Acórdão nº 00827/07.2BEPRT de Tribunal Central Administrativo Norte, 27 de Janeiro de 2011

Magistrado ResponsávelLino José Baptista Rodrigues Ribeiro
Data da Resolução27 de Janeiro de 2011
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam, em conferência, no Tribunal Central Administrativo Norte: 1 – M…, melhor identificado nos autos, interpõe recurso jurisdicional do acórdão proferido em 04/12/2009 pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, que julgou improcedente a acção administrativa especial por si interposta contra o Ministério da Saúde.

Nas alegações, concluiu o seguinte: 1) É substancialmente diferente o que constava do art° 3 da acusação quando se afirmava que o autor/arguido havia afirmado “Eu não posso fazer nada porque já não trabalho aqui” e que resultou provado nos termos da resposta dada, do seguinte teor: “O arguido não avaliou a situação da utente”.

2) O autor defendeu-se daquela afirmação que lhe era imputada em termos muito precisos e específicos. E não o fez por uma razão muito simples: o arguido não vinha disso acusado, tendo-se antes defendido daquele que efectivamente lhe era imputado.

3) No art. 11º da mesma acusação não resulta a imputação de uma omissão relacionada com a falta de avaliação da doente, mas sim, uma falta relacionada com o facto de não lhe ter explicado os motivos que o levava a não poder continuar a ser seguida por ele no Hospital. O que é significativamente coisa diferente.

4) Este facto provado é da maior importância no contexto da proposta de decisão que veio a ser acolhida, e da própria decisão do instrutor do processo, na medida em que por via dele se chegou à integração jurídico-disciplinar da violação do dever de zelo cometida pelo arguido.

5) A expressão “eu não posso fazer nada que não trabalho aqui” - que constava da acusação e que não resultou provada - não implica que o arguido não haja informado a participante de como proceder, como de facto aconteceu.

6) Uma tal alteração comporta alteração substancial do facto acusado que implica a negação ao arguido do efectivo direito de defesa constitucionalmente consagrado o que torna a decisão nula, em face da nulidade insuprível que aquela acarreta. De resto, 7) Tem-se considerado, na doutrina e na jurisprudência, que tendo o relatório se baseado em factos disciplinares não constantes da nota de culpa, tal determina falta de audiência do arguido, o que constitui a falta insuprível prevista no art° 42°, n° 1 do ED.

8) Seria (e é de) exigir uma mais rigorosa apreciação da prova e, em especial, das declarações do casal denunciante, quando se verifica que 9) A denúncia teve ainda a particularidade de se apoiar no testemunho do marido da participante, por efeito de episódio ocorrido no encontro com o Autor, no corredor do hospital, com claras desvantagens para este último, que não se encontrando acompanhado na ocasião, fica refém da versão que aqueles apresentam.

10) À míngua de outras testemunhas presenciais do ocorrido nesse dia (embora, outras - da defesa - as contradite em face de declarações que ouviram da boca da denunciante), e porque aqueles são evidentemente interessados no desfecho condenatório do Autor - demais que em causa está pretensão do casal (denunciante e marido) no reembolso da cirurgia que pagaram, é patente a mentira de ambos em relação ao empréstimo que alegaram ter contraído para pagamento da cirurgia ao Autor, demonstrado e documentado como está que: a) o mesmo foi contraído no âmbito do crédito ao consumo e foi destinado, não à cirurgia, mas sim à aquisição de electrodomésticos (vide fls.16 do processo disciplinar em cujo documento de pedido de empréstimo o casal declara serem verdadeiras as informações que prestaram!... ); b) se não pode olvidar-se o real interesse subjacente daqueles denunciantes - o reembolso do que pagaram.

11) Por outro lado, não há que descurar os depoimentos prestados pelas pessoas que na Clínica tomaram contacto com a denunciante e o que ela disse em momentos diferentes, como sejam os depoimentos prestados, quer pela secretária da clínica do Autor, O…, como as declarações da enfermeira M…, com quem a denunciante falou momentos antes da cirurgia.

12) Uma relevante incoerência do casal prende-se ainda com a questão do empréstimo quando referem que o contraíram para liquidação do custo da operação médica, empréstimo esse que lhes foi concedido em 01/07/2005, como reza o contrato, apodíctico se torna que sabiam do custo da cirurgia antes de ter sido a mesma realizada (06/07/2005), para mais que como consta da denúncia tomaram conhecimento do preço logo no dia 27 de Junho - cfr. art° 14° - sendo absurdo o que a queixosa afirma a fls. 41 do processo disciplinar, quando, em tom de lamento, refere que “se soubesse quanto me ficaria a cirurgia a não teria efectuado.” 13) Se é verdade que na decisão disciplinar o decisor tem liberdade na apreciação da prova, não pode deixar de tomar-se em linha de conta que esse princípio sai mais atenuado nessa fase, na medida em que o instrutor não é gerador da mesma confiança de actuação independente que um magistrado, sendo muitas vezes até motivado pela entidade com exercício da acção disciplinar para dar ao processo um determinado desfecho, mediante prévias intenções que aquela manifesta.

14) O princípio da livre apreciação da prova não atingiu ainda foros de sacralização, em termos de impedir a reapreciação das provas produzidas quando conhecidas e perscrutáveis no processo, mormente quando esteja em causa, na acção, a matéria de facto da decisão sancionatória disciplinar que é atacada e exista indícios claros da necessidade de uma maior atenção dos depoimentos considerados na decisão, em especial, como in casu, 1) por se tratar de depoimentos dos próprios queixosos; 2) existir indícios de um interesse por detrás dessa queixa e 3) existir contradições, omissões, e falsidades em tais depoimentos.

15) De resto, como avisadamente nos vem dando conta a jurisprudência dos nossos tribunais, relembra-se aqui um já distante, mas nem por isso menos autorizado, acórdão do STA, de 29/11/84, BMJ 342-422, assim sumariado, constante da anotação ao art° 66° do ED, do autor M Leal-Henriques: “A prova do facto ou factos integradores de infracção disciplinar é determinada pela convicção do julgador, face aos elementos relevantes que constam do processo. A credibilidade de um depoimento é desfavoravelmente afectada pelas suas contradições, alterações, imprecisões e omissões.” 16) É que, de facto, nenhum julgador pode ser insensível a tais realidades para o seu próprio convencimento acerca dos factos por via de depoimentos cujos sinais dados apontam para uma enorme falta de crédito.

17) A respeito do ponto 3.1.5 dos f.p. da decisão punitiva, na fundamentação daquele facto provado, insolitamente concluiu-se que o arguido “não avaliou” a situação da doente tendo como consequência que a utente do Hospital de S. João viesse a ser consultada e realizado exames e no final submetida a uma intervenção cirúrgica pelo arguido na clínica onde exerce a actividade.

18) Para tal fundou-se na seguinte ordens de razões: - o arguido não demonstrou o que alegou em 20º da sua defesa nem referiu isso nas suas declarações - e o contrário resultar do depoimento do marido da utente. Ora, 19) Uma tal fundamentação parece, a todos os títulos, insustentável, desde logo porque, insiste-se: Não é pela circunstância da defesa não demonstrar um facto que alega que o contrário passa a ficar provado. É que em processo disciplinar, como no processo penal, o ónus probatório incumbe à acusação ante o princípio do “in dubio pro reo”, e um non liquet em matéria de prova resulta sempre em favor do arguido, mercê do princípio da presunção de inocência de que goza; - Não interessa, pelas mesmas razões, descortinar se o arguido referiu esse dado nas declarações que prestou, tanto mais que também não resulta do seu depoimento que o instrutor lhe tenha perguntado: - Last but not least, o que é dito pelo marido, que na opinião do instrutor, contraria a versão da defesa, assenta na tal mentira do casal quanto à informação prestada pelo arguido de que já não trabalhava no Hospital e que não disse à participante para marcar consulta com outro colega.

20) Qualquer cidadão normal sabe que tem direito a consultas externas em Hospital, e ainda mais quando, como na situação em apreço, a utente há anos vinha sendo consultada no Hospital de S. João, assim como qualquer pessoa de mediana condição e formação sabe que quando um médico deixa de dar consultas, ou certo tipo de consultas, nem por isso o utente perde o direito a ser consultada em hospital público.

21) A utente em causa não desconhecia estas realidades, nem ousou afirmar que as ignorava, pelo que estava ciente delas.

22) Como resultou patente de depoimentos que o instrutor ignorou, v.g. das testemunhas, A e C…, a utente pretendia mesmo ser operada pelo Autor em quem depositava total e inesgotável confiança.

23) E mais sobressai do teor da própria queixa apresentada pela utente - vide arts 15 e 21 do teor da participação, sendo que essa mesma foi a ilação retirada pelo Sr. Procurador-Adjunto no DIAP no tocante às razões que ditaram a utente (queixosa) a pretender os serviços privados do arguido/autor.

24) Pelo facto do Director de Serviço se ter pronunciado que em termos de procedimento, no lugar do médico em causa (o Autor) encaminharia o doente para o médico responsável da área hospitalar respectiva, ou para fazer marcação através do processo administrativo, não resulta que existisse obrigação de tomar esse procedimento.

25) Da conjugação dos depoimentos prestados pelas testemunhas da defesa, A… e O…, do depoimento do autor deveria, como deve, o facto constante do ponto 3.1.5 ser dado como não provado, pois que e acordo com os fundamentos da decisão desse ponto da matéria de facto igualmente se considerou desfavoravelmente ao arguido/autor factos que resultaram não provados, do que decorre que a decisão punitiva incorre em vício de violação de lei e em erro nos pressupostos de facto em que assento a decisão, por indevida valoração das provas.

26) Quanto à matéria dos pontos 3.1.6 e 3.1.7, a questão primeira prendia-se em saber se uma vez no Hospital, no dia 2...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT