Acórdão nº 00565/14.0BEVIS de Tribunal Central Administrativo Norte, 18 de Setembro de 2020

Magistrado ResponsávelRogério Paulo da Costa Martins
Data da Resolução18 de Setembro de 2020
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

EM NOME DO POVO Acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: P.

veio interpor o presente recurso jurisdicional do saneador-sentença de 03.05.2016, pelo qual foram julgadas procedentes, por verificadas, as suscitadas excepções dilatórias quer da falta de interesse em agir do Autor, P., quer a sua ilegitimidade activa para esta acção e, em consequência, foi absolvido o Réu, Ministério da Justiça, da instância.

Invocou, para tanto e em síntese, que o Autor tem interesse em agir e é parte activa legítima, não tendo a decisão recorrida feito uma correcta interpretação dos factos e da legislação aplicável ao caso, violando os artigos 7º do DL nº 423/91, de 30 de Outubro, 59º, 66º e 100º do CPA, 9º, 51º e 55º do CPTA e 267º 268º da Constituição da República Portuguesa, pelo que deve ser revogada.

O Ministério da Justiça contra-alegou, pugnando pela manutenção da decisão recorrida.

O Ministério Público junto deste Tribunal não emitiu parecer.

*Cumpre decidir já que nada a tal obsta.

* I - São estas as conclusões das alegações que definem o objecto do presente recurso jurisdicional: 1. O presente recurso vem interposto da sentença proferida em 03.05.2016, nos autos à margem identificados, a qual julgou procedentes as excepções dilatórias de falta de interesse em agir do Autor e a sua ilegitimidade activa para a presente acção e, consequentemente, a absolvição da instância, o Réu Ministério da Justiça.

2. O Recorrente discorda da decisão recorrida porquanto entende ter o Tribunal a quo incorrido em erro manifesto, no que toca à interpretação e aplicação das normais legais aplicáveis ao caso sub judice, tendo em conta os factos provados, o que implicará que a decisão em crise padeça de injustiça, peticionando a justa reforma da decisão proferida.

3. Na sentença recorrida, consideraram-se provados os seguintes factos: a) O Autor/Recorrente foi condenado por sentença/acórdão transitado em julgado, no âmbito de um processo-crime pelo crime de homicídio na forma tentada, na pena única de 12 anos de prisão, contra S., factos que ocorreram entre os meses de Abril e Junho inclusive, do ano de 2001; b) A lesada, S., deduziu pedido de indemnização cível no âmbito do referido processo-crime onde o Autor/Recorrente foi arguido e demandado cível, tendo este também sido condenado a pagar à mesma, a quantia de €11.722,60, a título de indemnização por danos não patrimoniais, a quantia de €54.867,77, a título de indemnização por danos não patrimoniais e ressarcimento do dano estético que esta sofreu e, ainda, na quantia que se liquidar em execução de sentença a título de danos patrimoniais, acrescidas de juros de mora á taxa de 7%, desde a data da referida sentença, no que respeita à referida quantia de €54.867,77 e no mais, desde Abril de 2002, até integral pagamento; c) Até ao presente, a contra interessada não foi ressarcida voluntariamente ou coercivamente pelo Autor/Recorrente de tais montantes em que foi condenado no referido processo-crime e nem esta intentou qualquer acção executiva com vista o referido pagamento das quantias e, também, não instaurou acção para liquidação em execução de sentença pelos restantes danos patrimoniais em que o Autor/Recorrente foi condenado; d) Em 16 de Março de 2009, a contra interessada requereu junto do Ministro da Justiça a concessão de uma indemnização pelo Estado português, ao abrigo do Decreto-Lei n.º 423/91, de 30/10 e do Decreto Regulamentar n.º 4/93, de 22/02; e) Na sequência de tal pedido, a Comissão de Protecção às Vítimas de Crimes emitiu parecer favorável ao pedido, emitido em 01/06/2009 no qual, por prejuízos sofridos e a situação económica da lesada e contra interessada, lhe deveria ser atribuída uma indemnização no montante de €30.000,00; f) No parecer da Comissão de Protecção às Vítimas de Crimes foi considerado e provado, com fundamento nos factos provados no mencionado processo-crime e ainda nos relatórios clínicos/médicos constantes da instrução do procedimento administrativo), que a contra interessada, esteve totalmente incapacitada para o trabalho até, desde a altura em que os factos foram praticados, até 2004 e, a partir daí, ficou com uma incapacidade permanente parcial de 77% que, praticamente a inabilita quase definitivamente para o exercício de qualquer actividade profissional; g) Mais considerou e deu a referida Comissão como provado que a requerente tinha 22 anos à data dos factos e poderia prolongar a sua vida activa por período não inferior a 40 anos e ainda que auferia uma média mensal de remuneração por conta de outrem de €450,00, e assim o capital necessário para compensar esta perda de capacidade de ganho ou de capacidade de trabalho seria superior a €80.000,00 e, ainda, a indemnização a atribuir ou a que tinha e tem direito a título de indemnização por danos patrimoniais, seria sempre de valor muito superior ao máximo legalmente permitido pelo regime do Decreto-Lei n.º 432/91, de 30/10, tendo proposto atribuir a importância de €30.000,00 pelo Estado; h) Depois de apreciada a questão da caducidade do pedido da contra interessada, no qual considerou justificadas as circunstâncias por que a contra interessada apresentou o seu pedido para além do prazo de um ano, a Sra. Adjunta da Sra. Ministra da Justiça, emitiu parecer concordante com o parecer da Comissão referida no sentido de atribuição à vítima e aqui contra interessada, do montante de €30.000,00 e a Sra. Ministra da Justiça, reiterou e concordou com o valor proposto e autorizou ou concedeu o pagamento à aqui contra interessada o referido montante de €30.000,00, tendo a mesma contra interessada recebido do Ministério da Justiça tal montante, em 26/08/2013; i) Nos termos do disposto no artigo 9º do referido Decreto-Lei n.º 423/91, de 30/10, o Estado Português ficou sub-rogado no direito da contra interessada o Autor/Recorrente, até ao montante de €30.000,00; j) O Estado Português intentou acção cível que corre termos no Tribunal Judicial da Comarca de Viseu sob o n.º 750/14.4TBVIS, do 2º Juízo Cível, contra o Autor/Recorrente, no qual pede a condenação deste ao pagamento da quantia de €30.000,00; k) O Autor/Recorrente apenas tomou conhecimento da mencionada indemnização atribuída pelo Estado Português com a citação para a referida acção em que o Estado lhe moveu, e que ocorreu em Março de 2014 mas posteriormente, a 18 de Março desse mesmo ano de 2014; l) O autor não foi ouvido no procedimento administrativo instaurado e que foi instruído pela comissão de Protecção às Vítimas de Crimes e que concedeu/atribuiu à contra interessada a referida importância de €30.000,00; m) Durante a instrução do procedimento administrativo, a Comissão solicitou à GNR DE (...) informações sobre a situação económica do Autor/Recorrente, tendo entretanto recebido a informação da direcção Geral dos Serviços Prisionais, de que o mesmo já não se encontrava preso e, ainda, sendo informada pela GNR DE (...), de que se encontrava a residir em parte incerta de França, há mais de um ano e, por isso, não era possível informar da sua situação económica; n) O autor/Recorrente, no âmbito dos presentes autos, foi notificado na pessoa da sua mandatária forense da junção pelo Réu do processo/procedimento administrativo, por apenso, a estes mesmos autos e nada disse ou requereu; o) A presente acção deu entrada neste tribunal em 16/09/2014.

4. Os factos considerados provados foram-no com base nos articulados pelas partes, documentos juntos com as respectivas peças processuais e documentos constantes do procedimento administrativo, analisados segundo o princípio da livre apreciação da prova; 5. tendo em conta os factos provados e a legislação aplicável aos mesmos, o Tribunal a quo fez incorrecta interpretação e aplicação dos mesmos, pelo que outra decisão se impunha; 6. Entendeu o Tribunal a quo que ao recorrente falta interesse em agir e legitimidade para os presentes autos, o que obsta ao prosseguimento do processo e ao conhecimento do mérito da causa e consequentemente, levou à absolvição, do Réu, da Instância; 7. Assim não entende o Recorrente porquanto com os presentes autos pretende a anulação do acto administrativo que concedeu a indemnização à contra interessada fundamentando, além do mais, não ter tido intervenção no procedimento administrativo, tendo apenas conhecimento do mesmo através da citação para a acção na qual o Estado Português peticiona o valor daquela a título de sub-rogação; 8. Foi demonstrado e provado que o Recorrente não foi ouvido no procedimento administrativo, conforme alínea L) dos factos provados da sentença recorrida; 9. Fundamenta a decisão recorrida que, ainda que a audição do recorrente fosse solicitada, ficou demonstrado que não foi ouvido pelo facto de se encontrar, alegadamente, a residir em frança e que, não obstante, parte interessada é, ou era, a contra interessada que foi quem formulou o pedido de indemnização, e quem é, era, destinatária do acto impugnado mais fundamentando que o dispositivo constante do referido artigo 7º não confere o estatuto de parte ou interessado no procedimento mas tão só saber das possibilidades do responsável cível em ressarcir a vítima que pretende ser indemnizada pelo Estado; 10. Não concorda o Recorrente com a decisão recorrida, pois entende também ser parte interessada no procedimento porquanto, a decisão também tem efeitos na sua esfera jurídica, tendo interesse processual em agir na sua impugnação; 11. No âmbito do Decreto-Lei n.º 423/91, de 30 de Outubro, a comissão deve proceder a todas as diligências úteis para a instrução do pedido, nomeadamente, ouvindo os requerentes e os responsáveis pela indemnização, nos termos do artigo 7, n.º 1, alínea a); 12. Entende o Recorrente que a sua audição é diligência obrigatória; 13. Ficou demonstrado que no procedimento administrativo a comissão apenas solicitou informações sobre a sua situação económica, nos termos da alínea c), do n.º 1, do artigo 7º, não...

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