Acórdão nº 01397/10.0BEPRT de Tribunal Central Administrativo Norte, 15 de Julho de 2011

Data15 Julho 2011
Órgãohttp://vlex.com/desc1/1998_01

Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: 1.

RELATÓRIO J…, inconformado, veio interpor recurso jurisdicional da decisão do TAF do Porto, datada de 17.11.2010, que julgou procedente excepção de caducidade do direito de acção absolvendo o MUNICÍPIO DO PORTO da acção administrativa especial que o mesmo havia deduzido contra este, na qual peticionava a declaração de nulidade do despacho datado de 18.12.2009 proferido pelo Sr. Vereador da CM Porto que lhe ordenava a cessação da utilização da fracção designada pela letra C, referente ao 1.º Dt.º do prédio sito na Av. da Boavista, n.ºs…, Porto, e a condenação do R. a reconhecer como incluído no uso habitacional da fracção o exercício complementar da actividade profissional da advocacia por parte do A. enquanto indústria doméstica.

Formula o A., aqui recorrente jurisdicional, nas respectivas alegações (cfr. fls. 97 e segs.

- paginação processo em suporte físico tal como as referências posteriores a paginação salvo expressa indicação em contrário), as seguintes conclusões que se reproduzem: “...

  1. Na presente acção administrativa especial de impugnação foi proferida decisão, pela qual se julgou procedente a excepção de caducidade do direito de acção suscitada pelo réu e, em consequência, absolveu o mesmo da instância.

  2. Porém, ao decidir como decidiu, o tribunal recorrido incorreu em erro de julgamento na apreciação da caducidade do direito de acção, violando designadamente o disposto no artigo 133.º, n.º 2, al. d), do CPA, no artigo 58.º, n.º 1, do CPTA, e nos artigos 20.º, n.º 1, 65.º e 268.º, n.º 4, da CRP. 3. Na base do invocado na subsunção jurídica está ainda um erro na determinação dos factos provados, que aqui também expressamente se sindica.

  3. Na síntese argumentativa da douta sentença recorrida, o tribunal recorrido deu como provados, entre outros, os seguintes factos: «3) A referida fracção está licenciada para habitação nos termos da licença de utilização n.º 41/72/CMP (facto admitido por acordo)» e «4) No título constitutivo de propriedade horizontal e no respectivo registo, a mesma fracção destina-se a habitação (facto admitido por acordo)».

  4. Sucede que, relativamente a estes factos, é legalmente exigida a prova documental - in casu, por documento autêntico -, não podendo a apresentação do documento respectivo ser substituída por outro meio de prova (cfr. art. 74.º, n.º 3, do RJUE, art. 164.º, n.º 1, do CN, e art. 110.º, n.º 1, do CRP).

  5. Esta restrição à prova documental afasta a possibilidade de prova por confissão, designadamente judicial (admissão por acordo), nos termos do artigo 364.º, n.º 1, do CC.

  6. Não se tendo feito prova do conteúdo da licença de utilização e do título constitutivo da propriedade horizontal e respectivo registo pelos documentos legalmente exigidos (alvará e certidões) - porventura possível a convite do juiz (arts. 265.º, n.º 3, e 266.º, n.º 2, do CPC, aplicável ex vi art. 1.º do CPTA) - não podiam os factos correspondentes ter sido dados como provados.

  7. Por outro lado, a douta sentença recorrida deu como provado que: «5) O autor desenvolve na referida fracção a actividade profissional de advogado (facto admitido por acordo)».

  8. No entanto, o que o autor admitiu foi apenas que «para além de na referida fracção ter fixado a sua residência, tem desenvolvido, também aí, complementar ou acessoriamente, a sua actividade de advogado» (art. 23.º da petição inicial), mas salientando sempre que essa utilização «reveste carácter meramente complementar ou acessório, normalmente ao final da tarde e para receber alguns clientes que residem na periferia ou fora da cidade do Porto» (art. 30.º da petição inicial).

  9. Não é legítimo que o tribunal, por meio de interpolações, da supressão de factos relevantes e da descontextualização das palavras do autor, dê como admitido por acordo um facto que é diametralmente contrário ao sentido da sua alegação.

  10. Nestes termos, e sob pena de deturpação do sentido das alegações das partes, deve a redacção do ponto 5) dos factos provados ser substituída pela seguinte: «5) O autor desenvolve na referida fracção pelo menos alguns actos próprios da sua actividade profissional de advogado (facto admitido por acordo)».

  11. O presente recurso jurisdicional tem por objecto a decisão do TAC do Porto que absolveu o réu da instância, por procedência da excepção de caducidade do direito de acção por ele suscitada.

  12. Em causa está a decisão de uma questão prévia de índole adjectiva, na apreciação da qual o tribunal não avalia nesse momento da existência efectiva dos vícios, antes discorre como se eles existissem.

  13. No caso em apreço, o ora recorrente invocou o vício de violação do conteúdo essencial do direito à habitação, vício esse que, a verificar-se, importaria inevitavelmente a nulidade do acto impugnado.

  14. A impugnação de actos nulos não está sujeita a prazo.

  15. Na decisão da questão prévia da caducidade do direito de acção, o tribunal deveria ter considerado os vícios invocados pelo autor e, sem apreciar nesse momento da existência efectiva dos mesmos, deveria ter discorrido como se eles existissem.

  16. Pelo que se imporia decisão no sentido de ser tempestiva a acção intentada, julgando-se, em consequência, improcedente a excepção da caducidade do direito de acção suscitada pelo réu.

  17. É certo que, mais tarde, ao entrar na análise do mérito do pedido, o tribunal pode concluir que o vício afinal não ocorre no caso em apreço; nesse caso, todavia, o tribunal julgará improcedente a acção por falta de verificação dos seus fundamentos (ao invés de determinar a absolvição da instância, por verificação da excepção dilatória da caducidade).

  18. Em face das alegações de autor e réu, é manifesto que a correcta decisão do mérito da causa supõe a produção ulterior de prova, designadamente da apresentação de documentos indispensáveis à prova do teor da licença de utilização e conteúdo do título constitutivo da propriedade horizontal, bem como a inquirição das testemunhas indicadas sobre o tipo de utilização que é dada ao imóvel.

  19. Na verdade, só confrontando o uso permitido com o uso efectivo pode o tribunal decidir o mérito da acção, concluindo pela verificação ou não dos vícios assacados ao acto administrativo impugnado.

  20. Na apreciação perfunctória e fragmentária que fez dos elementos de prova disponíveis, o tribunal a quo concluiu que não estaria violado o conteúdo essencial do direito à habitação, na medida em que, diversamente do que alega o ora recorrente, o despacho impugnado apenas ordenou a cessação da utilização da fracção para o exercício da advocacia e não também para a habitação.

  21. Para firmar essa conclusão, a douta sentença recorrida, uma vez mais, e porventura inadvertidamente, parte de uma análise truncada dos factos e das provas apresentadas.

  22. É certo que o despacho impugnado se limitou a ordenar a «cessação da utilização nos termos da informação que antecede»; e que em tal informação foi proposto que fosse ordenada a «cessação de utilização da fracção referida no ponto 2.1. da presente informação». No entanto, a remissão para o ponto 2.1. serve apenas para identificar a fracção cuja utilização é feita cessar e não para delimitar o uso cuja cessação foi ordenada.

  23. Da análise de todo o procedimento administrativo, e em particular da informação que precede o acto impugnado, resulta com limpidez que o réu pretendeu sempre ordenar a cessação total da utilização da fracção, porventura por ter partido da premissa errónea de que a dita fracção era apenas usada como escritório de advocacia e já não como habitação (e este erro no estabelecimento das premissas da decisão resultou do facto de o réu ter esteado o procedimento numa delação anónima, sem curar de averiguar no local sobre quais os fins efectivamente dados à fracção e, de entre eles, qual o predominante).

  24. É este também quer o sentido do ofício que acompanha a notificação da decisão, onde pode ler-se: «foi ordenada a cessação da utilização da fracção» e «dispõe V. Ex.a do prazo de 30 dias para proceder à cessação da utilização, sob pena desta Câmara promover coercivamente essa medida».

  25. Um destinatário normal depreende desta notificação que aquilo que se ordena é a cessação total da utilização da fracção, já que não se faz qualquer ressalva relativamente ao uso habitacional.

  26. E apenas esse sentido é coerente com a cominação de execução coerciva.

  27. Se o réu quisesse apenas fazer cessar a utilização da fracção para actos de advocacia tê-lo-ia dito, ordenando apenas a cessação desse uso, sob cominação de desobediência, mas já não sob ameaça de execução coerciva (que sempre seria impossível).

  28. Deste modo, conclui-se que os elementos probatórios para já disponíveis, ainda que insuficientes para sustentar uma decisão sobre o mérito da acção, sempre apontariam preliminarmente no sentido de que a decisão impugnada excede os limites dos poderes de tutela da legalidade administrativa atribuídos ao réu, ofendendo o conteúdo essencial do direito à habitação constitucionalmente consagrado.

  29. O que, a verificar-se na sede própria, conduzirá à procedência da acção …”.

    O R., aqui recorrido, veio produzir contra-alegações (cfr. fls. 127 e segs.

    ) nas quais termina pugnando pela manutenção do julgado, concluindo nos seguintes termos: “...

  30. A douta sentença proferida pelo tribunal a quo e ora colocada em crise pelo Recorrente é, a nosso ver, justa, bem fundamentada e inatacável.

  31. O sentido da decisão e os respectivos fundamentos do tribunal a quo encontrara já acolhimento por parte desse digníssimo tribunal, aquando do acórdão relativo ao procedimento cautelar e que correu os seus termos sob o n.º 414/10.8BEPRT.

  32. O referido aresto determina que «tendo decorrido mais de três meses entre as datas da notificação e da interposição da acção principal - que o Requerente não pôs em causa - torna-se manifesta, nesse contexto, a procedência da excepção da caducidade da acção principal (…)».

  33. Nos...

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