Acórdão nº 00429/11.9BEAVR de Tribunal Central Administrativo Norte, 03 de Dezembro de 2020

Magistrado ResponsávelManuel Escudeiro dos Santos
Data da Resolução03 de Dezembro de 2020
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam, em conferência, os Juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:*1. RELATÓRIO “L. S.A.”., com sinais nos autos, veio interpor recurso da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro que julgou improcedente a impugnação proposta contra o indeferimento da reclamação graciosa deduzida contra a liquidação de 4 taxas de ocupação da via pública no montante total de € 6 971,75, emitida pelo Município de (...).

A Recorrente terminou as suas alegações de recurso formulando as conclusões que se reproduzem de seguida: “1. Na p.i. de impugnação a ora Recorrente assacou várias ilegalidades ao ato de liquidação de taxas efetuado pela CME, sendo a primeira delas a inadmissibilidade de cobrança de uma taxa a título de autorização para ocupar o domínio público.

  1. Com efeito, em virtude de a instalação de condutas no subsolo municipal, bem como a sua ampliação, ser efetuada por uma concessionária de serviço público - a ora Recorrente - no âmbito dessa concessão, a lei deixa claro que não há lugar a qualquer tipo de licenciamento ou autorização por parte da autarquia.

  2. A segunda ilegalidade imputada ao ato de liquidação respeita a um erro na aplicação da taxa, porquanto foi cobrada a taxa prevista nos pontos 11.2.5.1 e 11.2.5.2 da Tabela Geral de Taxas, Licenças e Outras Receitas e não a que se encontra prevista no ponto 11.3.3.2, que é específica para a realidade tributada (ocupação do subsolo com tubos e condutas).

  3. A terceira ilegalidade está relacionada com o facto de a CME ter liquidado taxas de ocupação do espaço público quando, relativamente aos ramais indicados nos Docs. 1 e 2 juntos com a p.i., não existiu utilização de bens dominiais porque estes não foram instalados.

  4. A quarta ilegalidade reside na circunstância de o valor das taxas liquidadas não encontrar correspondência em nenhuma prestação municipal ou custo provocado pelo particular (in casu a Recorrente), nem ter na sua base atividades cuja realização seja de limitar através de critérios de desincentivo, pelo que atentam contra o princípio da equivalência consagrado no artigo 4.º do RGTAL.

  5. Sucede que a sentença recorrida não dedica uma única linha às ilegalidades invocadas pela ora Recorrente e que recaem sobre o ato de liquidação impugnado.

  6. O que o Tribunal a quo fez foi discorrer, em abstrato, sobre a legalidade da cobrança de taxas pela ocupação do subsolo municipal, citando vários acórdãos nesse sentido, mas não se pronunciou sobre as ilegalidades concretamente expostas na p.i., ou seja, sobre as questões invocadas.

  7. Não o tendo feito, só se pode concluir que a douta sentença é nula por omissão de pronúncia, nos termos dos artigos 125.º, n.º 1 do CPPT e 668.º, n.º 1, al. d) do CPC.

  8. Com efeito, a existência de uma autorização ou licenciamento, o erro no ato de liquidação e a conformidade do quantum do tributo com o valor das prestações dirigidas ao sujeito passivo representam verdadeiras questões e não meras soluções jurídicas, pois constituem a causa de pedir e não uma linha de argumentação jurídica e, por conseguinte, o Tribunal tinha o dever de se pronunciar sobre elas (cfr. Douto acórdão do STA de 31-10-2007, processo n.º 01007/06).

  9. Relativamente à liquidação da taxa prevista no ponto nº 11.2.5.1 da Tabela Geral de Taxas, Licenças e Outras Receitas da CME, que prevê a cobrança de € 35,84 por cada “autorização" para construções ou instalações especiais no solo ou no subsolo municipal, a discordância da Recorrente radica na circunstância de inexistir qualquer tipo de autorização, licenciamento ou, se preferirmos, utilizando a expressão contida no n.º 2 do artigo 4.º da LGT, remoção de um obstáculo jurídico à atividade do particular para ocupação do subsolo com a rede de distribuição de gás natural.

  10. De acordo com a Base XVII, n.º 1, al. a) do Decreto-Lei n.º 140/2006, de 26 de julho, a Recorrente tem o direito legal de utilizar o domínio público, seja o domínio público estadual ou municipal porque a lei não faz qualquer distinção, desde que essa utilização se destine à implantação e exploração das infraestruturas da concessão, pelo que não carece de qualquer licença.

  11. Ora, se ao particular já tiver sido atribuído, por lei, o direito de utilizar o domínio público - como sucede no caso concreto - deixa de existir um limite jurídico à atividade que tenha de ser removido, desaparecendo, assim, a ratio essendi da licença.

  12. Existe um erro na liquidação que resulta do facto de a CME ter liquidado uma taxa pela ocupação do subsolo (é esse o seu real propósito) ao abrigo dos pontos n.º 11.2.5,1 e 11.2.5.2 da Tabela Geral de Taxas, Licenças e Outras Receitas, e não do ponto n.º 11.3.3.2 da Tabela (taxa anual pela ocupação do subsolo com tubos e condutas com o valor de € 4,00 por metro linear).

  13. A diferença não é despicienda, porquanto a Recorrente é forçada a pagar, anualmente, uma taxa cujo valor unitário é de € 18,00 por cada metro linear de rede, em detrimento de uma taxa anual de € 4,00 por metro linear que está especificamente prevista para esse tipo de ocupação.

  14. No que respeita especificamente aos ramais identificados nos Docs. 1 e 2 juntos com a p.i., por não terem sido instalados no domínio público ou privado municipal não existe fundamento legal para a cobrança das taxas impugnadas.

  15. Nenhuma prova foi feita pela CME de que estes ramais estavam efetivamente instalados no domínio público, sendo que o ónus da demonstração desse facto, por ser constitutivo do direito de cobrança de uma taxa, impendia sobre a edilidade (cfr. artigo 74.º, n.º 1 da LGT).

  16. Atento o teor dos artigos 4.º, n.º 2 da LGT e 3.º do RGTAL, que elencam os pressupostos ou factos tributários em que uma taxa deve forçosamente assentar, é inadmissível liquidar um tributo a título de ocupação do espaço público quando essa ocupação ou utilização não se verifica.

  17. A utilização de um bem do domínio público ou privado da autarquia constitui o pressuposto ou facto tributário em sentido objetivo, o que significa que, na sua ausência, não existe relação jurídica tributária e, por conseguinte, não há obrigação de pagamento da taxa (cfr. artigo 36.º, n.º 1 da LGT).

  18. Mais: a própria liquidação é nula por ausência de um elemento essencial, que é constituído pelo facto tributário, de modo que não produz qualquer efeito perante o contribuinte (cfr. artigo 133.º, n.º 1 do CPA).

  19. A equivalência jurídica não representa um princípio de direito fiscal, mas apenas uma forma de expressar a necessária bilateralidade das taxas, estando relacionada com a legitimação formal destas. Por outras palavras, a equivalência jurídica significa apenas que a taxa é a contrapartida de algo e a equivalência económica, esta sim um verdadeiro princípio, traduz a indispensável conformidade do valor da taxa ao custo ou ao valor da prestação (o benefício) que visa compensar 21. Acontece que, contrariamente ao que afirma o Mmo. Juiz a quo, não se encontra minimamente demonstrado que as taxas cobradas à Recorrente visam dar cobertura ao custo da prestação que lhe é dirigida (disponibilização de um bem público) ou ao benefício que lhe é proporcionado (valor da prestação).

  20. Essa demonstração, que não foi feita, competia à autarquia enquanto sujeito ativo, conforme o disposto no artigo 74.º, n.º 1 da LGT, e não ao contribuinte.

  21. Existe ainda um desrespeito ao princípio da equivalência por força do agravamento do valor da taxa como forma de desincentivo, o que não se encontra minimamente fundamentado pela autarquia e, mesmo assim, mereceu a concordância do Tribunal a quo.

  22. Com efeito, a CME limita-se a disponibilizar um bem público a um particular e a tolerar a utilização subsequente, sem incorrer em custos de fiscalização ou de manutenção, que correm integralmente por conta da concessionária.

  23. Atenta a natureza bilateral ou sinalagmática das taxas, a respetiva legitimação depende da existência de uma contraprestação geradora de custos ou de um benefício quantificável proporcionado por quem as cobra. Se assim não for, abre-se a porta à tributação, ainda que dissimulada, da utilidade económica que o bem público proporciona ao particular, o que equivale a tributar com base na capacidade contributiva que é própria dos impostos e não das taxas.

  24. Por outro lado, não se encontra fundamentada a razão pela qual no valor da taxa está incorporado um coeficiente de desincentivo da atividade no valor de € 1,50, que corresponde ao valor cobrado por m2/fração e por mês.

  25. Não obstante a possibilidade conferida pelo artigo 4.º, n.º 2 do RGTAL de as autarquias fixarem o valor das taxas de modo a desincentivar a prática de certas atividades, essa faculdade não se traduz em arbítrio porque mesmo que existam desvios aos princípios da equivalência e da igualdade tributária em nome de um objetivo extrafiscal, estes princípios possuem valor reforçado no confronto com outros valores de ordem extrafiscal que o legislador pode pretender acautelar.

  26. In casu, não se revela que objetivo de ordem extrafiscal a CME visa atingir com a aplicação de um coeficiente de desincentivo à ocupação do subsolo, nem se demonstra que esse agravamento é necessário, adequado e indispensável à prossecução daquele objetivo.

  27. Por essa razão, a introdução de um valor de € 1,50 a título de desincentivo no valor das taxas não obedece a critérios objetivos e de legalidade, que nem sequer foram invocados pela CME, sendo antes resultado do arbítrio da edilidade.

  28. Em síntese, estamos perante a liquidação de taxas cujos valores não encontram correspondência no valor de nenhuma prestação municipal ou no custo provocado pelo particular, nem têm na sua base atividades cuja realização seja de limitar através de critérios de desincentivo, pelo que atentam contra o princípio da equivalência previsto no artigo 15.º, n.º 2 da Lei n.º 2/2007 de 15 de janeiro, e no artigo 4.º, n.º 1 do RGTAL, sendo por isso ilegais.

  29. E que não se diga, como o Mmo. Juiz a quo, que se trata de um vício do...

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