Acórdão nº 02518/19.2BEBRG de Tribunal Central Administrativo Norte, 18 de Setembro de 2020

Magistrado ResponsávelMaria Fernanda Antunes Aparício Duarte Brandão
Data da Resolução18 de Setembro de 2020
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam, em conferência, na secção de contencioso administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: RELATÓRIO N., NIF (…), residente na TV (…), instaurou contra a B. – Empresa Municipal de Habitação de (...), NIPC (…), com sede na Rua (…), e contra D., trabalhador da B., providência cautelar de suspensão da eficácia do acto administrativo, praticado pelo Administrador Executivo da B., o qual o determinou a desocupar voluntariamente, no prazo de 5 dias úteis, sob pena de desocupação coerciva, o 1º Direito, da Entrada 1, do Bloco L, do Bairro Social das (...), com o fundamento da ocupação abusiva do mesmo.

Por decisão proferida pelo TAF de Braga foi indeferida a providência cautelar.

Contudo, face ao actual estado de emergência de saúde pública, ficou a Requerida impedida de executar o acto praticado pelo seu Administrador Executivo, o qual determinou o Requerente a desocupar voluntariamente, no prazo de 5 dias úteis, sob pena de desocupação coerciva, o 1º Direito, da Entrada 1, do Bloco L, do Bairro Social das (...), até à cessação da suspensão das acções de despejo e dos procedimentos especiais de despejo.

Desta vem interposto recurso, na parte em que impede a Recorrente de executar o acto em questão com fundamento no disposto no nº 11 do artigo 7º da Lei nº 1-A/2020, de 19.03, na redacção conferida pela Lei nº 4-A/2020, de 06.04.

Alegando, a Requerida formulou as seguintes conclusões: 1ª Nos presentes autos está em causa a suspensão da eficácia de um acto que determinou a desocupação de uma habitação propriedade da Recorrente e que foi ocupada indevida e ilegalmente pelo Recorrido, isto é, sem autorização da Recorrente.

  1. Apesar de não se verificarem os pressupostos para a concessão da providência cautelar o Tribunal recorrido proibiu a Recorrente de executar o acto administrativo (cuja suspensão foi indeferida e que determina a desocupação de uma habitação ocupada ilegalmente) com base no disposto no nº 11 do artigo 7º da Lei nº 1-A/2020, de 19.03, na redacção conferida pela Lei nº 4-A/2020, de 06.04.

  2. O nº 11 do artigo 7º da Lei nº 1-A/2020, de 19.03, na redacção conferida pela Lei nº 4-A/2020, de 06.04, impede a execução de decisões judiciais proferidas em acções de despejo e processos de coisa imóvel arrendada e apenas é aplicável aos arrendatários.

  3. Nos presentes autos ficou provado que o Recorrido não é arrendatário da Recorrente e que ocupou sem autorização e à revelia desta uma habitação da sua propriedade (fls. 32 da sentença recorrida), pelo que, s.m.o., nunca poderia ser aplicável o disposto naquele normativo legal.

  4. A ratio legis do diploma em questão foi proteger na fase aguda da pandemia do Covid- 19 o arrendatário, que apesar de incumprimento (ou não) ocupa um imóvel a coberto de um negócio jurídico (o contrato de arrendamento), situação na qual o Recorrido não se encontra, pois pura e simplesmente entrou num apartamento e lá ficou e de lá não sai, sem nada pagar e contra a vontade da Recorrente.

  5. A sentença recorrida incorreu em erro de julgamento de direito ao aplicar uma norma legal que se destina apenas a proteger os arrendatários e é aplicável a acções de despejo e processos de coisa imóvel arrendada, tendo violado o disposto no nº 11 do artigo 7º da Lei nº 1-A/2020, de 19.03 na redacção conferida pela Lei nº 4-A/2020, de 06.04.

TERMOS EM QUE deve o presente recurso ser julgado totalmente provado e procedente, procedendo à revogação da sentença recorrida no segmento que proíbe a execução do acto por parte da Recorrente até à cessação da suspensão das acções de despejo e dos procedimentos especiais de despejo.

O Requerente juntou contra-alegações, concluindo: I. O Recorrido a 12 de Março de 2020 requereu a declaração de ineficácia dos atos de execução indevida, visto estar em perigo iminente de ser desalojado com a sua família em pleno estado de emergência, provocado pelo coronavírus SARS-CoV-2 e pela doença COVID-19.

  1. A Mma. Juiz decidiu que face ao estado de emergência de saúde pública, a Recorrente ficava impedida de executar o acto de desocupação voluntária, até à cessação da suspensão das ações de despejo e dos procedimentos especiais de despejo, e não poderia ser outra a sua decisão.

  2. Ora, a Resolução fundamentada apresentada pela Recorrente tinha como cerne o grave prejuízo para o interesse público provocado pela suspensão da execução do despejo do Recorrido e, consequente suspensão da empreitada, esta apoiada por fundos europeus.

  3. Tendo em conta o facto do deferimento das resoluções fundamentadas terem de atender ao prejuízo para o interesse público, não poderia ser outra a decisão do Tribunal “a quo”, visto que em tempos de estado de emergência por saúde pública as noções até aí conhecidas se alteram drasticamente.

  4. Para além do mais, a Recorrente faz uma interpretação restritiva da norma ora aplicada – n.º 11 do artigo 7.º da Lei n.º 1-A/2020, de 19.03, na redação conferida pela Lei n.º 4- A/2020, de 06.04 – por considerar que o Recorrido não está abrangido pela mesma, por não ser arrendatário e por o ato suspenso ser de desocupação voluntária de imóvel.

  5. Mas todas estas normas são aplicadas com caráter excecional, com o intuito de garantir o isolamento profilático e na medida das condições específicas ao qual são aplicadas.

  6. Atendendo a situação atual que se vive, as autarquias implementaram medidas próprias para auxiliar assim os seus munícipes, quer medidas económicas, quer medidas que salvaguardam direitos fundamentais, como o direito à habitação, como é o caso do arrendamento social, que só por estas pode ser regulamentado.

  7. A Recorrente seguiu estas políticas de proteção social, e bem, e suspendeu as ações de despejo que recaiam sobre pessoas que ocuparam, ilegalmente, apartamentos nos bairros sociais, tal como é o caso do imóvel do Recorrido.

  8. Pelo que, por tudo quanto vem de se contra-alegar, a Douta Sentença sob escrutínio não é merecedora dos reparos que a Recorrente lhe tece.

TERMOS EM QUE deverá o presente recurso ser declarado improcedente e, em consequência, ser a Sentença mantida no segmento que proíbe a execução do ato por parte da Recorrente até à cessação da suspensão das ações de despejo e dos procedimentos especiais de despejo.

O Senhor Procurador Geral Adjunto, notificado ao abrigo do disposto no artigo 146º/1 do CPTA, emitiu parecer no sentido do não provimento do recurso.

A este respondeu a Recorrente nos termos que aqui se dão por reproduzidos.

Cumpre apreciar e decidir.

FUNDAMENTOS DE FACTO - Na sentença foi fixada a seguinte factualidade: A) Os trabalhadores da Requerida, D. e N., apresentaram ao Administrador Executivo da mesma uma proposta, datada do mês de Novembro de 2017, intitulada “Processo de Permuta das Frações 1.ª Dt.º L entrada 1 pela Fração R/ch Dt.º C entrada 2”, com o teor seguinte: INFORMAÇÃO: No dia 13 de Novembro de 2017, juntamente com o técnico Eng.º N. dirigimo-nos ao B.º Social das (...), com o objetivo de mostrar a nossa Fração no Bloco C entrada 1, R/ch Dtº, visando a possibilidade de permuta com os proprietários da fração 1.º Dtº entrada 1 Bloco L, edifício candidatado aos Programas de revitalização e reabilitação do PEDUS NORTE 2020, sendo de interesse estratégico para a B. EM ser proprietária do maior número de frações nos prédios a intervir e a candidatar.

I.

Durante a visita com a proprietária da fração do Blº L e o seu filho, foi-lhes apresentado como é do seu conhecimento a seguinte proposta: i. Referências ii. Proprietário: Fração: Bloco L entrada 1 - 1.º Dtº Valor patrimonial estimado: 31.685,00€ Tipologia: T 4 iii. B. EM: Fração: Bloco c entrada 1 - Rc/ Dtº Valor Patrimonial tributário: 15.850,00€ Tipologia: T 3 II. Nossa Proposta para permuta: iv.

Permuta por registo e escritura, sendo entregue ao Proprietário uma compensação de 5.000,00 € em valor monetário para auxiliar nas obras e mudanças, bem como a B., EM assume as despesas de registo e de escritura, atendendo a situação sócio económica da família.

Posição do Proprietário: v.

Resposta dos Proprietários: necessitavam de falar conjuntamente com o Marido (ausente da visita) e com os restantes filhos, solicitaram se possível efetuar uma segunda visita no sábado dia 18-11-2017.

Proposta do Proprietário: vi.

Efetuada a visita no sábado, a proprietária contactou no dia 20-11-2017 a B., EM dizendo que visitaram o fogo, mas que na sua opinião e atendendo ao seu estado de degradação e com bastante necessidade de obras, o valor do diferencial (5.000,00€) seria pouco, pelo que se a B., EM. mantiver a sua proposta inicial, mas acrescer apenas o valor em 1.000,00€ no diferencial, o ato de permuta poderia ser realizado, pelo valor de 6.000,00€, mais o pagamento dos custos de escritura e de registo por parte da B., EM Parecer: Face à informação prestada, e atendendo aos seguintes fatores: 1. Diferencial do valor patrimonial: 15.835,00€.

2. Mais-valia com a valorização patrimonial a ocorrer com a permuta 3. Tipologia T4 4. Aquisição de uma fração, enquadrável nos programas de reabilitação e revitalização do PEDU (...).

5. Aumento da propriedade a intervencionar; 6. Encargos: apenas 6.000,00€ mais custos de registos e escritura.

Somos de parecer bastante favorável que se autorize, o processo de permuta, antes do lançamento do concurso e da submissão final da candidatura.

(cf. doc. n.º 1 junto com a oposição da Requerida – fls. 33 e 33/verso do processo físico e pág. 66 do Sitaf); B) Em 21.11.2017, o Administrador Executivo da Requerida concordou com a proposta referida na alínea A) (cf. doc. n.º 1 junto com a oposição da Requerida – fls. 33/verso do processo físico e pág. 66 do Sitaf); C) Em 23.03.2018, o Requerente apresentou à Requerida um pedido de apoio habitacional (cf. doc. n.º 2 junto com a oposição da Requerida – fls. 34 e 35 do processo físico e pág. 66 do Sitaf); D) No âmbito do pedido de apoio habitacional requerido pelo Requerente, os serviços da Requerida elaboraram “Relatório de entrevista”, datado de 30.04.2018, com o seguinte...

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