Acórdão nº 00011/05.0BEPNF de Tribunal Central Administrativo Norte, 20 de Janeiro de 2011
Magistrado Responsável | José Luís Paulo Escudeiro |
Data da Resolução | 20 de Janeiro de 2011 |
Emissor | Tribunal Central Administrativo Norte |
Acordam, em conferência, na Secção do Contencioso Tributário do TCAN: I- RELATÓRIO “P…– SOCIEDADE DE PRODUÇÃO E DISTRIBUIÇÃO DE GAS, SA”, devidamente id. nos autos, inconformada com a sentença do TAF de Penafiel, datada de 24.SET.07, que, julgou improcedente a IMPUGNAÇÃO por si deduzida contra a Câmara Municipal de Santo Tirso, recorreu para o TCAN, formulando as seguintes conclusões: I - Face ao requerimento da recorrente para prestação de caução idónea, deve o Venerando Relator apreciar e alterar o efeito devolutivo atribuído ao presente recurso, atribuindo-se-lhe efeito suspensivo (ainda que - o que se requer).
A - Falta de legitimidade ou competência da Câmara Municipal de Santo Tirso para liquidar à recorrente taxas pela ocupação da via pública e subsolo II - Compete ao Estado a implantação, manutenção e expansão da rede de transporte e distribuição do gás canalizado em Portugal - cfr. DL n.° 379/89, competência que o Estado transferiu na Região Norte (nomeadamente no Município de Santo Tirso) para a recorrente por contrato de concessão de um serviço público essencial.
III - Durante a vigência da concessão a titularidade dos direitos e poderes continua na entidade concedente (Estado), embora a faculdade de os exercer passa a ser exclusivamente do concessionário (recorrente).
IV - Através da "Lei de Bases de exploração, em regime de serviço público, de redes de distribuição regional de gás natural" (Base XVII do Decreto-Lei n.° 33/91, de 16 de Janeiro), o Estado procedeu a uma mutação dominial parcial dos domínios públicos afectos a outras entidades - designadamente autarquias -, afectando-os também à instalação do serviço público de distribuição de gás.
V - Apesar de previsto o domínio público autárquico no artigo 84.° da Constituição da República Portuguesa, não existe qualquer lei que individualize um conjunto de bens qualificados como pertencentes a tal domínio.
VI - Certos bens públicos, atenta a função que desempenham, não podem deixar de se encontrar na titularidade do Estado, designadamente os bens afectos a serviços públicos não municipalizados - como é o caso sub judice.
VII - Não tem assim a Câmara Municipal de Santo Tirso legitimidade ou competência para liquidar à recorrente quaisquer taxas pela ocupação da via pública, uma vez que aquela, por força da Lei, ficou privada dos poderes de administração das porções do solo e/ou subsolo da via pública necessárias à instalação da rede de gás.
Sem prescindir, B - Da natureza do tributo liquidado (imposto): violação dos princípios constitucionais da legalidade tributária, da igualdade e da proporcionalidade.
VIII - Não existe sinalagma/correspectividade entre os tributos liquidado e qualquer contraprestação da autarquia, pelo que estamos perante um imposto.
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DO PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA LEGALIDADE TRIBUTÁRIA IX - Os tributos que servem de base à execução em causa não podem classificar-se como taxas, pois que lhes falta o carácter sinalagmático: não lhes corresponde, como contrapartida, uma actividade do Município especialmente dirigida à recorrente.
X - O conceito de taxa pressupõe uma utilização que satisfaça, para além de necessidades colectivas, necessidades individuais de satisfação activa (que exigem a procura das coisas pelo consumidor) e não toda e qualquer utilização de tais bens.
XI - As infra-estruturas da rede de gás natural destinam-se à satisfação de necessidades gerais (colectivas) da população do município de Santo Tirso.
XII - Por força da lei e do contrato de concessão, para prosseguir o serviço público de que está incumbida, a recorrente é obrigada a utilizar o domínio público, de forma a instalar e manter no subsolo as infra-estruturas necessárias à distribuição de gás natural.
XIII - Nos termos do contrato, a extinção da concessão opera a transmissão para o Estado das infra-estruturas da rede de distribuição de gás.
XIV - In casu, o que se verifica é a ocupação e utilização de bens dominiais para instalação e funcionamento de um serviço público; trata-se de bens públicos que são utilizados na sua função própria de satisfação de necessidades colectivas (rede de distribuição de gás natural).
XV - A recorrente nada pode exigir, individualmente, como contraprestação específica das "taxas" de ocupação que lhe foram liquidadas.
XVI - Independentemente da bondade formal e material da solução consagrada, no artigo 21.° do Orçamento do Estado para 2005, aprovado pela Lei n.° 55-B/2004, de 30-12, a Assembleia da República concede uma autorização legislativa ao Governo para alargar as competências dos municípios em matéria de "taxas" de ocupação do subsolo a empresas no domínio da distribuição do gás.
XVII - O que significa que os Municípios não o podem fazer ao abrigo da actual redacção do artigo 19.° da Lei n.° 42/98, de 06-08 (Lei das Finanças Locais).
XVIII - Os actos de liquidação que servem de base à execução a que a recorrente se opõe são verdadeiros impostos, ou pelo menos tributos especiais (em todo o caso, com um tratamento jurídico equiparado ao imposto).
XIX - Pelo que a sua criação e aplicação ultrapassa o poder tributário dos municípios, limitado ao estabelecimento de taxas.
XX - Assim, as normas do Regulamento de Liquidação e Cobrança de Taxas da Câmara Municipal de Matosinhos são inconstitucionais, por violação das normas dos artigos 103.º n.° 2 e 165.° da Constituição da República Portuguesa - princípio da legalidade fiscal.
XXI - A eventual interpretação das normas dos artigos 11.º e 19.° da Lei n.° 42/98, de 06-08, do artigo 4.° da Lei Geral Tributária, das normas do DL n.° 33/91, de 16-01 e do DL n.° 374/89, de 25-10, e do artigo 21.° da Lei n.° 55B/2004, de 31-12, no sentido de as concessionárias de serviços públicos serem "sujeitos passivos" de tributos de ocupação do solo e subsolo e de o tributo municipal relativo à ocupação do solo e subsolo ter uma qualquer contrapartida sinalagmática prestada município, assim consubstanciando uma taxa (e não um imposto), é também manifestamente inconstitucional, por violação dos artigos 103.° e 165.° da Constituição da República Portuguesa.
Sem prescindir, XXII - Ainda que se entenda (no que não se consente) que os Municípios podem prever a cobrança de taxas a uma concessionária de serviço público como contrapartida da utilização de um bem do domínio público, tal previsão não pode ficar sujeita à total arbitrariedade dos Municípios, havendo limites à sua actuação.
XXIII - O entendimento vertido pelo Tribunal Constitucional no acórdão n.° 365/2003 não é aplicável ao caso em apreço, pois refere-se a um litígio em que estava causa a utilização por uma sociedade comercial, a actuar no exclusivo interesse privado, do subsolo de Matosinhos para o transporte de combustível, existindo várias diferenças entre os dois casos: (1°) a recorrente é uma sociedade comercial concessionária de um serviço público que realiza necessidades básicas da população, e está obrigada (pela lei e pelo contrato de concessão) a utilizar o subsolo para construção de infra-estruturas; (2°) o produto que circula nas tubagens construídas pela recorrente é não poluente e não degrada o subsolo, não estando em causa custos ambientais; (3°) por força das cláusulas 47 e 48 do Contrato de Concessão, a recorrente não pode repercutir nos preços do gás natural a cobrar aos seus clientes os tributos impostos pelas autarquias.
XXIV - O montante concreto da taxa não pode ser superior, muito menos consideravelmente superior, ao custo do eventual serviço de gestão do subsolo prestado pelos municípios.
XXV - Se o critério de cálculo da taxa deixasse de ser o custo da contrapartida oferecida pelo ente público e passasse a ser a "utilidade para o particular dessa utilidade, seria impossível calcular em concreto essa utilidade e verificar se existe a “desproporção intolerável” de que fala o Tribunal Constitucional – incerteza essa sim intolerável para qualquer entidade.
XXVI - O recurso a um critério de "utilidade para o beneficiário" para cálculo de taxas a cobrar por serviços camarários viola a ratio legis do legislador constitucional para a inexistência, no caso das taxas, de reserva de lei idêntica à estabelecida para a criação de impostos: a natureza bilateral do acto que dá origem ao dever de pagamento da taxa imporia que a determinação do montante da taxa resultasse unicamente do custo da contrapartida oferecida pela autarquia.
XXVII - Os municípios oferecem esses "serviços" em situação de "monopólio", pelo que o recurso àquele critério de utilidade para o beneficiário não obstaria a que aqueles municípios actuem exclusivamente numa lógica de procura do lucro.
XXVIII - Na determinação prática do montante das taxas (como se pode verificar dos regulamentos de taxas e licenças dos municípios e respectivas tabelas anexas), as autarquias - em particular a de Santo Tirso - não têm respeitado qualquer critério, muito menos o desejável critério do custo da contrapartida oferecida pelo município.
XXIX - De uma situação em que nada lhe era liquidado, a recorrente viu-se confrontada a partir de 2004 com a aplicação de taxas de valores muito elevados e que têm vindo a aumentar de forma continuada (mas irregular) e insustentável para a recorrente.
XXX - Cada Município tem vindo a fixar de forma absolutamente arbitrária o montante das taxas devidas pela ocupação do respectivo solo e subsolo (em alguns casos a diferença chega a atingir os 1580%!!).
XXXI - De modo diferente ao que acontece com a distribuição de gás natural, a Lei da Assembleia da República n.° 5/2004, de 10-02 (regime jurídico aplicável às redes e serviços de comunicações electrónicas) define...
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