saneador-sentença no qual se lê o seguinte: «Nos termos e com os fundamentos expostos, julgo verificada a exceção de ilegitimidade ativa dos AA. e, em consequência, absolvo a Entidade Demandada da instância.

Custas a cargo dos AA., não se aplicando a isenção prevista no artigo 4.º do RCP, já que nenhum dos sujeitos ativos tinha legitimidade para intentar ação popular, fixando-se a taxa de justiça em 6 UC – cf. artigo 527.º do CPC.

Registe e notifique.

Elaborado e revisto usando meios informáticos (art.º 131.º, n.º 5 do CPC ex vi art . 1.º do CPTA).»*1.5.

Os Autores não se conformam com o saneador-sentença dele tendo interposto o presente recurso jurisdicional, no qual formulam as seguintes conclusões: «DO ERRO DE JULGAMENTO – QUANTO À LEGITIMIDADE DA RECORRENTE ASSOCIAÇÃO POR UM LADO, I.

Na petição inicial dos presentes autos a 1ª Autora apresentou-se como uma associação denominada por M., tendo identificado os seus estatutos.

II.

Se por um lado o 2º Autor é um membro eleito local do órgão deliberativo do Réu desde as eleições autarquias de 2013, a 1ª Autora é uma associação privada sem fins lucrativos com objeto social político e respetivo cae 94920, tendo sido constituída em 14-04-2014, por escritura pública e trinta outorgantes, naturais, recenseados e residentes no Concelho de (...), III.

Na resposta, a Ré veio invocar nos itens iniciais a ilegitimidade dos Autores, porém, ambos os Autores têm legitimidade processual nestes autos de processo principal porque tinham para a ação popular também instaurada, ao abrigo do direito de ação popular, considerando e além disso a escritura pública e o respetivo cae 94920, IV.

… enquanto o 2º Autor, A., é eleito local e membro da Assembleia Municipal do Réu, desde as eleições autárquicas de 2013.

V.

Ora, para serem partes legítimas é preciso antes de mais que tenham tido o poder de dirigir a pretensão deduzida em juízo, sendo que o pressuposto de legitimidade é que a posição das partes e a relação com a pretensão em juízo.

VI.

Nos termos do art.º 9.º, n.º 2, do CPTA independentemente de ter interesse pessoal na demanda, qualquer pessoa, bem como as associações e fundações defensoras dos interesses em causa, as autarquias locais e o Ministério Público têm legitimidade para propor e intervir, nos termos previstos na lei, em processos principais e cautelares destinados à defesa de valores e bens constitucionalmente protegidos, como a saúde pública, o ambiente, o urbanismo, o ordenamento do território, a qualidade de vida, o património cultural e os bens do Estado, das Regiões Autónomas e das autarquias locais.

VII.

Sendo que os presentes autos, bem como os autos de processo de ação principal foram instaurados nos termos dos art.ºs 51.º e 52.º da Constituição da República Portuguesa, VIII.

Pois claro, dispõe o art. º 52.º, n.º 3, da CRP que: É conferido a todos, pessoalmente ou através de associações de defesa dos interesses em causa, o direito de ação popular nos casos e termos previstos na lei, incluindo o direito de requerer para o lesado ou lesados a correspondente indemnização, nomeadamente para: a)Promover a prevenção, a cessação ou a perseguição judicial das infrações contra a saúde pública, os direitos dos consumidores, a qualidade de vida e a preservação do ambiente e do património cultural; b) Assegurar a defesa dos bens do Estado, das regiões autónomas e das autarquias locais.

IX.

E que, ainda, dispõe o artigo 12º da Lei n.º 83/95, de 31 de agosto que: A ação popular administrativa compreende a ação para defesa dos interesses referidos no artigo 1.º e o recurso contencioso com fundamento em ilegalidade contra quaisquer atos administrativos lesivos dos mesmos interesses.

X.

Todas estas normas foram expressamente violadas pela douta sentença.

XI.

Na verdade, salvo o devido respeito, errou a douta sentença na abordagem concreta da questão, pois, sublinha-se que a enumeração dos interesses difusos protegidos por lei (art.º 1.º, n.º 2, da LAP) é meramente exemplificativa e não taxativa.

XII.

E, além disso, é bom de ver que nos seus estatutos a ora Recorrente associação prevê nas al. f), g) e h) do n.º 1 como objetivos: exercer toda a sua atividade “do povo, pelo povo e para o povo", defender a dignidade da pessoa humana e os direitos, liberdades e garantias dos cidadãos; promover a transparência, democracia, informação, legalidade das entidades públicas e seus atos e competências; XIII.

Pelo que dos estatutos da Recorrente associação não se pode encontrar qualquer controvérsia quanto à aplicação devida da al. b) do art.º 3.º da LAP que refere que constituem requisitos de legitimidade ativa da associações e fundações o incluírem expressamente nas suas atribuições ou nos seus objetivos estatutários a defesa dos interesses em causa no tipo de ação de que se trate.

XIV.

Decorre da Lei que a defesa dos interesses em causa deve estar expressamente contida nas atribuições ou nos estatutos, porém, não decorre da norma legal que essa definição tem de ser minuciosa ao ponto de identificar os interesses difusos em pormenor.

XV.

Tal interpretação retiraria, de resto, a substância do direito previsto no art.º 2.º da LAP, vedando às diversas associações a defesa dos interesses difusos pertencentes ao círculo normal da sua ação estatutária.

XVI.

Pelo que, analisados os estatutos da associação recorrente e o objeto dos presentes autos, é bom de ver que tem interesse direto em demandar.

XVII.

É aqui mais uma vez pertinente acrescentar que, apesar de se tratar de uma formulação genérica, a redação dos estatutos da Recorrente não é uma vaga referência aos princípios da legalidade e do Estado de Direito, que poderiam esvaziar de sentido concreto as exigências do art.º 3.º, al. a), da LAP.

XVIII.

Pelo que deverá ser revogada a douta sentença e substituída por outra que julgue improcedente a exceção de ilegitimidade ativa da Recorrente associação, prosseguindo os autos os demais trâmites até final.

POR OUTRO LADO, XIX.

Deveria em qualquer caso ser reconhecido, ad minus, o interesse indireto da Recorrente na demanda, conforme o art.º 2.º, n.º 1, da LAP, que não obriga que a lesão seja direta.

XX.

Pois sempre seriam titulares do direito de ação quaisquer cidadãos no gozo dos seus direitos civis e políticos e as associações e fundações defensoras dos interesses previstos, independentemente de terem ou não interesse direto na demanda.

XXI.

Nesse sentido os estatutos da recorrente associação previram nos seus objetivos estatutários a defesa dos direitos dos cidadãos eleitores face aos partidos políticos: a) ser uma associação cívica, independente, de serviço imparcial e permanente; b) contribuir para a participação cívica e abertura à sociedade civil, no âmbito local, distrital, regional e nacional; c) promover a cidadania, a liberdade, a democracia; d) apoiar e defender a família; e) desenvolver e concorrer, com legitimidade ativa e...

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